Polícia



Operação Carrasco

Caderno usado na secretaria do Bem-Estar Animal de Canoas tem quase 500 eutanásias registradas em sete meses

Número é o dobro do encontrado na sede da secretaria; polícia apura subnotificação. Documento foi entregue para as autoridades por uma testemunha. A ex-secretária Paula Lopes é o principal alvo da investigação

23/09/2025 - 12h36min


Guilherme Milman
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Ronaldo Bernardi
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Vitor Rosa
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Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Delegada Luciane Bertoletti conduz a investigação

O número de eutanásias realizadas na Secretaria do Bem-Estar Animal de Canoas durante a gestão de Paula Lopes é duas vezes maior do que o registrado inicialmente. Durante a operação Carrasco, realizada no início do mês, foram identificadas 239 mortes entre janeiro e agosto deste ano. No entanto, um caderno entregue à polícia aponta para 478 eutanásias em sete meses (janeiro a julho), 68 por mês.

Segundo a delegada Luciane Bertoletti, da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, o caderno foi entregue por uma testemunha e era utilizado por uma funcionária da secretaria para contabilizar todas as mortes de cães e gatos que estavam sob os cuidados da pasta. Os registros eram escritos à mão e divididos em eutanásias internas, realizadas em bichos hospedados no abrigos municipal, e externas, feitas em animais levados apenas para receber tratamento.

Era uma pessoa da confiança dela que fazia as anotações, que realmente aconteciam. Não eram os dados que iam para o sistema, mas eram os dados verídicos.

LUCIANE BERTOLETTI

Delegada

A quantidade de eutanásias variava a cada mês. Segundo consta no caderno, apenas em julho foram 190 mortes, seis por dia. O documento é tratado como crucial para a investigação, e pode indicar uma prática de subnotificação.

—  Possivelmente foram eutanásias efetivamente realizadas, mas que não constaram no sistema da secretaria, justamente porque é um número extremamente alto. Então, acreditamos que aqui está o número real — afirma a delegada.

A ex-secretária Paula Lopes é o principal alvo da investigação que apura prática de maus-tratos na secretaria. A suspeita é de que animais resgatados com alguma doença eram eutanasiados, muitas vezes sem necessidade, para reduzir custos de tratamento. Conforme o Conselho de Medicina Veterinária, a prática é aceita apenas em casos em que não há cura, para reduzir o sofrimento dos animais.

Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Até o momento 15 pessoas foram ouvidas no âmbito da investigação.

—  O que a gente conseguiu concluir até o momento é que, sim, efetivamente, havia uma ação indiscriminada para realização de eutanásias, muitas vezes que não seguiam os procedimentos legais. Pelo que nós apuramos até agora, isso se deu em busca de atingir números importantes para a pasta. O que se queria era o maior número de atendimentos, de consultas, procedimentos, adoções, abrigados e as eutanásias faziam parte dessa busca —  complementa Bertoletti.

Até o momento 15 pessoas foram ouvidas, incluindo testemunhas que trabalharam na secretaria ou tiveram alguma experiência com Paula. Mais depoimentos devem ocorrer nos próximos dias. A polícia apura ainda outras questões, como a origem dos R$ 100 mil em espécie encontrados na casa dela e sua atuação como protetora, na ONG Instituto Paula Lopes.

Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Testemunha conta como eram feitos os registros.

Como funcionavam as anotações

Segundo uma pessoa que atuou na secretaria durante a gestão de Paula, a pessoa que registrava no caderno recebia os registros de óbito e anotava em uma sala separada.

— Todo o dia pela manhã entrava, chegava e ia direto buscar as eutanásias (registros). Os óbitos ficavam num ali numa partezinha lá na recepção, que ela pegava bem secretamente e levava lá para a sala da Paula. Deixava sempre guardado, num armário fechado. Todos os registros passavam por ela —  afirma a testemunha, que não será identificada.

Os atestados de óbito eram assinados por veterinários da secretaria.

— Podia ser qualquer um, no turno da noite, no turno da tarde, no da manhã, eram diversos — complementa.

Morte de pitbull sadio

Assim como em demais relatos já trazidos por Zero Hora, essa pessoa também testemunhou eutanásias em animais sadios. Em um deles, um cão da raça pitbull chamado Jack foi morto após atacar um cuidador.

—  O Jack ficava junto com os outros pitbulls, bravo de difícil manuseio. O pessoal da adoção não queria entrar lá sozinho porque eles eram muito bravos. E um dia o Jack, que era um pitbull, atacou o Alexandre, que é um um tratador. Ele teve que ficar afastado por um tempo. E após ir isso, foi comentado que o Jack foi conhecer Jesus, ele não ia mais morder ninguém. Só foi falado que por ele ser bravo, tiveram que eutanasiar ele — conta.

Os relatos que chegam à delegacia revelam prática semelhante: animais que eram resgatados com algum tipo de doença ficavam sob os cuidados do abrigo municipal. Geralmente, em casos de procedimentos mais caros, os animais eram submetidos a eutanásia. Os tutores que levavam os bichinhos só eram informados após o óbito.

Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Carine atua como protetora de animais.

No caso da diarista e protetora animal Carine Santos de Lima, a gata Mimosa, resgatada no bairro Guajuviras, estava com uma doença contagiosa que podia ser transmitida aos filhotes.

— Ela estava bem, aparentemente comendo, fazendo as necessidades dela normalmente, e amamentando, né, os filhotes. Por isso que eu quis levar, justamente porque eu estava com medo, né, que passasse essa doença para os filhotes dela.

Após ter deixado a gata na secretaria, Carine não recebeu mais informações sobre o animal.

— Eu insisti: "Eu como protetor eu gostaria de ver ela, né"? Ai falaram: "Não, não tem como porque eles estão isolados". Aí eu fui na outra semana e a resposta era sempre a mesma: "Ela está bem". Aí no dia 7 de abril eu fui lá e aí eu exigi fui e enfrentei a Paula Lopes e pedi para ela: "Eu quero ver a gata". E ela disse: "Não, tu não não pode ir até lá, eu vou chamar a veterinária para falar contigo".

Ao receber a notícia da morte, Carine alega que houve uma divergência de informações sobre a data em que a eutanásia foi feita.

A veterinária explicou que ela veio a óbito no dia 31 de março, sendo que no dia 7 eu tinha ido lá, no 7 de abril, e ela estava bem, estava respondendo ao tratamento. O que não bate, né? —  afirma.

Contraponto

O que diz a defesa de Paula Lopes

A defesa vem a público, diante das recentes declarações da Polícia Civil, esclarecer que a chamada “operação carrasco” nada mais representa do que a espetacularização policial, alicerçadas em denúncias anônimas jamais corroboradas por diligências sérias e preliminares que pudessem conferir mínima plausibilidade ao que foi narrado.

O relatório policial limita-se a reproduzir boatos e falas sem qualquer verificação independente ou prova concreta, o que fragiliza por completo a credibilidade das acusações. 

A única acusadora identificada, demonstra evidente conflito de interesses, tendo suas declarações surgido após divergências pessoais e políticas, conforme está registrado nos próprios autos da representação policial. 

Aquela acusadora admite não ter conhecimento do destino dos animais, apoiando-se em “ouvi dizer” e “comentários”, o que é flagrantemente insuficiente para sustentar acusações dessa gravidade.

É importante destacar que, nos casos de eutanásia, a legislação é clara: o procedimento somente ocorre mediante autorização expressa do médico veterinário, observando rigorosamente critérios técnicos e protocolos estabelecidos, bem como autorização do tutor do animal.

O suposto caderno encontrado decerto conterá os mesmos números de eutanásias cadastradas no SIMEC do Município de Canoas.

Não é dado ao Estado inverter o ônus probatório e exigir da parte que comprove a licitude de seus atos; ao contrário, cabe à polícia civil demonstrar de forma inequívoca a conduta investigada, ônus este que não foi minimamente atendido.

Ainda assim, A defesa reforça que seguirá trabalhando para demonstrar que não houve qualquer ilegalidade na gestão e que a verdade será restabelecida.

Gilson R. R. de Araújo,

OAB/RS 138018.


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