Na Justiça
Disputa de versões envolve morte de ativista há quase dois anos em Porto Alegre
Ligada a movimento social, Débora de Moraes Lemos Alves, 30 anos, foi encontrada morta em setembro de 2022. Polícia Civil, Ministério Público e a família da mulher dizem que ela foi assassinada pelo companheiro, enquanto a defesa dele sustenta que a vítima teria tirado a própria vida
Uma disputa de versões envolve a morte da ativista Débora de Moraes Lemos Alves, 30 anos, ex-coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), encontrada sem vida em 12 de setembro de 2022, em Porto Alegre. Para o Ministério Público (MP) e para a família de Débora, ela foi vítima de feminicídio. Já a defesa do então companheiro dela, Felipe Fraga Faustino, 44, alega que a mulher teria cometido suicídio.
A Polícia Civil indiciou Faustino pela morte de Débora e o MP denunciou o investigado por homicídio qualificado, por motivo torpe e feminicídio. A Justiça chegou a determinar que o acusado fosse levado a julgamento, mas a defesa dele recorreu contra a decisão, sob alegação de que ele não teve participação na morte de Débora.
Zero Hora obteve acesso aos documentos do processo e conversou com a defesa do réu e advogados da família da vítima, para comparar as duas versões.
Cena do crime
Débora Moraes foi encontrada morta na casa onde morava, no bairro Agronomia, zona leste da Capital. Faustino, que manteve um relacionamento com ela por 12 anos, foi quem chamou o Samu.
No local, os socorristas encontraram a vítima já sem vida, sentada no chão, com uma corda presa ao pescoço e suspensa em uma viga no teto. Latas de cerveja e embalagens de remédio estavam espalhadas no local.
Faustino disse que a porta estava trancada e que precisou arrombá-la. O homem afirmou que não alterou o local após ter entrado e que teria imediatamente chamado a emergência.
Posição do corpo
Em nota (leia íntegra abaixo), o advogado Bruno Baum Pereira, que representa Felipe Faustino, cita parte do laudo do perito que analisou a cena do crime para sustentar sua versão. O trecho afirma que “a hipótese de que a vítima tenha efetuado todos os atos referentes ao seu enforcamento é factível.”
Já a investigação da polícia aponta que, mesmo que fosse possível o suicídio, seria improvável. Segundo a Polícia Civil, a causa da morte de Débora foi de fato a asfixia, mas teria sido Faustino o responsável pela lesão fatal e os indícios de suicídio teriam sido supostamente simulados.
Um dos principais elementos da tese da acusação é a posição em que Débora foi encontrada: sentada, com os glúteos encostando no chão, e não suspensa.
A vítima também apresentava lesões na boca e nos pulsos, sem qualquer ligação com o enforcamento, mas compatíveis com agressões físicas de resistência.
Depressão
O acusado alegou que a companheira estava depressiva e que fazia uso frequente de álcool e remédios. Segundo a defesa, uma traição cometida pelo homem teria abalado Débora e, assim, “contribuído para a sua decisão trágica”. Para a defesa, as embalagens de medicamentos e álcool encontradas junto ao corpo seriam uma prova de que ela teria cometido suicídio sob efeito dessas substâncias.
A defesa enfatiza que, embora Felipe Fraga Faustino não tenha envolvimento no homicídio, ele se sente profundamente responsável pelo suicídio de Débora.
BRUNO BAUM PEREIRA,ROBERTHA MACHADO E LARISSA ENES
Advogados do réu
Já a advogada Alice Resadori, representante legal da família da ativista, afirma que os laudos toxicológicos e de álcool deram negativos.
Traição
Ainda conforme o inquérito, vizinhos relataram que no dia anterior o casal teria discutido sobre uma traição, mas não a citada pela defesa do investigado. Trataria-se de um caso que Débora teria com outro homem. Este suposto amante foi ouvido e confirmou que manteve relacionamento com a vítima, acrescentando que “ela relatou que sempre foi ameaçada de morte por ele (Faustino).”
Felipe Faustino relatou na investigação que não sabia sobre esta traição.
Infelizmente, é comum que nos crimes de feminicídio sejam levantadas teses de defesa de que o crime teria se tratado de um suicídio, o que não apenas oculta a importante pauta da violência contra as mulheres, como também desacredita a vítima mesmo depois de morta.
ALICE RESADORI
Advogada da família de Débora
Boletins de ocorrência
Familiares da vítima relataram em juízo que Faustino seria “uma pessoa possessiva, ciumenta e controladora”. Também há registros de ocorrências policiais feitas pela mulher contra Faustino, por violência doméstica, desde o ano de 2017.
A mãe de Débora relatou à polícia que a filha queria romper com o réu e que ele não tolerava a ideia.
— Nunca aceitou (o rompimento). Inclusive ele sempre disse essa palavra: casamento é para a vida toda — relatou a mãe da vítima em depoimento.
Álibis
O homem teria apresentado dois álibis em dois momentos diferentes. Primeiro, em interrogatório à polícia, que teria ido ao bairro Medianeira na hora da morte. Mas a polícia afirma, com base no georreferenciamento do celular do réu, que ele “não saiu da zona do perímetro do local do fato”, ou seja, o bairro Agronomia.
Em juízo, Felipe disse que estaria na casa de sua amante, mas não trouxe aos autos outro elemento para sustentar o álibi.
Quem era a vítima
Débora foi coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Porto Alegre, onde era tida como figura forte e importante. Ela trabalhava como segurança em uma universidade da Capital e cursava Nutrição.
Ela e Faustino tinham uma filha, atualmente com oito anos. Após a morte da mãe, a criança passou a viver com familiares maternos.
O que dizem os advogados
Alice Resadori, que representa a família de Débora
“Este é um caso bastante emblemático na luta contra o feminicídio no RS, a vítima era liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e foi incansável na luta pelos direitos dos atingidos pela barragem da Lomba do Sabão. Por isso, manter acesa a sua memória noticiando este crime é imensamente importante, pois ajuda na compreensão da população sobre a importância do enfrentamento às violências contra as mulheres.
Infelizmente, é comum que nos crimes de feminicídio sejam levantadas teses de defesa de que o crime teria se tratado de um suicídio, o que não apenas oculta a importante pauta da violência contra as mulheres, como também desacredita a vítima mesmo depois de morta.”
Bruno Baum Pereira, Robertha Machado e Larissa Enes, que representam Faustino
“A defesa de Felipe Fraga Faustino (...) esclarece que o caso em questão trata-se de um suicídio. O próprio perito atestou no laudo definitivo:
'Considerando os objetos presentes junto ao corpo (cadeira de rodas e bancos), os quais poderiam ser utilizados, sozinhos ou em conjunto, para facilitar o acesso da vítima ao ponto de amarração no caibro do telhado, a hipótese de que a vítima tenha efetuado todos os atos referentes ao seu enforcamento é factível'.
A defesa enfatiza que, embora Felipe Fraga Faustino não tenha envolvimento no homicídio, ele se sente profundamente responsável pelo suicídio de Débora. Esse sentimento de responsabilidade decorre do fato de Felipe ter traído Débora, e ela ter descoberto a traição, o que pode ter contribuído para a sua decisão trágica. Todos esclarecimentos serão esclarecidos no plenário.”
*Produção: Camila Mendes