Mau cheiro e gosto ruim
Dmae investiga origem de alterações na água em Porto Alegre e não dá prazo para normalização
Órgão da prefeitura acredita que problema teve origem no Guaíba
Desde a semana passada, há duas opções possíveis para consumir água em alguns bairros de Porto Alegre. Em ambas, é preciso esquecer o que se aprendeu na escola sobre o líquido, supostamente insípido e inodoro: ou degusta-se uma água com aroma de caldo de armário antigo que há tempos não vê a luz solar ou experimentam-se notas acentuadas de cloro no líquido que sai da torneira.
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) ainda não sabe explicar o causa as alterações no cheiro e no sabor da água nos últimos dias. As reclamações não escapam a quase nenhuma região de Porto Alegre. Para tentar amenizar o problema, o órgão reforçou a dose dióxido de cloro para desinfecção da água e, no começo da semana, passou a colocar carvão ativado nela – as duas alternativas são usadas para a remoção de algas, por exemplo. Não há previsão de normalização da situação.
Apesar do desconforto, até o momento, consumir a água da torneira não oferece risco à saúde, segundo o órgão. Enquanto investiga as possíveis causas da alteração, o Dmae faz, diariamente, testes de potabilidade recomendados pelo Ministério da Saúde. E o líquido continua atendendo ao exigido pelas normas do governo federal.
– O gosto de cloro é uma coisa boa, porque ele significa que a água está com uma barreira de proteção, o que a torna segura para o consumo. Eu desconfiaria de uma água insípida e inodora, como as pessoas acham que tem de ser, porque pode ter outras substâncias mascarando os problemas – disse o diretor de tratamento de água, esgoto e meio ambiente do Dmae, Marcelo Faccin.
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Como as alterações foram registradas em bairros de norte a sul da Capital, e não em uma estação específica, o órgão acredita que o problema vem do manancial, o Guaíba. Mas, conforme as análises preliminares, a origem da variação é diferente do que costuma ocorrer no verão, quando há alterações em função da proliferação de algas, somada ao baixo nível da água.
– Os três afluentes do Guaíba estão entre os rios mais poluídos do país. Alterações como essa, nessa época do ano, em que o nível da água está relativamente alto, podem indicar que há alguma substância sendo lançada em quantidade expressiva no local – diz o vice-diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, Carlos André Bulhões Mendes.
O coordenador do curso de Engenharia Química da PUCRS, Claudio Frankenberg, também considera a situação incomum para esta época do ano. Ao contrário do Dmae, no entanto, ele não descarta a possibilidade de algum tipo de alga esteja causando o problema. A razão seria o clima atípico para esta época – abril foi um mês marcado por altas temperaturas, o que poderia ter criado condições semelhantes ao que ocorre nos meses de verão. Para o especialista, até que se descubra a causa do problema, o ideal é não consumir a água diretamente da torneira, mas passá-la por um filtro ou decantá-la (deixá-la repousar um pouco antes de ingerir).
– Em geral, alterações no gosto da água afetam mais psicologicamente, mas quando não se sabe o que causou o problema, é melhor evitar o consumo direto. Pode não ter efeito sobre quem está saudável, mas para quem está com a imunidade baixa, crianças e idosos, pode ter alguma consequência.
Os especialistas consideram que a pior das hipóteses em relação à origem das alterações, para o consumidor, seriam problemas ocorridos após a captação de água, como uma infiltração nas adutoras, o que permitiria que algum grau de água residuária se misturasse à tratada, oferecendo riscos à saúde de quem a consome. A hipótese é afastada pelo Dmae.
Diretor-geral do Dmae minimizou sabor alterado
Na quinta-feira, a reportagem convidou o diretor de tratamento de água, esgoto e meio ambiente e o diretor-geral do Dmae, Antônio Elisandro de Oliveira, para provarem a água de um apartamento do bairro Cidade Baixa onde moram quatro estudantes. Eles começaram a perceber as mudanças na água da torneira, que continuam usando para cozinhar, mas deixaram de tomar, há mais de uma semana. O diretor-geral do Dmae admitiu que o líquido estava com gosto forte de cloro, mas disse que a situação no local não era das piores.
– Neste momento que estamos passando, já deparamos com situações mais complicadas – avaliou o titular do departamento, que disse consumir água da torneira diariamente.
Mas para Willian De Nardi, 25 anos, o incômodo já provocou alterações no consumo. Primeiro, o estudante, que costumava servir-se de água da torneira todos os dias, resolveu mudar de fonte, levando garrafinhas vazias para encher no bebedouro da faculdade de arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ao primeiro gole, no entanto, percebeu que não tinha escolhido a melhor saída:
– Lá a água também está com um gosto estranho. Nesta semana, comecei a comprar suco no supermercado – conta.
O Dmae está trabalhando em parceria com o Instituto de Química da UFRGS para tentar descobrir a origem do problema. Ainda não há previsão de conclusão dos laudos técnicos.