Polícia



Atlas da Violência

RS pode ter até 89 homicídios ocultos em 2022 em estatísticas do Ministério da Saúde

Estudo utiliza uma metodologia com emprego de inteligência artificial para estimar os casos que teriam sido erroneamente classificados como mortes violentas por causa indeterminada. Dados usados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)

15/07/2024 - 11h25min

Atualizada em: 15/07/2024 - 11h25min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Marcelo Dargelio/NB Notícias / Divulgação

Até 89 assassinatos ocorridos no Rio Grande do Sul podem ter ficado de fora das estatísticas do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, em 2022. É o que aponta o Atlas da Violência 2024, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São os chamados homicídios ocultos – mortes com causa indeterminada, classificados no estudo como assassinatos, devido às características.

No ano de 2022, foram 1.964 casos de homicídios registrados pelo SIM no Estado – o sistema não é o mesmo usado pelas polícias, que utilizam os registros de ocorrências. O número de homicídios analisado pelo Atlas, neste caso, é obtido a partir da soma de mortes por agressão, intervenção legal e operações de guerra registradas no SIM. 

Segundo o Atlas da Violência, teriam ocorrido, na verdade, 2.053 assassinatos no RS, já que 89 teriam ficado de fora dessa estatística. Para chegar a essa conclusão, o estudo utiliza uma metodologia com emprego de inteligência artificial para estimar os casos que teriam sido erroneamente classificados como mortes violentas por causa indeterminada.

São levados em conta aspectos como características das vítimas e situações relacionadas à morte, como idade, sexo, raça, cor, estado civil, escolaridade, local, ano, mês e dia do óbito. A partir disso, é realizada a classificação das mortes violentas com causa indefinida, apontando quais têm probabilidade de serem homicídios ocultos.

— Fazemos uma análise tecida em dados, para ver qual a probabilidade de a vítima ter sido morta por homicídio. Nesses últimos 10 anos, cerca de 132 mil pessoas (131.562) morreram de morte violenta no Brasil e o Estado não conseguiu dizer o porquê, se acidente, suicídio ou homicídio. Isso é muito grave. É fundamental que se tenha bons indicadores apurados, que permitam funcionar como termômetro, para poder pensar políticas públicas — explica o coordenador do Atlas da Violência, Daniel Cerqueira, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A situação mais preocupante no país se dá em São Paulo, onde foram identificados 2.410 homicídios ocultos em 2022. Na sequência vem o Rio de Janeiro, com 843. Na lista dos Estados, o RS aparece na 12ª posição em número de casos. Quando olhamos os dados de 2012 a 2022, o RS soma até 955 homicídios que podem ter ficado ocultos nas estatísticas do SIM. Em São Paulo, nesse mesmo período, foram 18.492 mortes sem causa determinada classificadas como homicídios ocultos.

Compartilhamento de dados

Na ótica do pesquisador, dois fatores são responsáveis por gerar esse número de homicídios com causa indeterminada. Um deles, considerado como o principal, é a soma de falhas no compartilhamento dos dados.

Não existe compartilhamento adequado de dados entre as secretarias de segurança e de saúde. Se o técnico da saúde não tem a informação, não pode colocar como homicídio, então coloca “morte violenta com causa indeterminada”. Em alguns casos, a polícia até já tem essa informação, de que é um homicídio, mas ela não é repassada. Esse é o grande problema. Outra possibilidade é a própria polícia não chegar a uma conclusão inequívoca de que foi um homicídio — explica.

Em Porto Alegre, no ano de 2022, segundo o Atlas, até 10 homicídios teriam permanecido ocultos nos registros do Ministério da Saúde. Foram 376 casos registrados no sistema, mas o total é estimado como 386.

Entenda

O Atlas da Violência utiliza dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde.

Quando uma pessoa morre de morte violenta, o corpo deve ser analisado por um médico legista, que vai avaliar o caso. Na declaração de óbito, o médico pode apontar qual a provável circunstância da morte, se suicídio, homicídio, acidente ou outra causa. Mas nem sempre isso é possível. Então, o médico deixa esse campo em branco. Essa declaração serve de base para abastecimento do sistema do Ministério da Saúde. 

As mortes violentas com causas identificadas registradas no SIM podem ser classificadas como homicídios (agressões e mortes por intervenção legal), suicídios ou mortes decorrentes de acidentes. Quando não se consegue identificar a causa, o óbito é classificado como Morte Violenta por Causa Indeterminada. Na base de dados do SIM foi percebido aumento das mortes violentas com causa indeterminada, a partir de 2018.

O banco de dados usado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do RS é outro, com base nos registros realizadas pelas polícias, ponto de partida das investigações dos crimes. Os dados da SSP apontam 1.761 vítimas de homicídios em 2022 no Estado, além de 52 vítimas de latrocínios (roubos com morte) e 110 feminicídios.

O RS utiliza ainda um outro indicador para analisar os números da segurança pública, que são os crimes violentos letais intencionais (CVLIs). Em 2022, foram registradas 2.115 vítimas de CVLIs no Estado. Esses dados incluem homicídios dolosos de trânsito, abortos, induzimentos ou auxílio ao suicídio, infanticídios, homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial, lesões corporais seguidas de morte, feminicídios, homicídios e latrocínios.

No Brasil

As estatísticas oficiais mostram que o Brasil registrou 46.409 homicídios em 2022, uma taxa de 21,7 por 100 mil habitantes. Mas os autores do Atlas da Violência 2024 estimam, no entanto, 52.391 homicídios, somando a quantidade de casos oficialmente registrados com os que ficaram ocultos. 

Segundo o Ministério da Saúde, os dados do SIM “passam por processos de aprimoramento da qualificação dos dados de mortalidade”. Os processos são realizados em três etapas, junto aos Estados e municípios, a fim de verificar os dados e evitar possíveis inconsistências.


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