Efeitos do temporal
Mau tempo expõe fragilidades da infraestrutura em Porto Alegre
Capital apresentou problemas em áreas como abastecimento, drenagem e transporte
Bombas vêm apresentando problemas
Foto: Adriana Franciosi/Agência RBS Área dos trilhos ficou alagada
Foto: Carlos Macedo/Agência RBS Árvores caíram sobre fiação e postes
Foto: Omar Freitas/Agência RBS Sistemas de bombeamento dependem de energia elétrica
Foto: Adriana Franciosi/Agência RBS
O mau tempo das últimas semanas no Estado, que culminou com um temporal de ventos superiores a 100 km/h e chuva torrencial entre a noite de quarta e a madrugada de quinta-feira, vem expondo os limites da infraestrutura de Porto Alegre.
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A expectativa de chuvaradas na próxima semana reforça a preocupação com a resistência dos sistemas de água, luz, transporte e drenagem da Capital - que entraram em pane em meio à tempestade e estão sujeitos a mais problemas em caso de novos fenômenos climáticos intensos ou duradouros.
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Segundo a meteorologia, pode haver temporais entre terça e quarta-feira no Estado. A previsão indica possibilidade de 40 a 60 milímetros de chuva para Porto Alegre - volume semelhante aos 44 milímetros registrados pela estação convencional do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) entre quarta e quinta. E, na semana seguinte, há risco de mais chuvaradas.
- O potencial para alagamentos continua elevado - avisa a meteorologista da Climatempo Bianca Lobo.
Para milhares de moradores, a pergunta a ser feita a especialistas e autoridades poderia ser: por quanto tempo a cidade consegue resistir sem entrar em colapso? Na verdade, a duração das chuvas é apenas parte do problema. Uma precipitação constante, mas suave, sem ventania, não sobrecarrega a drenagem urbana ou as redes de abastecimento. Os problemas começam quando as pancadas são mais intensas e se agravam quando se prolongam ao longo de vários dias.
Se a duração do tempo severo se aproxima de uma semana, por exemplo, deixa perto do limite a capacidade dos equipamentos localizados em 19 pontos da cidade de funcionar ininterruptamente para recolher água e lançá-la ao Guaíba. Das 83 bombas existentes na Capital, cerca de uma dezena queimou nos últimos dias, e outras estão sendo desligadas preventivamente, em períodos intercalados, para não pifarem também.
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Mas pode bastar uma chuva como a verificada por volta das 23h da última quarta para colocar em xeque os serviços básicos em Porto Alegre. Em apenas uma hora, conforme a estação automática do Inmet, choveu 23 milímetros - o equivalente a 20% do esperado para todo o mês.
- Em razão do fenômeno El Niño, temos verificado justamente uma combinação entre pancadas fortes e chuva prolongada, o que sobrecarrega o nosso sistema - admite o diretor-geral do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), Tarso Boelter.
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Os problemas se agravam sob condição de temporal. Como a fiação elétrica fica exposta em ruas arborizadas, o vento também é um elemento fundamental na equação que determina a resistência da cidade às intempéries.
Velocidades acima de 70 km/h, aproximadamente, começam a derrubar galhos maiores e árvores inteiras sobre fios e postes, o que interrompe o fornecimento de energia elétrica por várias horas. Sem eletricidade, bombas localizadas em estações de captação de água param de funcionar, e o abastecimento também entra em pane. A previsão para a próxima semana indica rajadas entre 60 km/h e 80 km/h.
- Os sistemas são projetados para resistir ao vento, mas o nosso problema é a vegetação que cai sobre a rede - afirma o diretor de Distribuição do Grupo CEEE, Júlio Elói Hofer.
O polêmico muro da Mauá, que isola o centro de Porto Alegre do Guaíba, também depende da quantidade de chuva registrada, do tempo de precipitação e das condições de vento para ser colocado à prova - o que ainda não ocorreu desde sua construção, nos anos 1970. Quando o vento sopra do quadrante Sul, por exemplo, contribui para represar o Guaíba e fazer com que se aproxime da cota de 3m a partir da qual a água invadiria o cais.
Confira, abaixo, a capacidade de alguns pontos da infraestrutura da Capital de fazer frente ao mau tempo.
DRENAGEM
Resistência: as 83 bombas distribuídas em 19 unidades na Capital suportam até cerca de uma semana de operação ininterrupta.
