Polícia



"Sem dolo"

Justiça decide que morte de líder comunitária em Porto Alegre foi fatalidade, e oito brigadianos não serão submetidos a júri

Jane Beatriz Machado da Silva, 60 anos, morreu em dezembro de 2020 após uma operação policial na Vila Cruzeiro; Ministério Público irá recorrer da decisão

23/10/2025 - 12h06min


Vinicius Coimbra
Vinicius Coimbra
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Arquivo Pessoal/Reprodução
Jane era servidora pública e trabalhava na qualificação de mulheres como defensoras dos direitos humanos.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu não submeter a júri os oito brigadianos réus pela morte de Jane Beatriz Machado da Silva, 60 anos. A líder comunitária morreu em dezembro de 2020, na Vila Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre.

Naquele dia, segundo Ministério Público (MP), a mulher teve a casa invadida pelos policiais militares e morreu após cair e sofrer a ruptura de aneurisma cerebral.

Por isso, a denúncia pediu a condenação de oito servidores por homicídio doloso qualificado, ocorrido durante "abordagem policial agressiva".

Na decisão, o juiz Francisco Luís Morsch, da 1ª Vara do Júri do Foro Central da Capital, disse que as provas do processo indicam ter havido "uma triste e trágica fatalidade" no episódio.

"A morte da vítima foi causada por uma condição de saúde preexistente, e não há indícios mínimos de que os acusados tenham agido com a intenção de produzir tal resultado ou que, prevendo-o como possível, tenham assumido o risco de causá-lo. A representação das consequências não traz a morte da vítima como uma consequência minimamente provável, o que afasta o dolo. A ausência de dolo impede a submissão do caso ao Tribunal do Júri", afirmou na sentença proferida na sexta-feira (17).

Segundo o magistrado, para a configuração do dolo eventual descrito na denúncia, seria necessário demonstrar que os brigadianos previram a morte como um resultado provável da ação e, ainda assim, agiram com indiferença.

"Contudo, tal conclusão não se sustenta no presente caso. A morte da vítima decorreu de uma condição de saúde preexistente - o qual os policiais não tinham conhecimento, e o aneurisma, segundo o perito, pode ocorrer em razão de diversos fatores. Não se pode exigir que os policiais previssem que o estresse da abordagem ou um contato físico pudesse levar a vítima a óbito por ruptura de um aneurisma", argumentou o juiz.

O Ministério Público informou que irá recorrer da decisão judicial. "A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari, responsável pelo caso, diz que está analisando todas as questões possíveis e que providências também estão sendo tomadas por uma assistência de acusação que acompanha o processo", diz nota do MP.

Quem era Jane

Jane era servidora da prefeitura de Porto Alegre e atuava como Promotora Legal Popular (PLP), um projeto da ONG Themis que qualifica mulheres como defensoras dos direitos humanos nas comunidades onde vivem.

A servidora deixou seis filhos — três biológicos e três adotivos —, nove netos e dois bisnetos.

No dia da morte, moradores da região da Cruzeiro realizaram protestos, com pedidos de justiça e alegações de uma morte causada por violência policial. A Front Line Defenders, uma fundação internacional para a proteção de defensores de direitos humanos, incluiu o caso de Jane na lista de ativistas assassinados em 2020.

O assunto também foi tratado na decisão, pelo fato de "características pessoais da vítima, líder comunitária".

"As lutas políticas são absolutamente legítimas e devem ser travadas por todas as forças de nossa nação, favoráveis ou contrárias, sempre imbuídas de um ideal comum de construirmos uma sociedade melhor. Este processo, contudo, não pode levar à condenação de pessoas que não cometeram um crime de homicídio [...] Quando um policial cometer um crime, matando alguém intencionalmente, o Poder Judiciário o responsabilizará. Quando não cometerem, bons ou maus, serão absolvidos. Essa é nossa missão", apontou Francisco Luís Morsch na sentença.

Relembre o caso

Segundo o Ministério Público, em 8 de dezembro de 2020, oito policiais militares entraram sem mandado na casa de Jane Beatriz da Silva Nunes, na Vila Cruzeiro, zona sul da Capital. 

A ação, feita pelo 1º Batalhão de Choque (1º BPChoque), ocorreu após uma denúncia de maus-tratos a crianças – a informação não se confirmou. Segundo testemunhas, os policiais revistavam a residência quando Jane chegou do mercado e tentou entrar.

Um relato indica que, em determinado momento, um PM teria empurrado a vítima, que caiu e bateu a cabeça. Outra testemunha afirmou que a mulher sofreu a queda sozinha e não sofreu agressão.

Depois do desmaio, Jane foi levada pelos policiais a um posto de saúde, onde morreu.

Conforme a sentença, o laudo do médico legista apontou que a causa da morte foi a ruptura de um aneurisma cerebral pré-existente, possivelmente desencadeado por um pico de estresse ou trauma físico. O perito destacou que não era possível afirmar se a queda causou o aneurisma ou se o aneurisma causou a queda.

O Ministério Público denunciou os oito policiais por homicídio qualificado, alegando que eles agiram de forma agressiva e assumiram o risco de matar.

Os réus do caso são os brigadianos Luis Henrique Santana Duarte, Natan dos Santos, Matheus Bueno Feo, Gilvan Pires Domingos, Cristian Lucas da Silva, Bruno de Mello da Silva, Atila Justino Dornelles Verissimo e André Serrano Tubelo.

Manifestação da família

A reportagem não conseguiu contato com a família de Jane Beatriz Machado da Silva até a publicação desta notícia. O espaço está aberto para manifestação.

O que diz a defesa dos policiais

Nesta quarta-feira (22), os advogados Mauricio Adami Custódio e Ivandro Bitencourt Feijó, que representam os servidores públicos, enviaram a nota à reportagem sobre a decisão.

A defesa dos oito Policiais Militares entende que a decisão judicial mais uma vez restabeleceu a verdade sobre o caso: NUNCA HOUVE CRIME ALGUM! 

Jane foi vitimada do rompimento de um aneurisma cerebral preexistente, sem nenhuma contribuição por este fato por uma ação policial que desde o início se tinha conhecimento que decorria de informações sobre possíveis maus-tratos contra crianças naquela oportunidade.

A situação não foi provocada pelos policiais militares que cumpriram com seu dever e por uma fatalidade Jane veio a falecer por causas naturais.

Os PMs não tinha intenção jamais de provocar estresse em Jane nem nunca encostaram nela. Jane faleceu por causas naturais!

A decisão do Juiz de Direito observou o que a prova demonstrou desde sempre, a morte natural sem nenhuma conduta destes policiais. Os PMs não agiram em momento alguma contra Jane. A fatalidade não é punível pela Lei Penal.

Os policiais são inocentes e foram injustiçados ao serem denunciados. Mesmo depois de rejeitada a denúncia, o Tribunal errou ao determinar seu processamento.

Agora, novamente, a decisão do Juiz de primeiro grau afastou qualquer ponderação de participação ou contribuição na morte de Jane sublinhando o que a perícia média legal atestou irrefutavelmente.

Acreditamos que esta decisão esteja fundamentada suficientemente a ponto do Ministério Público de forma imparcial se conformar com a verdade e não recorrer do seu conteúdo. E quanto a assistência a acusação, acreditamos que possa ser deixado de lado pontos de vistas políticos para se receber a decisão judicial que é jurídica e expressou o que a prova técnica científica dizia e as testemunhas todas confirmaram: Jane morreu pelo rompimento de um aneurisma por causas naturais.


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