Polícia



Operação Charlatan

"Para mim, estava falando com meu advogado", diz vítima de golpe que teria atingido milhares de clientes em escritório 

Moradora da zona sul de Porto Alegre aguardava receber valores de ação previdenciária, quando foi enganada por estelionatários. Ofensiva é realizada pela polícia do RS nesta quinta-feira, no Ceará

27/03/2025 - 10h50min

Atualizada em: 27/03/2025 - 10h52min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Sonia Maria Barreto de Melo, 54 anos, vitima do golpe.

Foi por mensagem no celular que Sonia Maria Barreto de Melo, 54 anos, recebeu a confirmação que esperava: o pagamento de uma ação previdenciária. Técnica em enfermagem há três décadas, a moradora da zona sul de Porto Alegre aguardava pela revisão da aposentadoria. A euforia, em poucas horas, deu lugar à frustração, após ela descobrir que havia sido vítima de um golpe.

Sonia é uma das clientes lesadas por uma trapaça, alvo de operação nesta quinta-feira (27). A ofensiva é realizada no Ceará, após investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. São cumpridos 12 mandados de prisão temporária e 24 ordens de busca e apreensão. A operação é realizada na capital, Fortaleza, e no município de Maracanaú, na Região Metropolitana do Estado cearense.

A investigação descobriu um grupo que seria responsável pelo chamado golpe do falso advogado, no qual criminosos se passam por escritórios de advocacia para enganar vítimas e conseguir obter dinheiro. No caso dela, os golpistas prometeram que ela receberia em dois dias o pagamento de R$ 80 mil. A técnica em enfermagem estava dentro do carro, com o marido, quando recebeu a mensagem.

— Era uma conversa de advogado, me cumprimentando e dizendo que tínhamos ganho uma causa que eu estava aguardando na Justiça, mas teria que pagar as custas.

Em casa, Sonia começou a fazer planos com o valor, que seria investido na construção de um imóvel na praia. Os golpistas alegaram, no entanto, que, para efetivar a liberação, era necessários arcar com alguns custos, no valor de R$ 1,9 mil.

Para mim, estava falando com meu advogado. Fiquei bem feliz, comemoramos bastante

SONIA MARIA BARRETO DE MELO

TÉCNICA EM ENFERMAGEM

— Ele mandou todo meu processo, o número, tinham todos os meus dados, os dados do doutor. Nem pensei muito, mandei o Pix — lembra.

(AQUI VAI O VÍDEO)

Algumas horas depois, ela recebeu nova mensagem, desta vez pedindo o pagamento de mais R$ 6 mil. Foi quando Sonia percebeu que poderia ter sido enganada por golpistas. A confirmação se deu após ligar para o escritório do advogado, Raul Kraft Tramunt.

— Eu pensei “tem algo errado”. Aí liguei para o meu advogado e ele disse que era golpe — diz.

Sonia foi orientada a registrar ocorrência na Polícia Civil. Enquanto estava na delegacia, seguia recebendo mensagens dos golpistas, que insistiam para que ela efetivasse o pagamento.

— Era um dinheiro que a gente pretendia usar nas férias. Estava saindo de viagem. Não era algo para simplesmente entregar assim para golpistas. Vi na TV que muitas pessoas caíram, especialmente idosos — lamenta.

"Clientes ligavam bastante descontentes", diz advogado

Chamadas incessantes, no telefone fixo e no WhatsApp, congestionaram as linhas de um escritório de advocacia de Porto Alegre, alvo do golpe. Os criminosos, segundo a polícia, passaram a usar dados dos advogados e de processos para enganar os clientes. Segundo o advogado Raul Kraft Tramunt, as tentativas de golpe se iniciaram em maio de 2023. Os estelionatários dispararam mensagens para cerca de cinco mil pessoas, entre clientes e familiares.

Imagina uma relação de clientes de quase 20 anos de processo ligando, em torno de duas semanas, ao mesmo tempo. Foi um estresse bastante grande, para conseguir entender, comunicar a polícia e montar a operação para dar conta disso tudo. Não foi fácil.

RAUL KRAFT TRAMUNT

Advogado previdenciário

— Foi aí que a gente viu que não era um golpe qualquer, era um golpe personalizado, com informações que são públicas, mas não são de fácil acesso. Necessita de um conhecimento, de entrar no processo, descobrir o número de telefone daquela pessoa vinculada. Acendemos a luz vermelha do escritório. Neste momento, vimos que teríamos um problema grande pela frente — descreve o advogado.

Assim como no caso de Sonia, os golpistas entravam em contato afirmando que o cliente havia ganhado a ação previdenciária e receberia determinado montante. Para convencer as vítimas, eles realmente passavam dados reais do processo. Ao longo da conversa, alegavam que era necessário fazer algum pagamento, para custear certidões ou mesmo pagar impostos.

— Desde o primeiro momento, identificamos que era golpe com potencial de lesão, pelo profissionalismo e pela velocidade com que eles conseguiram as informações, não só as públicas, mas as de cadastro. Em nenhum momento, tivemos o WhatsApp clonado. O número é outro, eles pegam uma foto de mídia social e colocam outro número. Em nenhum momento, nosso banco de dados foi invadido — afirma o advogado.

Além de retirar dinheiro das vítimas, em alguns casos os bandidos repassavam falsas orientações, para fazer com que o cliente acreditasse que estava mesmo conversando com a equipe do escritório. Num deles, chegaram a indicar uma data para que a cliente se desligasse do emprego, após conseguir a aposentadoria especial. A mulher fez contato com o escritório e descobriu que se tratava de golpe, antes de pedir demissão.

O golpista orientou o cliente a comparecer no hospital onde trabalhava e solicitar o desligamento. Para nós, esse foi o pior problema. Nós estamos expostos a golpes cada vez mais, infelizmente. Mas os golpistas, em algum momento, se sentiram tão à vontade, que passaram a passar orientações de conduta. Isso foi um motivador para resolvermos essa situação. Isso foi o mais grave — diz.

Após descobrir o golpe, a equipe do escritório acionou a Polícia Civil e repassou orientações aos clientes. Foi montada uma espécie de força-tarefa digital para passar informações de forma mais ágil aos clientes.

— Toda essa operação teve um custo emocional muito alto da equipe toda. Foi um período muito curto de tempo. E onde os clientes ligavam bastante descontentes. Num primeiro momento, o cliente não entende, como o advogado, com quem ele vem falando, contribuiu de alguma forma para que ele entrasse num golpe. Acredito que muitos escritórios passaram e estão passando dificuldades extremas —conclui o advogado.

Debate nacional

No último sábado (22), a diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os presidentes das 27 seccionais discutiram medidas para coibir o avanço desse tipo de fraude. Uma das propostas apresentadas é a de federalizar as investigações e campanhas de combate ao golpe. 

Foi sugerida ainda a criação de um grupo de trabalho nacional para aprofundar o debate e propor medidas de enfrentamento ao golpe. Em carta, a OAB destacou a importância de alertar a população brasileira sobre os riscos gerados por criminosos que utilizam indevidamente o nome da advocacia para praticar delitos.


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