Caso no Litoral Norte
"Me sinto frustrada e insegura", conta policial que diz ter sido assediada por delegado no RS
Servidora afirma que teria sido agarrada pelo braço e homem teria forçado beijo, mas acusado nega


A policial civil que diz ter sido vítima de assédio sexual dentro de uma delegacia no Litoral Norte relatou, em entrevista à RBS TV, o que teria motivado o registro de ocorrência policial que resultou no indiciamento do seu então chefe, o delegado de polícia Antônio Carlos Ractz Júnior.
O relatório final da 3ª Delegacia de Polícia para Assuntos Internos da Corregedoria, concluído em 22 de agosto de 2025, ficou sob segredo de justiça até novembro, quando o sigilo foi levantado e a RBS TV obteve acesso ao documento. O delegado nega as acusações.
Segundo a inspetora, o assédio teria começado no seu segundo dia de trabalho na Polícia Civil, logo após ser designada para atuar no Litoral Norte, em fevereiro de 2024. Ela relata que, naquele dia, o delegado teria pedido que ela se reunisse com ele para se conhecerem. O endereço enviado, no entanto, teria sido a casa dele.
— Ele me mandou uma localização em Imbé e disse: "passa aqui na segunda-feira para nos conhecermos. Pra mim, aquele local era ou a delegacia de Imbé ou uma cafeteria. Segunda, bem cedo, eu perguntei: "delegado, que endereço é esse? Onde eu tenho que passar?". Ele disse: "é a minha casa". Aí eu disse sendo a sua casa, não vou passar, não acho de bom tom. Ele não gostou daquela minha resposta — afirmou.
Um segundo episódio teria ocorrido em julho de 2024, quando, conforme ela, o delegado a chamou em seu gabinete na Delegacia de Polícia de Cidreira.
— Era uma da tarde mais ou menos, 13 horas. Eu estava em Cidreira. Ele me chamou de dentro do gabinete. Entrei e disse: "Pois não, delegado". E ele estava em pé próximo a mim e me puxou pelo braço. Aí: "vem aqui me dar um beijo". Aí, eu fui pra trás e disse: "Como assim, delegado?". "É só um beijinho, só um beijinho. E me puxou de novo — relatou.
A policial então procurou a Corregedoria e registrou ocorrência. Depois disso, a pedido, para não trabalhar no mesmo ambiente que o delegado, ela foi transferida do Litoral Norte para a Região Metropolitana.
— Fui no psiquiatra porque estava muito abalada. Fiquei 15 dias de atestado. Iniciei tratamento com a psicóloga da Polícia Civil também. Hoje, faço uso de medicamento, faço terapia. Eu me sinto realmente frustrada com o que aconteceu. E ainda mais com uma sensação de insegurança maior. Hoje eu consigo falar um pouco sem chorar sobre isso, em função de medicamentos e tudo mais. Mas é difícil — declarou a inspetora, de 40 anos.
Ractz também foi transferido: deixou a delegacia de Cidreira e passou a atuar no Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), em Porto Alegre.
O chefe de polícia, Heraldo Chaves Guerreiro, disse que a polícia agiu com celeridade e encaminhou ao Judiciário para as providências cabíveis. Guerreiro disse ainda que não houve sanção administrativa interna sobre o caso.
Após o indiciamento, o Ministério Público ofereceu uma proposta de transação penal para encerrar o caso. O primeiro valor sugerido foi de um salário mínimo — R$ 1,5 mil. Depois, a promotoria de Tramandaí afirmou no processo que "avaliou melhor os autos", considerando a remuneração do delegado, e reajustou a proposta para R$ 5 mil.
O UGEIRM — Sindicato dos Policiais Civis, que acompanhou a servidora no registro de ocorrência e prestou apoio jurídico, considera que o valor sugerido pelo MP fragiliza o enfrentamento ao assédio.
— É o único caso que chegou, que é muito difícil tu provar assédio na polícia, e aí chega no Ministério Público e oferece uma transação penal de R$ 1,5 mil? Então, a dignidade de uma mulher vale R$ 1,5 mil? — questionou Neiva Carla Leite, diretora do sindicato.
O Ministério Público declarou que o oferecimento da transação penal, que consiste na aplicação de pena restritiva de direitos ou multa nos casos em que os requisitos legais são preenchidos, é uma obrigação. O órgão não comentou sobre os valores.
O que diz o delegado
A advogada que representava Ractz, Thaís Constantin, renunciou a defesa nesta terça-feira (25). O novo advogado, Leonel Carivali, delegado aposentado e ex-subchefe da Polícia Civil, disse que "a vítima traz relato inverídico e distorcido, agregado de uma gravação fora de contexto e editada em partes". Ele afirmou ainda que o delegado está à disposição da instituição para comprovar a inocência.
Confira a nota da defesa na íntegra:
"O Delegado reafirma sua inocência no caso. Informa, outrossim, que o suposto assédio sexual, conforme narrativa exclusiva e isolada da sedizente vítima, está em descompasso com a prova testemunhal colacionada e com inúmeros testemunhos de mulheres com as quais conviveu profissionalmente e que foram ouvidas pela Corregedoria a pedido da própria denunciante, reafirmando, no Inquérito Policial, o comportamento correto e profissional com que sempre foram tratadas.
Assim, a sedizente vítima traz relato inverídico e distorcido, agregado de uma gravação fora de contexto e juntada aos autos editada e em partes, frutos de inconformidade quando lhe foram negados privilégios profissionais que indevidamente buscava, qual seja, troca de lotação. Lamenta que o denuncismo leviano e desprovido de respaldo probatório tenha sido suficiente para seu indiciamento na esfera correicional. Aguarda, confiante, decisão judicial.
No âmbito administrativo estará à disposição do Instituição policial para comprovar a sua inocência nos procedimentos apuratórios cabíveis. Tranquilo de que a verdade vai emergir das apurações, ressalta seu histórico de serviços públicos prestados a sociedade, em especial por mais de 15 anos como Delegado de Polícia, e seu compromisso com a Instituição Policial a que pertence." Leonel Carivali - Advogado
Confira a nota do MP na íntegra:
"Foi oferecida pelo MPRS transação penal para o investigado, já que ele preenche os requisitos legais (bons antecedentes e crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos). O oferecimento de transação penal, que consiste na aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, nos casos em que os requisitos legais são preenchidos, é uma obrigação do Ministério Público. Ele pode aceitar ou não. Caso não aceite, será denunciado."