Região Metropolitana
Dois anos e meio depois, desaparecimento de casal em Cachoeirinha segue cercado de mistério; filha e neto devem ir a júri
Rubem Affonso Heger, 85 anos, e Marlene dos Passos Stafford Heger, 53, sumiram em fevereiro de 2022. Expectativa é de que seja agendado em breve o júri de Cláudia de Almeida Heger, 52, filha do idoso, e de Andrew Heger Ribas, 30, neto dele
Às 11h25min de 27 de fevereiro de 2022, um domingo de Carnaval, Marlene dos Passos Stafford Heger, 53 anos, abriu o portão de casa, em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, para que a enteada e o filho dela ingressassem de carro no pátio. Às 15h20min, o mesmo veículo foi manobrado pelo neto até a garagem da residência. Logo depois, colchões foram colocados na entrada, impossibilitando a visão para dentro da casa. Às 15h47min, o automóvel deixou a moradia.
Essa sequência de imagens, captada pela câmera de segurança de outra casa, é considerada uma das principais pistas do que teria acontecido com um casal, desaparecido há dois anos e meio. Aquela foi a última vez em que Marlene foi vista, assim como o marido, Rubem Affonso Heger, 85.
A filha e o neto dele, flagrados nas imagens, são acusados de terem assassinado os dois e ocultado os corpos, que nunca foram encontrados. Cláudia de Almeida Heger, 52, e Andrew Heger Ribas, 30, que negam o crime, devem ser submetidos a júri.
Cláudia admite que o pai e a madrasta estavam dentro do carro quando eles deixaram a residência. Alega, no entanto, que os dois foram passar alguns dias na casa dela, em Canoas, e que de lá desapareceram. Segundo a mulher, ela foi até um posto de saúde e, quando retornou, o casal não estava mais. A versão foi investigada pela polícia e causou estranhamento em familiares.
Pessoas próximas ao casal dizem que Cláudia não mantinha bom relacionamento com o pai e nem costumava visitar a casa. A polícia passou a suspeitar que mãe e filho tenham matado os dois e usado o carro para transportar e esconder os corpos. A cachorrinha do casal também foi encontrada morta no pátio — a causa é desconhecida.
Um dos pontos que levantaram suspeita é o fato de que Rubem necessitava de medicação diária e fazia uso de oxigênio, em razão da saúde debilitada. O cilindro estava na moradia do casal. Somaram-se a isso outros elementos, como o fato de que Cláudia adquiriu em 9 de fevereiro numa ferragem próxima de sua casa, em Canoas, lonas, braçadeiras plásticas e fitas crepe. No dia 16 de fevereiro, voltou ao mesmo estabelecimento e comprou braçadeiras de nylon, tinta spray e fita adesiva.
A polícia também considerou suspeito que uma semana antes do crime o neto instalou uma película escura nos vidros do veículo. Além disso, no celular de Andrew, segundo a Polícia Civil, foram encontrados vídeos gravados em áreas de mata. Buscas foram realizadas, inclusive com auxílio dos bombeiros, em locais assim. A polícia buscou refazer também o trajeto realizado pelo veículo, entre Cachoeirinha e Canoas. No entanto, nenhuma pista de onde poderiam estar os corpos do casal foi encontrada.
— Isso desestabilizou completamente a família, trazendo prejuízos irreversíveis. Não puderam sequer sofrer pelo luto de um corpo, eis que até hoje não se tem conhecimento do paradeiro — diz Priscilla Marmacedo, advogada que representa a família das vítimas no processo.
Cláudia continua presa e Andrew, que foi considerado incapaz de compreender os atos criminosos, segue internado no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF).
Expectativa pelo júri
Para o Ministério Público, Cláudia planejou matar o pai e a madrasta motivada tanto pelas desavenças que tinha com ele, como pelo interesse financeiro. Um falso sequestro em 2016, pelo qual a mulher responde processo, é apontado como o fator do rompimento da relação de pai e filha, e um dos motivos que teria levado ao planejamento do crime. É esse contexto que a acusação deve levar ao júri dos dois.
Em setembro do ano passado, o juiz Marco Luciano Wächter, da 1ª Vara Criminal de Cachoerinha, decidiu enviar os réus ao Tribunal do Júri. No entanto, houve recursos das defesas, tentando reverter a decisão. O Tribunal de Justiça negou os pedidos e manteve o veredito do magistrado. A expectativa é de que a data do julgamento seja agendada em breve.
— Embora estejam presos, a sensação de justiça só se terá com a devida condenação dos criminosos — afirma a advogada da família.
Defesa de ré também quer julgamento
Pela defesa, os advogados que representam atualmente Cláudia também dizem estar na expectativa de que o julgamento seja agendado e ocorra neste ano. O recurso, negado pelo TJ-RS, havia sido encaminhado pelos advogados anteriores. Depois disso, a ré constituiu a nova defesa, passando a ser representada por Daniel Eduardo Cândido, Robertha Ferreira da Silva e Thais Comassetto Felix.
“Estamos aguardando a finalização da etapa recursal no TJRS para que seja agendado com a maior brevidade possível o julgamento pelo tribunal do júri. A expectativa é que o julgamento pelo tribunal do júri ocorra ainda em 2024, para que seja finalmente reconhecida sua inocência e cesse o sofrimento e descaso pela qual vem passando por parte do Estado. A defesa acredita que o tribunal popular absolverá Cláudia de Almeida Heger da totalidade dos fatos”, afirmam os advogados.
Segundo a defesa, o estado de saúde de Cláudia é grave, pois ela se encontra tetraplégica e passa por frequentes internações hospitalares. A defesa afirma que tentou diversas vezes “que o judiciário conferisse a ela tratamento de saúde minimamente digno, afinal, a casa prisional já afirmou no processo, em mais de uma oportunidade, que não possui recursos para tratamento do citomegalovírus que ela contraiu dentro do sistema prisional, depois de seu retorno ao cárcere em 2023”.
Ao longo do processo, Cláudia chegou a ser encaminhada para prisão domiciliar, por alegar paraplegia decorrente de um quadro infeccioso. Mas retornou à prisão, após, segundo o Ministério Público, ser flagrada caminhando dentro do Hospital Vila Nova, em Porto Alegre.
Ainda conforme a acusação, ela compareceu a uma audiência dirigindo veículo que não era adaptado para pessoa com deficiência. Imagens captadas pela câmera do Fórum de Cachoeirinha registraram Cláudia seguindo até o carro, e levantando a cadeira de rodas para se acomodar no banco do motorista. Logo depois, deixou o local dirigindo o mesmo automóvel.
Zero Hora tentou contato com o advogado André Von Berg, responsável pela defesa de Andrew, mas não obteve retorno até o momento. O espaço está aberto para manifestação.
Os crimes
Os dois respondem pelos crimes de duplo homicídio qualificado. São acusados de terem cometido os assassinatos usando de dissimulação, por motivo torpe e traição. Além disso, respondem pelos crimes de ocultação de cadáver, já que os corpos das vítimas nunca foram encontrados.
Há ainda outros crimes pelos quais os dois devem ser julgados, entre eles maus-tratos a animal doméstico, já que a cachorrinha do casal foi encontrada morta. Os réus são acusados também de fraude processual. Cláudia responde ainda por desacato, e Andrew por resistência à abordagem policial.