Operação Sísifo
Polícia Civil desarticula grupo que ameaçava e agredia devedores de empréstimos
Na ofensiva, a Delegacia de Roubos localizou vídeos de vítimas sendo espancadas e ameaçadas por não terem quitado dívidas contraídas com juros abusivos

Castigos, agressões, dor e medo mediante ameaças e tortura psicológica. Com esse menu de ações um grupo criminoso fez vítimas em Porto Alegre e na Região Metropolitana, pessoas que contraíram empréstimos informais com juros abusivos e tiveram dificuldade para quitar suas dívidas.
Para fazer as cobranças o grupo criou até um sistema de "caça aos devedores", em que fotos das vítimas eram lançadas em aplicativos de mensagem e em redes sociais com pedido de endereço ou sobre o paradeiro e com oferta de recompensa pelas informações.
Na manhã desta quinta-feira (10), a Delegacia de Roubos faz a Operação Sísifo contra 41 investigados entre pessoas físicas e jurídicas, cumprindo 18 mandados de prisão preventiva e 54 de busca e apreensão. A operação foi batizada assim numa referência aos castigos infindáveis aplicados pelos criminosos contra quem não conseguisse pagar. Até as 7h10min, 14 pessoas haviam sido presas.
Áudios e conversas mostram como agem os criminosos:
Personagem da mitologia grega, Sísifo foi condenado a empurrar eternamente uma pedra morro acima que, ao atingir o seu topo, caía novamente, sendo o castigo repetido sem conclusão.
As agressões, segundo a investigação, além de servirem como castigo, também eram usadas como exemplo do que podia acontecer com os demais.
A investigação tem como foco principal o crime de lavagem de valores obtidos pelo grupo a partir dos juros de empréstimos informais e também de furto contra instituições bancárias.
Foi a partir da apuração de um furto bancário ocorrido em 2023, na Capital, que a polícia encontrou elementos no celular do principal suspeito de controlar o esquema de agiotagem, cobranças violentas e lavagem de dinheiro.
Ao encontrar vídeos das agressões e imagens dos devedores sendo procurados sob oferta de recompensas, os policiais conseguiram rastrear o esquema que envolve alvos na Capital, em Alvorada, Gravataí, Viamão, Cachoeirinha, Canoas e Guaíba, na Região Metropolitana, e Tramandaí, no Litoral Norte, e identificar vítimas.
Para fazer o empréstimo, os interessados tinham que enviar foto segurando documento de identidade. Era esse material que abastecia depois o "caça aos devedores": os criminosos lançavam fotos em grupos de WhatsApp ou redes sociais pedindo informações do paradeiro das pessoas.
Ameaças
Além das imagens das vítimas já sendo torturadas, a polícia localizou mensagens com ameaças diretas ou a familiares dos devedores. Em uma delas, o criminoso envia endereços relacionados a parentes do devedor e pergunta:
— Conhece algum desses endereços?
Na sequência, manda um vídeo (que não é possível ver na mensagem). Depois, escreve:
— Imagina a mãezinha passando por isso até nos levar até tu.
O devedor responde:
— Mas nós vamos te pagar.
E o criminoso avisa:
— Eu não sei se vai dar tempo, porque eu tô me enchendo. E vou fazer o que falo.
Operação
Além das prisões e buscas, a polícia está cumprindo ordens judiciais de sequestro de 96 carros, sequestro e indisponibilidade de 22 imóveis e bloqueio de 41 contas bancárias.
— A operação confirma, mais uma vez, que facções criminosas usam a agiotagem para capitalizar e retroalimentar a economia do crime. Os líderes que são alvo agora já foram investigados em ações de furtos a bancos, homicídios e tráfico de drogas e, justamente, perceberam na agiotagem a chance de ganhar mais valores — diz o delegado João Paulo de Abreu, que conduz as investigações.
A investigação vai seguir no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Conforme João Paulo:
— Continuaremos a investigar esses crimes, atendendo a uma diretriz da chefia de polícia. Vítimas podem procurar o Deic. O trabalho para identificar quem foi alvo desses criminosos segue.
A diretora do Deic, delegada Vanessa Pitrez, destacou a atuação violenta do grupo:
_ Os crimes investigados na operação de hoje indicam a extrema violência na prática do crime de usura com tortura, ameaças a família dos devedores e compra de informações sobre localização das vítimas. A agiotagem era utilizada como forma de retroalimentar e aumentar o poderio econômico deste grupo criminoso, que também tem vinculação com tráfico e homicídios. Hoje, encontramos mais elementos que reforçam essas práticas criminosas, como pastas e cadernos com centenas de devedores cadastrados e anotações dos valores devido e dos juros impraticáveis que eram cobrados mediante uso de violência.