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Cinco bairros

Arrombamentos e furtos de fios aumentam sensação de insegurança no 4º Distrito: "Será que eu não vou ser a próxima?"

Crescimento nos registros destas ocorrências em relação ao ano anterior faz com que moradores adotem medidas para se protegerem

16/06/2025 - 12h54min


Júlia Ozorio
Júlia Ozorio
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Renan Mattos/Agencia RBS
Cercas são uma das alternativas adotadas por moradores contra a criminalidade na região.

O sonho de quatro artistas foi abalado no começo deste mês após um prejuízo estimado em R$ 50 mil com o furto de fios de cobre de um centro cultural no bairro Floresta, no 4º Distrito. No espaço, cuja inauguração estava prevista para julho, tubulações e aparelhos de ar-condicionado foram destruídos.

— Primeiro, eles subiram (no telhado) e arrancaram toda a tubulação do sistema de ar-condicionado em uma noite. Aí na noite seguinte, eles subiram e destruíram todos os aparelhos de ar-condicionado, com o único intuito de roubar os fios de cobre. Eles realmente destruíram tudo pra roubar fio de cobre, aparelhos profissionais — lamenta a empreendedora Juliana Barros, 51 anos, que planeja abrir o negócio com três amigos desde março.

Situações como essa não são isoladas na região, que além do Floresta engloba os bairros São Geraldo, Navegantes, Farrapos e Humaitá e é considerada uma aposta para o desenvolvimento econômico e cultural de Porto Alegre. 

Aumento no furto de fios e arrombamentos

Dados da Brigada Militar mostram que o furto de fios e cabos nos bairros Floresta e São Geraldo cresceu 171% de janeiro até o dia 11 de junho deste ano em comparação ao período igual de 2024, saltando de 80 para 217 ocorrências. Os arrombamentos também aumentaram nestes dois bairros, passando de 84 para 100 registros nos mesmos intervalos, um crescimento de 14,9%

Esse aumento pode influenciar na sensação de insegurança, segundo autoridades policiais, que vêm realizando operações para combater a subtração de fios na região. Apenas neste ano, mais de 500 quilos de fios já foram apreendidos no 4º Distrito. (leia no fim da reportagem).

— Ficamos um dia inteiro sem luz aqui no prédio porque roubaram a fiação. Foi à luz do dia. Deu um prejuízo de quase R$ 7 mil — afirma Larissa Mahfuz, 41 anos, que mora há cinco anos em um edifício do bairro São Geraldo.

Em outra extremidade do 4º Distrito, no bairro Navegantes, uma distribuidora de papéis precisou investir em alternativas para continuar operando. A empresa adquiriu um gerador de energia e instalou grades com lanças de ferro fundido em uma parte do muro que dava acesso à fiação.

— Tivemos que fazer essas modificações para conseguir continuar funcionando sem interrupções de luz, que era algo que vinha nos afetando bastante por causa do roubo de fios — conta um colaborador da empresa que optou por não se identificar.

Renan Mattos/Agencia RBS
Recursos como arame farpado e cercas elétricas passaram a ser utilizados no bairro.

Estudante foi espancado durante assalto

Apesar do aumento nos furtos de fios e cabos, crimes mais graves apresentaram redução em 2025, apontam dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP). O roubo a pedestres, por exemplo, diminuiu 27% nos bairros do 4º Distrito de janeiro a abril deste ano em relação aos mesmos meses em 2024. O roubo a veículos também apresentou queda, de 53%, no mesmo período.

Mesmo com tais indicadores, moradores e empresários da região relatam sensação de insegurança e dizem evitar circular pela região, temendo a segurança física.

Foi no 4º Distrito que um estudante de Química de 25 anos foi assaltado e espancado por criminosos na semana passada. O crime ocorreu por volta das 5h40min, na Rua Moura Azevedo, quando ele saía de casa em direção ao ponto de ônibus para ir trabalhar (veja o vídeo abaixo).

O aluno da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) precisou passar por uma cirurgia de reconstrução facial que durou seis horas, após ter ossos do rosto quebrados. Os bandidos levaram uma mochila e cartões de crédito. 

Em outro caso, uma idosa de 72 anos relatou a Zero Hora ter sido assaltada na Avenida Maranhão, em 8 de maio, enquanto se dirigia para casa. Ela conta que a caminhada de cinco minutos culminou em um trauma.

A mulher foi abordada por um criminoso que, com uso de força, levou seu aparelho celular e passou a fazer compras com seu cartão de crédito. Ele também fez dois Pix de R$ 2.780, mas os valores foram ressarcidos pelo banco.

Prejuízos a comércios

Histórico braço industrial de Porto Alegre, o 4º Distrito tem sido revitalizado e ocupado cada vez mais por empreendimentos. Atualmente, a região também abriga o maior polo cervejeiro artesanal da Capital.

Apesar disso, comerciantes relatam que os casos de criminalidade e violência têm afastado a clientela, gerado prejuízos e prejudicado a permanência na região.

— Era 10h30min da manhã e ele entrou aqui só com uma máscara no rosto e uma arma. Eu tentei fugir, levar as pessoas para fora, mas ele falou que se eu saísse, ele ia me matar. Tivemos que dar todo o caixa. Levou o dinheiro de todo o final de semana, sábado, domingo, tudo — relembra a comerciante Márcia Busolli Pimentel, 53 anos, que mantém um mercado com a família no bairro Floresta há 17 anos.

Segundo a comerciante, esse tipo de ação vem afastando a clientela da região, cada vez mais marcada como violenta.

— A gente sempre tinha um monte de movimento nessa hora (19h), mas agora o pessoal tem medo de sair, de ser assaltado — relatou a empreendedora, que foi vítima de assalto há dois meses.

Grupo de segurança comunitária

Um grupo de 40 empresários e moradores do bairro São Geraldo se mobilizou para tentar garantir maior segurança.

— Fizemos uma compra em consórcio de 30 placas, onde consta a informação de que a vizinhança solidária é uma área monitorada. Nós vamos começar a espalhar elas por toda a região, por portões, grades, frente das casas, para tentar afastar os bandidos — explica o morador Júlio César Leoneti, que menciona também a aquisição de sirenes para sinalização de atividades suspeitas.

No edifício onde Leoneti reside, os condôminos também tiveram que instalar placas de metal, pois criminosos estavam forçando o portão para furtar bicicletas.

Cada evento novo agrava o impacto psicológico. Tu pensa assim: "Aconteceu ali, aconteceu no outro vizinho, o meu prédio fica na esquina. Será que eu não vou ser a próxima?". Isso gera uma insegurança, uma angústia, um medo de sair na rua. A gente não consegue sair com o cachorrinho para passear, porque já está com medo — expressa Suzete Tofel, 69 anos, que mora há seis décadas na região e integra o grupo.

Renan Mattos/Agencia RBS
Dagmar Cagliari (E), Júlio César Leoneti (C) e Suzete Tofel (D) integram um grupo de moradores que busca maior segurança na região.

Farrapos e Humaitá não registram relatos

Pelas regiões dos bairros Farrapos e Humaitá em que a reportagem de Zero Hora circulou, moradores e comerciantes reportaram não ter conhecimento de ocorrências recentes nos arredores. 

No Humaitá, inclusive, uma empresária do ramo de sorvetes contou que observa policiamento e patrulhamento frequentes na Avenida Clóvis Paim Grivot, onde a família mantém um ponto comercial há uma década.

O que dizem as autoridades

Segundo as autoridades de segurança pública, essa sensação de insegurança pode estar atrelada, justamente, ao aumento dos furtos de fios e cabos.

Isso porque apenas uma ocorrência deste tipo pode prejudicar dezenas de pessoas ao mesmo tempo, colaborando para a impressão de que há muitos crimes na localidade, explica o tenente-coronel Daniel Araújo de Oliveira, comandante do 11º Batalhão de Polícia Militar (BPM), responsável, junto com o 9º BPM, pela segurança nos cinco bairros do 4º Distrito.

O tenente-coronel Hermes Völker, comandante do 9º BPM, explica um outro aspecto desta sensação de insegurança: a presença de pessoas em situação de rua e andarilhos na região do 4º Distrito. 

— Também tem uma origem social. Muitas das pessoas que cometem esses delitos de furto de fios, arrombamentos, são dependentes químicos. Temos um trabalho integrado com a Assistência Social para que eles possam ter um encaminhamento para acolhimento e atendimento de saúde — destaca.

Renan Mattos/Agencia RBS
Moradores relatam sensação de insegurança ao circular pela região.

Os delegados Fernanda Amorim e Daniel de Oliveira Ordahi, titulares da 4ª e 17ª Delegacias de Polícia (DP) da Capital, respectivamente, também são responsáveis pela área do 4º Distrito. Eles relatam observar uma redução de ocorrências criminosas na área em relação ao ano passado.

No entanto, recomendam que, caso a comunidade se sinta insegura e tenha vivenciado alguma ocorrência, procure as autoridades de segurança pública para registrá-las, evitando a subnotificação dos casos e garantindo o aprimoramento das ações na área.

Ações para coibir crimes

Conforme os representantes da segurança pública, há esforços para realizar ações de inteligência e conter a ação criminosa na região.

— Estamos fazendo operações para coibir a ação dos receptadores de fios. Também passamos a usar drone de visão termal para evitar a ação dos criminosos, principalmente de noite. Esse equipamento consegue ver a temperatura corporal e indicar objetos furtados, levando a prisões, inclusive, pelo tráfico de drogas — explica o tenente-coronel Daniel Araújo de Oliveira.

Além disso, o policiamento foi reforçado na região, segundo as autoridades. O tenente-coronel Völker menciona que viaturas são dedicadas exclusivamente ao patrulhamento e abordagem de pessoas suspeitas no 4º Distrito para dar segurança à comunidade.

— Eu coloquei viaturas fora do atendimento de 190, fora do atendimento de emergência, ou seja, são viaturas que não são despachadas. Elas só ficam atendendo a região do 4º Distrito em abordagem a essas pessoas suspeitas. Durante a madrugada eu tenho patrulhas fazendo somente isso e durante o dia também — ressaltou.

A Polícia Civil, por sua vez, realiza operações quinzenalmente para combater o furto de fios na localidade. A delegada Fernanda Amorim destaca a operação "Noite Protegida" como uma desses esforços policiais. 

— (A operação) faz, junto com o setor de inteligência, o mapeamento das manchas criminais do furto e receptação de fios e de cabos com cobre revestido. Nós temos logrado o êxito em efetuar um número considerável de apreensões, ou seja, de retirar esses itens do mercado ilícito — afirma a delegada, que cita que mais de 500 quilos de fios foram apreendidos apenas neste ano no 4º Distrito.


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