Polícia



Atlas da Violência

Dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil em 2023; homicídios de crianças até quatro anos cresceu 15% 

Ponto em comum entre as ocorrências é a violência doméstica, aponta relatório anual realizado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública 

13/05/2025 - 09h43min

Atualizada em: 13/05/2025 - 09h43min


Estadão Conteúdo
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Ítalo Lo Re
Mateus Bruxel/Agencia RBS
Relatório destaca que a residência aparece como local majoritário das ocorrências envolvendo crianças e adolescentes.

Apesar da queda geral de homicídios, apontada na nova edição do Atlas da Violência, as mortes de mulheres, bebês e crianças de até quatro anos estão em alta e preocupam pesquisadores por terem um ponto em comum: a violência doméstica. 

A cada dia, 10 mulheres com diferentes trajetórias de vida são assassinadas no Brasil. Foram 3.903 ocorrências em 2023, o maior patamar desde 2018, de acordo com o relatório anual produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Estima-se que um em cada três casos seja de feminicídio.

Já os homicídios de bebês e crianças de até quatro anos cresceram 15,6% em 2023. O índice chegou a 1,2 caso para cada 100 mil habitantes, maior registro desde 2020, embora se note uma queda de 30% na comparação com 2013.

Conforme os dados, divulgados na segunda-feira (12), para cada 100 mil habitantes, houve 3,5 casos de homicídios de mulheres no período mais recente para o qual há dados. 

— É preocupante — afirma Manoela Miklos, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança. 

Segundo ela, não há uma única explicação para o aumento — a hipótese de que, para além dos feminicídios, haja mais mulheres engajadas em dinâmicas em condutas criminosas, por exemplo, não é descartada.

A pesquisadora ressalta que, independentemente dessa leitura, o cenário cobra a adoção urgente de políticas públicas focadas em diminuir a violência contra a mulher, em especial nas regiões onde os índices estão mais elevados.

O Estado com a maior taxa de assassinatos de mulheres foi Roraima (10,4 casos por 100 mil habitantes em 2023). Na sequência, estão Amazonas, Bahia e Rondônia, todos com taxa de 5,9. Em contrapartida, tiveram os menores índices São Paulo (1,6), Brasília (2,7) e Santa Catarina (2,8). 

— A gente precisa melhorar no desenho, na implementação de serviços públicos para vítimas de violência — diz Manoela.

Metodologia visa driblar subnotificações

Segundo Daniel Cerqueira, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, é difícil cravar motivos. 

— O que se pode falar é que há o recrudescimento da polarização e radicalização política, que muitas vezes traz à tona valores culturais que reforçam ideia e valores do patriarcado — afirma.

O pesquisador explica que, para além dos números levantados no Atlas, há um aumento "grande nos feminicídios, segundo os registros policiais". 

— Isso acontece porque há um processo de aprendizagem dentro das autoridades policiais que, muitas vezes, pegavam aquela morte da mulher e classificavam apenas como homicídio — diz o pesquisador.

O relatório do Atlas busca retratar a violência no Brasil principalmente a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. Esse modo de análise permite visão mais ampla, "desviando" de possíveis subnotificações. Em vez de lançar luz sobre feminicídios, por exemplo, o relatório opta por focar em homicídios de mulheres.

A opção foi usar homicídios de mulher que ocorrem em casa como feminicídio.

As evidências nacionais e internacionais mostram que, quando uma pessoa é assassinada dentro de casa, em mais de 90% das vezes o perpetrador é íntimo da vítima: marido, ex-cônjuge ou familiar muito próximo.

DANIEL CERQUEIRA

Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea

Conforme o Atlas, de acordo com os registros do SIM, em 2023, do total de homicídios registrados de mulheres, 35% aconteceram na residência. "Considerando essa proporção, 1.370 dos 3.903 homicídios registrados no ano teriam acontecido nesse local, sendo lidos, portanto, como feminicídio", aponta o relatório.

Vulneráveis dentro de casa

As mortes em casa também se destacam quando se fala da morte de bebês e crianças. 

É um fenômeno (homicídio de bebês) que está absolutamente conectado com a violência doméstica, a gente está lidando com lares perigosos. Contraintuitivamente o lugar mais perigoso de se estar, se você é uma criança ou uma mulher no Brasil, é a sua própria casa.

MANOELA MIKLOS

Pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança

O Atlas destaca que, no caso dos chamados infantes (zero a quatro anos) e de crianças de cinco anos a adolescentes de 14, a residência aparece como local majoritário das ocorrências, constando respectivamente em 67,8% e 65,9% das notificações. 

— É o tema mais sério que eu acho que a gente tem a tratar no âmbito do Atlas da Violência deste ano — afirma Cerqueira.

O relatório alerta que "os homicídios não representam a totalidade das violências enfrentadas por crianças e adolescentes". "Além de serem vítimas de violência letal, também sofrem com violências não-letais, sendo importante monitorar essas violências", cobram os pesquisadores.

— Dois terços das violências não-letais também acontecem dentro de casa, e o perpetrador geralmente é um familiar próximo, às vezes a mãe, o pai, o padrasto. Nossas crianças e jovens estão sendo massacradas dentro de casa — afirma Cerqueira.

Um reflexo disso, aponta o relatório, é o crescimento no número de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos que se suicidaram: houve aumento de 42,7% no número de suicídios nessa faixa etária entre 2013 e 2023 — foram 11.494 mortes do tipo nesse período.


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