Vulnerabilidade: o tempo excessivo de operação e a sobrecarga provocada pelo excesso de água na rede, que pode provocar refluxo, sujeitam o equipamento a panes elétricas, vazamentos e outros problemas. Nesse caso, é necessário fazer consertos emergenciais e desligar os motores em sistema de rodízio para evitar prejuízos ainda maiores. Cerca de uma dezena de bombas estragou nos últimos dias. Um relatório mais detalhado ainda estava sendo elaborado ontem.
Impacto: quando uma bomba estraga ou é desligada, reduz a capacidade de drenagem do município, já que uma menor quantidade de água é captada e lançada para o Guaíba. Como resultado, pontos como a Rodoviária e Voluntários da Pátria podem apresentar alagamentos maiores. Seriam necessários pelo menos três dias de tempo seco para aliviar todo o sistema.
- No momento, trabalhamos como se fosse em uma pia na qual o escoamento é lento, e a torneira continua ligada. Então transborda - exemplifica o diretor-geral do DEP, Tarso Boelter.
TRENSURB
Resistência: o ponto mais sujeito a alagamentos, entre as estações São Pedro e Farrapos, tem uma casa de bombas própria da Trensurb capaz de retirar 1,2 mil litros de água por segundo.
Vulnerabilidade: a casa de bombas conta com quatro equipamentos que funcionam concomitantemente, além de outros dois em espera, e gerador próprio de energia. Porém, quando água de áreas próximas da cidade se junta ao volume acumulado na região da Trensurb, supera a capacidade de bombeamento.
Impacto: a presença de água nos trilhos força a interrupção da circulação dos trens no local, como ocorreu ontem. Os trens deixaram de circular entre as estações Mercado e Farrapos, o que exigiu a oferta de ônibus para cumprir esse trajeto. Segundo o diretor de Operações da Trensurb, Roberto Damiani, o sistema de quatro bombas com capacidade de captar 300 litros por segundo cada uma seria suficiente para a área sob responsabilidade da empresa. Porém, quando o alagamento é generalizado e recebe vazão de pontos mais distantes, há uma sobrecarga.
- A casa foi projetada para atender somente à demanda local da Trensurb - afirma Damiani.
ENERGIA
Resistência: ventos de até 70 km/h provocam apenas quedas de pequenos galhos e desligamentos temporários, facilmente revertidos.
Vulnerabilidade: quando os ventos superam 70 km/h, começam a ocorrer problemas mais graves, como a queda de galhos grandes ou árvores inteiras sobre a rede. Nesse caso, não basta apenas religar a energia. É preciso reerguer postes, recolocar transformadores, substituir isoladores. Somente depois disso a energia pode ser religada.
Impacto: além do efeito direto sobre os consumidores, que ficam sem energia em suas casas - mais de 200 mil clientes da CEEE ficaram sem luz ontem -, a falta de energia compromete o funcionamento das casas de bombas de drenagem (seis das 19 foram afetadas) e de captação e distribuição de água, o que provoca desabastecimento nas torneiras. Conforme o diretor de distribuição do Grupo CEEE, Júlio Elói Hofer, os estragos estruturais exigem equipes mais robustas para conserto. Enquanto dois profissionais bastam para religar uma rede com curto-circuito, são necessários cinco ou seis funcionários para reconstruir redes danificadas. A CEEE ampliou de 122 para mais de 200 equipes a força de atendimento para dar conta do temporal ontem. Mas, até o final da tarde, ainda havia cerca de 66 mil clientes sem luz.
ÁGUA
Resistência: se os reservatórios estiverem cheios e o consumo estiver baixo, o sistema de abastecimento consegue resistir até seis horas sem energia nas estações de bombeamento.
Vulnerabilidade: há cinco pontos de captação de água na Capital, seis estações de tratamento e 86 estações de bombeamento de água tratada, somando 97 pontos de bombeamento - fora as estações de esgoto. Mas há apenas sete geradores de energia capazes de compensar a falta de energia. Desses, somente quatro são móveis. Nenhum deles tem capacidade suficiente para atender a estação do Menino Deus, a maior da cidade, que envia água para 39 bairros da Capital. Segundo o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos, Antônio Elisandro de Oliveira, está em andamento um projeto para ampliação e revitalização da estação do Menino Deus, que deverá prever um sistema alternativo de energia.
- Estamos aguardando que o projeto fique pronto - afirma Oliveira.
Impacto: a interrupção no abastecimento deixa os consumidores sem água. Áreas mais elevadas e afastadas, onde a água demora mais para chegar, podem ter de aguardar horas até o abastecimento ser normalizado. Pelo menos metade dos 81 bairros da Capital apresentaram falta de água ontem.
Veja imagens dos estragos provocados pelo temporal: