Polícia



Violência

Casos de maus-tratos contra idosos aumentam cerca de 55% em seis anos no RS

Em um cenário mais amplo, incluindo diversos tipos de ocorrências, o Estado registrou 3.448 casos de crimes contra pessoas idosas em 2024

05/08/2025 - 16h00min


Zero Hora
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Mateus Bruxel/Agencia RBS
Maus-tratos seguem como os mais presentes entre as violações.

Os casos de maus-tratos contra idosos cresceram cerca de 55% em seis anos no Rio Grande do Sul, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em 2019, foram 709, já no ano passado, foram contabilizadas 1.101 ocorrências. Em 2025, os dados estão disponíveis de janeiro a maio, com 422 episódios.

No total, foram 3.448 casos de crimes contra pessoas com 60 anos ou mais ao longo de 2024, incluindo além de maus-tratos, abandono, apropriação indébita de bens e outros delitos.

A delegada titular da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso da Capital, Ana Casuso, explica que as agressões acontecem tanto na forma física quanto emocional e psicológica.

— Diariamente o idoso vai tomando uma alfinetada dos filhos, vai se sentindo emocionalmente desprezado. Até a violência física — ressalta a delegada.

Em muitos casos, parentes usuários de drogas ou álcool acabam fazendo do idoso uma fonte financeira, devido a sua vulnerabilidade, conforme a delegada:

— O drogadicto que não se sustenta, vai ficar na casa de um familiar. E ele vai precisar de dinheiro para sustentar o seu vício ou até para se manter. E aí ele vai buscar o idoso, e o idoso no início vai cedendo. (...) Contra a vontade dele, ele acaba apanhando, acaba sendo furtado, acaba sofrendo agressões físicas, em conta de sustentar o vício do familiar.

Ela destaca ainda dois ambientes em que as agressões costumam acontecer: dentro de casa e em clínicas geriátricas.

Parte da situação descrita pela delegada foi vivida por uma idosa de 84 anos que foi resgatada de uma situação de maus-tratos em Rio Grande, no Sul do RS, em junho deste ano.

O suspeito é o filho da vítima, um homem de 47 anos, que vivia na mesma casa e dificultava a entrada de outras pessoas na residência. A denúncia foi das próprias netas da idosa, que relataram que a vítima era mantida em condições inadequadas.

O homem também usava um cartão de benefício da vítima “para comprar bebidas”, conforme a delegada responsável pelo caso, Alexandra Pérez Sosa. Ele foi preso, porém, solto um dia depois e, agora, responde em liberdade.

Violência em casas geriátricas

A violência contra idosos também ocorre fora das residências, sendo registradas também em instituição de longa permanência de idosos (ILPI).

Um dos casos foi registrado em setembro do ano passado, em Canoas, na Região Metropolitana, quando uma ILPI foi interditada após solicitação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, por suspeita de tortura e maus-tratos. Na ocasião, duas cuidadoras foram presas em flagrante, suspeitas de serem responsáveis pelas agressões.

"Não te levanta que tu vai apanhar", "nós vamos botar ele na cadeira amarrado lá no quarto" e "esse vai tomar muito pau" são algumas das frases ditas em áudios usados na investigação. O caso agora tramita em âmbito judicial, segundo o delegado Maurício Barison, responsável pelo caso na época.

Para além dos crimes cometidos nos ambientes da própria clínica, em alguns casos, a titular da delegacia especializada na Capital afirma que a família das vítimas "abandona e também não fiscaliza" essas instituições.

Medo de abandono 

Aguentar calado para não ficar sozinho é o que muitos idosos vítimas de maus-tratos pela família fazem para não serem internados em lares de longa permanência, conforme a delegada Ana Caruso. O medo é relacionado a sofrer uma violência pior nessas instituições ou de abandono por parte da família.

Em 2024, foram registrados 310 casos de abandono no Estado no ano passado, contra 206 em 2019. Já nos primeiros cinco meses deste ano foram 87.

— Dentro da família eles são maltratados pelos parentes, mas eles preferem aquela situação de serem maltratados do que eles denunciarem e daqui a pouco os familiares tomarem a decisão de colocarem eles num lar de longa permanência (...) Eles vão aguentando calados — pondera a delegada.

A dependência entre os idosos e o agressor também dificulta que esse ciclo de violência seja quebrado. 

— O idoso, quando ele apanha de um filho, ele quer sair de casa, mas ele não tem para onde ir — diz Ana Caruso.

Panorama dos crimes contra idosos no RS

Em um cenário mais amplo, incluindo diversos tipos de ocorrências, o Rio Grande do Sul registrou 3.448 casos de crimes contra pessoas idosas em 2024. O número inclui casos de maus-tratos, abandono, apropriação indébita de bens e outros delitos (veja o infográfico abaixo).

De 2019 a 2021, o número de crimes cresceu, mas, em 2022, teve uma queda de 5,6% em relação ao ano anterior. O total, no entanto, volta a subir em 2023, quando foram registrados 3.389 crimes. O ano de 2024 se manteve estável em comparação a 2023: o aumento foi de 59 casos, um crescimento de menos de 2%.

Cenário de 2025

Nos primeiros cinco meses de 2025, o Rio Grande do Sul registrou 1.244 crimes contra pessoas idosas. O número representa queda de cerca de 17% em comparação ao período de janeiro a maio do ano passado. Apesar da redução, o cenário não é otimista, conforme Ana Caruso.

— É uma diminuição que, em porcentagem, pode parecer muito mas em números a gente tem ainda uma quantidade muito expressiva de crimes — pontua a delegada.

Neste ano, o RS teve 87 casos de abandono de idosos, 422 crimes de maus-tratos, 116 casos de apropriação indébita de bens e 615 outros delitos.

