Vista poluída
Quadra de rua da Cidade Baixa tem mais de 90% dos imóveis pichados
ZH Pelas Ruas contou 65 de 70 casas ou prédios com fachada, portão ou muro vandalizados em trecho da Rua Lopo Gonçalves
Pichações sobre pichações são comuns na Lopo Gonçalves. Foto: Jéssica Rebeca Weber/ Agência RBS
Não há lugar livre de vandalismo: qualquer bairro, da zona norte à sul de Porto Alegre, pode ser alvo de pichadores. Mas na Rua Lopo Gonçalves, na Cidade Baixa, é difícil localizar fachada, muro ou portão que não tenha sido danificado.
Entre a esquina com a Rua General Lima e Silva e o cruzamento com a José do Patrocínio, 65 das 70 casas e prédios contados pelo ZH Pelas Ruas têm pichações. O número equivale a 92% das construções da quadra. A vista poluída entristece moradores como a aposentada Laura Teixeira, 71 anos - que também se revolta com a violência no bairro.
- Nós nos sentimos impotentes de lutar sozinhos contra esses vândalos - destaca.
Helena Titton, 79 anos, mora na rua desde 1949. Conta que conheceu uma Lopo Gonçalves "tranquila, limpa e bonita", mas calcula que já faz duas décadas que apareceu a primeira pichação na fachada da sua casa. Nos últimos 10 anos, segundo ela, o problema se agravou:
- Já tive de pintar mil vezes. Arrumei ano passado e em 20 dias já estava suja de novo.
Helena conta que sua vizinha da frente é ainda mais insistente e cismou em enfrentar os pichadores. Assim que eles grafavam na fachada, ela apagava.
- Acho que foi umas quatro vezes isso. Agora, ela desistiu.
E demonstra resignação:
- Fazer o que, minha filha?
O muro do prédio onde mora o advogado Dilmar Saraiva Belchior, 50 anos, foi pintado há algumas semanas, mas já foi pichado. Ele destaca que a poluição visual no bairro é tão grande que chega a ser inviável identificar a arquitetura dos prédios, muitos deles antigos. Já a estudante Marília Sinnott, 31 anos, fica até com medo de passar pela rua.
- Nunca sabe se ele está ali pichando, se vai te assaltar. Ou os dois.
Luiz Pithan, comandante da Guarda Municipal, destaca que a melhor ferramenta para combater este crime é a denúncia, pelo fone 153.
- A gente não pode estar em todos os lugares para identificar esse tipo de coisa, então contamos com a participação da comunidade.
Nos registros da Guarda Municipal, são poucas as denúncias realizadas na Lopo Gonçalves. Há apenas ocorrências de 2014, com duas denúncias e uma detenção. Na Cidade Baixa, no ano passado, foram 13 denúncias.
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Luiz lembra ainda que, em 2015, a Guarda Municipal realizou 113 atendimentos do tipo em toda a cidade e, em 28 destes, teve êxito, realizando a detenção de 62 suspeitos. Quando apreendidos em flagrante, os infratores são encaminhados à delegacia mais próxima e podem ser presos ou liberados, dependendo da ficha criminal, diz Luiz. Eles podem responder por dano ao patrimônio ou ao ambiente. De acordo com o art. 65 daLei de Crimes Ambeintais, "pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano" pode render detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
"Solução é um sonho que ficou pra trás", diz pesquisadora
Alice Prati, restauradora, pesquisadora e autoria da obra SOS Monumento: Causas e Soluções, explica que a Cidade Baixa é bairro cultural e de "efervecência", e por isso é alvo de pichadores, que buscam visibilidade. Para ela, o problema não é isolado, a Rua Lopo Gonçalves "é um retrato da cidade":
- A pichação fugiu do controle em Porto Alegre.
A pesquisadora destaca que, há pelo menos dez anos, a cidade está "completamente pichada", e o problema não diminui. O que reduziu, na opinião dela, é a disposição dos moradores para combater essa infração e denunciar. Para ela, diante de problemas graves na saúde e, principalmente, na segurança pública, "a solução da pichação é um sonho que ficou para trás".
Alice lembra que em 2015 a Câmara de Vereadores aprovou um Projeto de Lei Complementar (PLC) que determina que autor terá de "eliminar as marcas da pichação e pintar integralmente a edificação ou o monumento" avariado. Destaca que se trata de uma conquista, mas que, como toda a ferramenta, "não anda sozinha".
- A Guarda Municipal e a Bigada Militar levam o caso à Polícia Civil, depois vai para Judiciário e Ministério Público. Mas se não estão fazendo isso com ladrão e assassino, imagina com pichação.
Alice diz que sua maior preocupação se dá com o próprio pichador, que muitas vezes arrisca sua vida para deixar sua marca em lugares altos, e destaca a função da educação. Ela conta visitou uma escola da Capital onde os alunos sabiam ler os sinais de pichação.
- É preciso fazer cumprir a lei e ir na escola "vacinar".