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Crime organizado

Arma usada para matar líder de facção dentro de penitenciária em Canoas foi entregue com drone, conclui polícia; veja vídeo exclusivo

Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, foi executado a tiros em 23 de novembro de 2024. Investigação do Departamento de Homicídios foi concluída

15/12/2025 - 11h07min


Leticia Mendes
Leticia Mendes
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Ronaldo Bernardi
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Polícia do Paraguai/Divulgação
Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson.

A pistola de calibre 9 milímetros usada para executar um líder de facção dentro da Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan 3) entrou no local com uso de um drone. É o que aponta a investigação da Polícia Civil sobre o crime, ocorrido em 23 de novembro do ano passado. O inquérito — que buscava elucidar se havia participação de mais pessoas no assassinato — foi concluído pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

Um vídeo, obtido pela investigação, mostra um objeto sendo entregue próximo da cela onde estavam os suspeitos de serem os autores do crime, às 3h06min da madrugada anterior ao assassinato. A possível facilitação por parte de policiais penais no homicídio do faccionado foi descartada pela apuração. 

A polícia conseguiu chegar ao suspeito de ter cedido a arma usada no crime. A pistola estava registrada no nome de um morador de Santa Catarina, indiciado nesse inquérito por fornecer arma de uso restrito e por participar de organização criminosa.

Na tarde de 23 de novembro, Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, ocupava sozinho a cela 8, na área de isolamento da Pecan 3. Havia chego ali, no dia 19, transferido da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para cumprir uma espécie de castigo, por envolvimento em homicídios. O intuito era manter Jackson num local sem sinal de celular — naquele momento, era a única área que permitia isso. Mais tarde, um módulo de segurança seria inaugurado na Pasc.

Jackson, considerado uma das principais lideranças de uma coalização de grupos criminosos (Anti-Bala) rival à facção do bairro Bom Jesus, os Bala na Cara, sabia que estava sob perigo naquele local. Chegou a escrever um bilhete à direção da casa prisional, no qual afirmou temer alguma falha de segurança na unidade e alertou que drones eram usados para arremessar telefones e rádios para dentro da área de isolamento. Ele foi mantido sozinho na cela, enquanto na maior parte das demais, havia dois presos.

Do outro lado do corredor, a poucos passos da cela de Jackson, na de número 7, estava um de seus principais rivais: Rafael Telles da Silva, o Sapo, um dos chefes da facção da Capital. Junto dele, Luis Felipe de Jesus Brum, integrante do mesmo grupo e preso pelo assalto milionário ao aeroporto de Caxias do Sul, na Serra, em junho.

Jackson, numa cela cheia de livros, estava deitado, lendo, quando Sapo se aproximou pelo corredor. Do outro lado da porta de ferro, chamou o rival pela portinhola aberta — segundo os agentes relataram à polícia, isso era um procedimento habitual para manter a circulação de ar. A porta do cárcere de Sapo havia sido aberta segundos antes por um policial penal, que realizava a contagem de presos, a partir do andar superior. Sapo deveria ter aparecido no corredor, respondido ao agente, e depois retornado para sua cela. Não foi o que ele fez.

O faccionado avançou na direção da porta da cela de Jackson. Os dois trocaram algumas palavras. A polícia acredita que Sapo tenha prometido uma trégua ao inimigo, e sugerido que apertassem as mãos. Quando Jackson se levantou da cama e se aproximou da porta, uma mão com uma pistola atravessou a portinhola e executou o rival a queima roupa. Conforme a investigação, quem apertou o gatilho foi Brum, que estava escondido no corredor, mas o plano teria sido arquitetado pelos dois. Após alvejarem Jackson, os presos retornaram à cela 7, abandonando a arma no corredor.

Fernando Gomes/Agencia RBS
Mesmo sendo de facções rivais, presos ficavam no mesmo corredor.

A execução a tiros disparou uma algazarra dos outros presos, que passaram a gritar. Do lado de número par, estavam os companheiros de Jackson, enquanto no oposto, ficavam os inimigos. O único agente no andar superior, que realizava a contagem, tinha pouca visão sobre o que acontecia debaixo de seus pés. Então, correu e pediu apoio aos demais policiais penais. Quando eles conseguiram ingressar na área, Jackson já estava morto.

— Naquela galeria, os presos de facções rivais permaneciam no mesmo espaço. Eles recebiam autorização para ir para o pátio de forma individual ou de acordo com as afinidades, mas o corredor era o mesmo — explica a delegada Graziela Zanelli, da Delegacia de Homicídios de Canoas.

Em um lado da galeria ficava uma facção e do outro lado, a rival. Era assim que funcionava, não foi um caso isolado colocar o Jackson de frente para um rival. Era uma dinâmica das pessoas que precisavam, em razão de alguma ordem judicial, permanecer sem acesso ao sinal de celular.

GRAZIELA ZANELLI

Delegacia de Homicídios de Canoas.

Inicialmente, Jackson havia sido  colocado na cela 2. Mas a pedido dele mesmo, foi transferido para a cela 8, para ficar mais próximo de outro apenado que já conhecia. 

Ao chegar à prisão, num primeiro momento, Sapo também ocupa a cela 2. Mas, como novos presos ingressam no isolamento, ele é levado para a 7, onde passa a dividir com Brum. 

— Historicamente, eles eram inimigos. Mas o que ficou claro sobre a motivação para o crime é que eles tinham certeza de que nunca mais teriam aquela oportunidade. Dali, o Sapo iria para a penitenciária federal —  diz a delegada.

divulgação/Brigada Militar/Divulgação
Rafael Telles da Silva foi enviado a presídio federal.

A investigação

Logo após a morte de Jackson, a Polícia Civil passou a investigar o caso e indiciou Sapo e Brum pelo homicídio num primeiro inquérito. Eles foram denunciados e atualmente respondem a processo, com audiência prevista para o mês de fevereiro, para ouvir testemunhas. Sapo foi encaminhado ao sistema penitenciário federal e Brum está no isolamento da Pasc.

— Os dois presos, que integram essa organização criminosa, receberam as medidas mais severas do nosso protocolo contra homicídios cometidos pelo crime organizado. A própria facção também foi alvo de medidas do protocolo, em razão desse crime, que foi muito grave — afirma o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.

Em janeiro deste ano, a Polícia Civil transferiu 11 líderes da facção para isolamento em Charqueadas, na Região Carbonífera. Além da morte na penitenciária, segundo a polícia, esta mesma facção seria responsável pela maior parte dos homicídios na Capital e Região Metropolitana naquele período. 

Uma segunda etapa da investigação foi aberta para compreender se havia mais algum envolvido no crime e como a arma ingressou na penitenciária, permitindo a execução, que desencadearia uma crise no sistema prisional do RS. A investigação apurou ainda a possibilidade de envolvimento de algum policial penal, facilitando a ação dos bandidos. Segundo a delegada, nenhuma evidência nesse sentido foi encontrada durante as investigações.

Nesse segundo procedimento, foram ouvidas 35 pessoas, algumas delas mais de uma vez. O documento foi finalizado com 1,3 mil páginas.

— Nós tivemos a participação do IGP também com diversas perícias. Eles fizeram praticamente uma reprodução simulada dos fatos. Fomos até o local dos disparos, com um perito de local, um perito de balística e o pessoal da casa prisional. Eles fizeram uma análise, se posicionando onde estava o agente penitenciário que realizava a contagem, a posição dos presos embaixo. O campo de visão do agente é muito limitado. O corredor é concreto e as laterais são de grade — detalha a delegada.

Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Crime ocorreu dentro da Penitenciária Estadual de Canoas.

O drone na madrugada anterior

Na madrugada anterior à execução, agentes da Pecan 3 ouviram um drone sobrevoando a cadeia. Eles confirmaram isso à polícia durante os depoimentos. O equipamento se aproximava da área de isolamento. O espaço com 17 celas era ocupado por criminosos que precisavam ficar incomunicáveis — embora os presos tenham encontrado formas de driblar a segurança, usando rádio comunicadores. O equipamento desceu na direção das celas de número ímpar. A polícia obteve um vídeo que mostra o momento da chegada do drone.

— A Polícia Penal nos forneceu as imagens. Submetemos as imagens à perícia do IGP, que consegue afirmar que teve um objeto que se aproximou do pátio da cela 7. A partir dali, a gente consegue uma probabilidade bem alta de que a arma tenha entrado naquele momento e tenha sido resgatada pelos indivíduos da cela 7 — diz a delegada.

Suspenso por uma linha, está o objeto que a polícia acredita ser a pistola de calibre 9 milímetros, que seria usada na execução na tarde seguinte. A arma é deixada no pátio, do lado de fora das celas, em meio ao lixo que é arremessado pelos presos, e rapidamente pescada para dentro da cela. No vídeo, é possível ver ainda que os criminosos usavam uma estratégia para que o droneiro identificasse o ponto de deixar a encomenda.

Dentro da cela, eles acendiam e apagavam a luz. Isso servia de guia para quem estava do lado de fora, operando o drone.

RAFAEL PEREIRA

Diretor da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana.

Os peritos estiveram na cela onde estavam Sapo e Brum durante a análise realizada na penitenciária. O objetivo era conferir se seria possível resgatar o objeto abandonado àquela distância. Segundo a apuração da polícia, Brum e Sapo usaram dois cabos de vassoura emendados para alcançar a caixa com a arma no pátio e puxar para dentro da cela, por meio de uma janela com grades.

— Os peritos realizam uma tentativa de capturar um suposto objeto na dimensão do objeto deixado pelo drone e efetuar o resgate para dentro da cela, e, através desse trabalho, eles conseguiram afirmar que sim, e que realmente o policial penal teria pouquíssima chance de ver o que acontecia embaixo e reagir. Ele não tinha certeza de quem estava atirando e havia risco de ricochete. Era um risco muito elevado. Se concluiu que ele não tinha outra maneira de agir. E tudo é muito rápido. Em cerca de 35 segundos — explica a delegada.

Revista nas celas

Após um dos policiais perceber a aproximação do drone, segundo a polícia, os agentes decidiram revistar as celas do lado ímpar, com intuito de localizar o que pode ter sido deixado pelo drone. Naquele momento, a penitenciária não contava com equipamento antidrone.

— Era muito escuro, e os policiais penais não enxergavam o drone. Tinham essa dificuldade. Iriam atirar a esmo. Outra dificuldade era a sujeira, que os presos deixavam propositalmente para esconder as coisas dele. Essa sujeira acabou impedindo que esse objeto fosse identificado — explica a delegada.

Ao perceberem que seria iniciada uma revista, segundo a polícia, Brum teria arremessado a caixa com a pistola novamente para o pátio, em meio ao lixo. Os presos foram retirados para o corredor e levados para o pátio, enquanto os policiais penais revistavam as celas. Porções de drogas e um rádio comunicador foram encontrados.

— Parece que essa pode ter sido uma estratégia dos presos, para que os agentes pensassem que tinham localizado o que havia entrado pelo drone — diz Pereira.

Com o fim da revista, os presos foram realocados nas celas, e Brum teria puxado arma novamente para dentro. Neste momento, os policiais teriam revistado o lado externo e não encontraram nada. O plano era executar o inimigo, que estava do outro lado do corredor, durante a contagem da manhã. Em razão da revista, que se estende até o fim da madrugada, no entanto, os agentes decidiram não realizar a contagem matinal. O procedimento só foi realizado na tarde daquele sábado.

— Ele (Luis Felipe) chega a comentar que pensou ter pedido a oportunidade, mas aí é realizada a nova contagem e eles executam o plano — explica a delegada.

Durante a tarde, quando o agente no andar superior realizava a contagem, os dois aproveitaram para concretizar o plano.

Áudio

Além do bilhete escrito por Jackson, um áudio obtido pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) em maio revelou que um policial penal alertou com antecedência a direção da Polícia Penal, sobre o plano de assassinato de Jackson. A mensagem teria sido enviada na véspera do crime, 22 de novembro.

"Diz que transferiram o Nego Jackson, Jackson Peixoto Rodrigues, pra Pecan. Ele tá na triagem da Pecan 3, tá? (...) Os caras tão se articulando pra pegar e apagar ele, lá dentro da coisa", diz o servidor no áudio.

A polícia diz que esses relatos também foram levados em consideração durante a investigação, mas que, nem mesmo Jackson conseguiu dizer aos familiares e à defesa dele quem seriam as pessoas que poderiam vir a executá-lo.

— Nós ouvimos todas as pessoas que tiveram contato com o Jackson, com a expectativa de que pudessem nos trazer mais informações sobre isso, mas ele não mencionou em nenhum momento o nome de alguém — diz a delegada.

Sobre o bilhete escrito por Jackson e o áudio, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo afirmou por nota que todos procedimentos foram realizados e que“diariamente, inúmeras denúncias e informes são recebidos no sistema prisional, na sua quase totalidade anônimos e falsos, com o intuito de promover desordem, desestabilidade e caos. Todos eles, porém, são tratados com seriedade e com a responsabilidade necessária para a segurança de todos os envolvidos: servidores e pessoas privadas de liberdade”.

— No aspecto penal, em relação aos servidores, não concluímos nenhum tipo de dolo ou culpa em relação à morte. Que tenha se furtado de ter algum tipo de conduta que pode ter evitado a morte. Claro que temos a figura do droneiro, e outras pessoas, como quem foi buscar a arma e entregar, que ainda não foram identificadas — afirma a delegada.

Sindicância da Polícia Penal

Cinco servidores foram afastados, incluindo o funcionário que recebeu o pedido e o diretor da penitenciária, pelo governo do Estado logo após a morte do preso. Além da investigação realizada pela Polícia Civil, uma apuração foi realizada pela Polícia Penal, que enviou nota sobre essa sindicância, na qual afirma que concluiu a fase preliminar, mas não detalhou o resultado. Questionada sobre eventual responsabilização de servidores, a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo informou que “não serão antecipadas informações para que o devido processo legal seja preservado” e que “somente após conclusão dos processos poderão ser definidas responsabilizações”.

Confira a nota:

A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo, por meio da Polícia Penal, ressalta que, a retirada de comércios ilegais instalados nas proximidades do Complexo Prisional de Canoas (CPC) integrou o conjunto de ações voltadas ao fortalecimento do controle do entorno e ao aprimoramento das condições de segurança institucional.

No interior da unidade, o incremento operacional ocorreu por meio do reforço do efetivo de servidores penitenciários, da atuação permanente de grupos táticos e da utilização de sistemas antidrone. Essas medidas ampliaram a capacidade de prevenção e repressão a tentativas de ingresso de materiais ilícitos por meio de aeronaves não tripuladas, além de fortalecerem os procedimentos de controle e as rotinas de revista.

A abertura do Módulo de Segurança Máxima da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, com 76 celas individuais, representou a ampliação da capacidade estrutural do sistema prisional, permitindo o isolamento de lideranças de organizações criminosas a partir de arquitetura específica e da adoção de protocolos rigorosos de segurança.

Os procedimentos e as rotinas do sistema prisional do Rio Grande do Sul são avaliados de forma permanente pela Polícia Penal, com foco no aprimoramento contínuo das ações, no aperfeiçoamento da gestão e na qualificação do serviço prestado à sociedade.

Esse conjunto de medidas se insere em um contexto mais amplo de investimentos históricos do governou no sistema prisional gaúcho. Desde 2019, aproximadamente R$ 210 milhões foram aplicados na modernização dos equipamentos de segurança da Polícia Penal, na ampliação do uso de tecnologias e na melhoria das condições de trabalho dos servidores, incluindo scanners corporais, sistemas antidrone, armamentos, coletes balísticos, uniformes e viaturas.

Até 2026, o volume total de investimentos ultrapassará R$ 1,4 bilhão, destinado à construção de novas penitenciárias e à aquisição de equipamentos para o enfrentamento à criminalidade, com a criação e requalificação de mais de 12 mil vagas no sistema prisional estadual..”

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