Segundo ela, a delegacia possui cinco mil inquéritos em aberto e recebe cerca de 10 a 20 ocorrências ou denúncias anônimas por dia.

— Existe uma queda, mas o número ainda está bem acima do ideal e do que a gente pode atender ali — pondera.

Golpes online e apropriação indébita

A categoria "outros crimes" na estatística inclui o estelionato. Assim como nos casos de apropriação indébita de bens, os criminosos miram a fragilidade dos idosos para conseguir uma vantagem financeira. 

Nesse contexto, o delegado Eibert Moreira Neto, diretor do Departamento Estadual de Repressão aos Crimes Cibernéticos, explica que os idosos são um grupo vulnerável para crimes como golpes na internet.

Eibert atribui a onda de golpes online a mudanças que aconteceram após a pandemia — quando parte da população teve que se adaptar ao ambiente virtual. O e-commerce e a ascensão do modelo de pagamento Pix ofereceram uma série de novas possibilidades para os golpistas atraírem as vítimas, conforme o delegado.

— Nós temos um padrão de atuação dos criminosos que se vale, primeiro, da falta de experiência das pessoas no ambiente virtual e, segundo, de habilidades robustas, digamos assim, dos criminosos no que diz respeito à engenharia social — explica Neto. 

A “engenharia social”, citada pelo delegado, tem relação com os mecanismos para ludibriar as vítimas, como mensagem SMS, e-mail e links para páginas falsas.

O Ministério Público emitiu alerta para golpes contra idosos no fim de junho após identificar aumento no número de vítimas na Central de Atendimento às Vítimas e Familiares de Vítimas de Crimes e Atos Infracionais do MP-RS, em Porto Alegre, conhecida como Espaço Bem-me-quer.

— Infelizmente, o impacto nesses idosos não são só financeiros, são também emocionais, por isso esse acolhimento ali na central tem sido tão importante. E para toda a família também, as chamadas “vítimas indiretas” — pondera a promotora de Justiça Carla Carrion Frós, coordenadora do espaço na Capital gaúcha.

Para ela, “trabalhar na prevenção é fundamental”:

— Orientar idosos a não acreditarem em empréstimos com taxas muito vantajosas, juros muito abaixo do que é cobrado pelos estabelecimentos bancários.

Além desses golpes, o Estado apresentou 405 registros de apropriação indébita de bens no ano passado. Nesses casos, familiares ou pessoas próximas da vítima abusam de sua vulnerabilidade para tomar recursos financeiros, como aposentadorias, benefícios e bens de valor.

— Os ricos brigam para quem vai administrar o patrimônio do idoso. Os mais pobres também conseguem disputar o pouco que o idoso tem e deixar ele sem o mínimo para ter dignidade de vida — afirma a delegada Ana Caruso.

Penas mais duras

As penas para crimes desse tipo aumentaram no Brasil, devido a um projeto de lei que foi aprovado na Câmara dos Deputados em junho e sancionado pelo presidente da República em exercício Geraldo Alckmin no dia 4 de julho.

A nova norma prevê pena geral de dois a cinco anos pelos crimes contra esse grupo. Se o abandono ou maus-tratos resultar em lesão corporal grave, a pena aumenta para três a sete anos. Se a vítima morrer, a condenação pode chegar a até 14 anos de prisão.

Para a advogada criminalista Stella Maris Martins de Souza, as mudanças no Estatuto do Idoso vão “reduzir a impunidade dos agressores” e oferecer uma “maior proteção aos idosos”.

— Tem uma mudança significativa, porque são penas que têm mais rigor processual, são penas mais severas em relação aos agressores — pondera.

Busque ajuda

A delegada Ana Caruso, titular da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso da Capital, reforça a importância da denúncia mas aponta a dificuldade encontrada por idosos para realizar essa ação:

— O idoso tem muita dificuldade de fazer denúncias, porque ele não quer ver o seu familiar preso. Então, a gente tem que contar, muitas vezes, com a ajuda de vizinhos ou outros parentes.

Se você for uma vítima ou conhece algum idoso nesta situação, pode procurar auxílio nos seguintes canais:

  • Disque 100, dos Direitos Humanos
  • Telefone 197, da Polícia Civil
  • WhatsApp (51) 98444 0606, também da Polícia Civil
  • Telefone 181, da Secretaria da Segurança Pública
  • Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso — no Palácio da Polícia, na Avenida Ipiranga, 1.803, bairro Santana, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h.

Como se proteger de golpes online

“Contato de pessoas desconhecidas", “tom de urgência” e “oferta de facilidades” são três fatores que as possíveis vítimas precisam se atentar para evitar cair em golpes, conforme o delegado Eibert Moreira Neto, diretor do Departamento Estadual de Repressão aos Crimes Cibernéticos.

Muitos dos criminosos usam propostas irreais, incluindo presentes e benefícios para as vítimas: é preciso desconfiar sempre. Além disso, links falsos e o uso de marcas famosas fazem parte dos recursos usados por golpistas. Confira algumas dicas:

  • Verificar cuidadosamente o endereço eletrônico dos sites
  • Revisar todas as informações de pagamento antes de concluir uma transação
  • Utilizar soluções de segurança confiáveis e atualizadas
  • Manter-se informado sobre golpes e ameaças em circulação
  • Nunca aceitar presentes e brindes inesperados, sem saber quem realmente mandou
  • Não fornecer dados pessoais em links enviados pela internet de supostas promoções e ter muito cuidado ao preencher cadastros na internet
  • Jamais aceitar tirar fotos ou selfies para receber brindes ou em qualquer outro pedido de desconhecidos

*Produção: Estfany Soares


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