Comunidade Osho Rachana
Guru espiritual é indiciado por 13 crimes que incluem tortura, charlatanismo e violência sexual
Adir Aliatti, rebatizado Prem Milan, é suspeito de coagir seguidores a praticar sexo livre como forma de terapia e pregar cura gay, entre outros delitos. Polícia fala em 40 vítimas e desvio de pelo menos R$ 20 milhões


A Polícia Civil concluiu nesta quinta-feira (9) as investigações sobre o guru espiritual Adir Aliatti, 70 anos, fundador da comunidade Osho Rachana em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre. Rebatizado Prem Milan, Aliatti foi indiciado por 13 crimes. Além dele, os filhos André Blos Aliatti e Amanda Blos Aliatti respondem pelos mesmos delitos. O inquérito foi remetido ao Ministério Público, que decidirá pela denúncia ou não.
Tortura, charlatanismo e violência sexual mediante fraudes, entre outros crimes (veja lista completa abaixo), sustentaram o indiciamento. Conforme a polícia, o guru teria feito 40 vítimas e desviado mais de R$ 20 milhões, além de alcançado um prejuízo de R$ 4 milhões nas operações que realizava.
De acordo com as investigações, Aliatti também usaria o dinheiro de seguidores para pagar viagens de luxo e apostas online.
Ao longo dos anos, práticas de suposta cura gay, além de casos de discriminação racial e de gênero, diversas formas de tortura e crimes financeiros teriam sido cometidos.
O que se apresentava como caminho de autoconhecimento, na verdade, escondia práticas de abuso, coerção e enriquecimento ilícito. Nosso trabalho busca dar voz às vítimas e impedir que novos casos semelhantes aconteçam.
JEISELAURE DE SOUZA
Responsável pela investigação
Cobrança de mensalidade de até R$ 12 mil
Integrantes da comunidade pagavam pacotes de imersão que custavam entre R$ 8 mil e R$ 12 mil, além de mensalidades para viver no local.
Ainda segundo a investigação, o guru exigia que as pessoas fizessem empréstimos bancários e entregassem o dinheiro para a comunidade. No entanto, o valor seria desviado para benefício próprio.
Práticas violentas
As investigações começaram quando ex-integrantes da seita acionaram o Ministério Público, em 2022, relatando supostos atos violentos que seriam cometidos pelo guru do grupo. As pessoas disseram ter procurado a comunidade para realizar "imersões e terapias bioenergéticas alternativas". As práticas incluíam meditações e sexo livre.
Após o pagamento dos pacotes de imersão e das mensalidades, os integrantes do grupo dividiam tarefas cotidianas e cultivavam produtos orgânicos, que eram vendidos na região. Pães e agendas também eram vendidos nas ruas de Porto Alegre. Essas atividades seriam coordenadas pelo guru, com o pretexto de reverter os recursos à comunidade.
Um vídeo obtido pela polícia mostra o momento em que Aliatti, cercado de crianças, conversa sobre sexo com uma delas. O menor de idade comenta ter presenciado uma cena de sexo em um bambuzal.
Em liberdade com uso de tornozeleira
Aliatti foi alvo de operação da Polícia Civil no dia 11 de dezembro de 2024, quando foram cumpridos mandados de busca e apreensão e de bloqueio de bens. No mesmo dia, após análise inicial das descobertas no local onde fica a comunidade e dos depoimentos de novas testemunhas, definidos pela delegada como “impactantes”, foram feitos pedidos de prisão preventiva de Aliatti e dos filhos.
Os pedidos, contudo, foram indeferidos pelo Judiciário que estipulou medidas cautelares. Os três seguem em liberdade mediante uso de tornozeleira eletrônica. A Justiça também determinou que entregassem seus passaportes e não mantivessem contato pessoal ou virtual com as vítimas que viveram na comunidade.
Os filhos são suspeitos de terem participado e dado suporte às supostas atividades delituosas.
— A Operação Namastê expôs uma estrutura sofisticada de manipulação espiritual e emocional, em que a crença e a vulnerabilidade das pessoas foram exploradas de forma sistemática — afirma a delegada Jeiselaure de Souza, responsável pela investigação, à época, titular da 1ª Delegacia de Polícia de Viamão.
A comunidade
A Osho Rachana foi estruturada em uma área rural da Região Metropolitana, na localidade de Cantagalo, interior do município de Viamão, em 2005. Em um sítio de 42 hectares, o nome da comunidade é uma alusão a Osho (1931-1990), mestre indiano, apelidado de "guru do sexo". Para ele, a verdade só é conhecida no silêncio meditativo. O mestre indiano, defendia que "o orgasmo sexual oferece o primeiro vislumbre da meditação".
Cerca de cem pessoas chegaram a viver no sítio, apesar do número ter caído gradativamente nos últimos anos.
Em 2016, a reportagem de Zero Hora passou dois dias convivendo com 70 pessoas no local, entre funcionários públicos, professores, músicos, dentistas, engenheiros, programadores, estudantes, massoterapeutas e terapeutas, brasileiros e estrangeiros da Suíça, Espanha, Alemanha e Portugal.
Os 13 crimes apontados pela investigação
- Associação Criminosa
- Tortura psicológica
- Crime contra a economia popular (pirâmide financeira)
- Redução à condição análoga à de escravo
- Estelionato
- Violência sexual mediante fraude
- Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
- Exposição de criança ou adolescente a vexame ou constrangimento
- Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; realização de procedimentos terapêuticos sem registro ou autorização sanitária
- Charlatanismo
- Curandeirismo
- Crime de impedimento à convivência familiar e social
- Injúria racial
Contrapontos
A defesa de Adir Aliatti divulgou nota:
"A defesa técnica de Adir Aliatti, realizada pelo advogado Rodrigo Oliveira de Camargo, refere que tomou conhecimento do encerramento das investigações, mas não teve acesso ao conteúdo do relatório da autoridade policial. Aliatti confia na justiça e não se furtará de prestar todos os esclarecimentos devidos nos foros e momentos adequados. Neste momento, aguardará o acesso ao indiciamento policial e às conclusões a serem adotadas pelo Ministério Público, a quem compete decidir pelo exercício, ou não, da ação penal, e reservar-se-á ao direito de manifestação nos autos do processo penal, onde finalmente serão asseguradas garantias como a imparcialidade, a ampla defesa, o contraditório e a presunção de inocência."
A defesa de Amanda Aliatti também se manifestou por meio de nota:
"As advogadas criminalistas Thais Constantin e Deise Dutra que representam Amanda Blos Aliatti, foram informadas pela imprensa sobre o indiciamento parcial da investigada. Até o presente momento, não foi possibilitado o acesso ao conteúdo do relatório investigativo, o que impede a defesa de formular qualquer manifestação. Com o devido conhecimento do documento formulado, disponibilizará então os seus apontamentos."
A defesa de André Aliatti também se manifestou em um comunicado:
"O advogado Guilherme Boes informa que teve acesso, no final da tarde desta quinta-feira, ao relatório parcial do inquérito policial conduzido pela autoridade responsável. A conclusão apresentada até o momento pela delegada responsável é parcial e, por essa razão, não permite à defesa o acesso integral à totalidade das conclusões do inquérito, tampouco às provas que foram reunidas durante a investigação. A defesa reitera seu compromisso com a transparência e o devido processo legal, e aguarda a disponibilização completa dos elementos probatórios para que possa exercer plenamente o direito à ampla defesa e ao contraditório. Novas informações serão prestadas assim que houver avanço na tramitação do procedimento investigativo."