Atração ou problema?
Ratinhos de laboratório abandonados na Redenção viram "mascotes" de frequentadores
Enquanto prefeitura busca solução, alguns ratos são resgatados pela população. Especialista alerta para o cuidado com a transmissão de doenças.
Vivendo embaixo da calçada em frente ao Auditório Araújo Vianna, no Parque da Redenção, em Porto Alegre, uma colônia de ratos de laboratório está dando o que falar nas redes sociais. Desde que moradores da região encontraram os animais e passaram a alimentá-los, levantou-se a questão de quem teria os abandonado e o que será feito com eles.
Embora alguns achem divertida a ideia de conviver com os ratinhos no parque, o cenário é preocupante. Moradora do Bom Fim, a economista Karen Medroa, 25 anos, caminhava pela Redenção com a irmã no sábado de manhã, dia 19, quando notou a presença dos animais. Fez fotos e divulgou no Facebook.
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Não demorou para que boatos de todos os tipos começassem a surgir. Karen ouviu que três ratos haviam sido abandonados por estudantes e se reproduzido. Com o alcance das imagens na internet, apareceram pessoas afirmando que os animais estavam na Redenção desde o Carnaval.
– A cada dia aparece uma hipótese. Eu só sei que alguém foi negligente e isso precisa ser investigado para nunca mais acontecer – protesta.
Segundo a professora de Medicina Veterinária da Ulbra Mariangela da Costa Allgayer, os ratos são do tipo Wistar, uma linhagem albina desenvolvida no Instituto Wistar, na Filadélfia. Mariangela supervisiona o biotério da Ulbra, onde a mesma linhagem é cultivada.
Os ratos do tipo Wistar se adaptam bem no ambiente externo e, segundo a professora, é perfeitamente possível que acasalem com ratos cinzas de rua. Os ratos albinos, além de serem usados em laboratórios de pesquisa, podem ser comprados por qualquer pessoa em pet shops.
– Os da Redenção com certeza foram abandonados – garante a professora.
Reprodução rápida
Celso Pianta, médico veterinário e professor de microbiologia em saúde pública da Ulbra, explica que a partir do terceiro mês de vida, os roedores já estão sexualmente maduros para procriarem. Desse jeito, a colônia que se abriga embaixo da calçada da Redenção pode aumentar rapidamente a partir do cruzamento entre eles.
– O tempo de gestação é, em média, de 19 a 22 dias, e o número de filhotes por cria é de cinco a 12. A população desses animais aumenta em um curtíssimo espaço de tempo.
Por terem sido abandonados num ambiente sem controle sanitário, os ratos podem estar contaminados com alguma bactéria e outros micro-organismos como pulgas, carrapatos, salmonela e leptospirose.
– As pessoas precisam ter cuidado. As doenças são transmitidas por fezes, urina e contato com o pelo. O mais sensato seria capturá-los e levá-los para um centro de zoonoses, com pessoas capacitadas para cuidar deles. Se não estiverem doentes podem, inclusive, serem castrados e colocados para adoção – orienta.
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Os bichinhos só não são novidade para Neltair Gomes, 72 anos, morador de Viamão. Trabalhando como cuidador de idosos em Porto Alegre, Neltair passa diariamente no parque, no início manhã.
– Dou comida para os ratinhos brancos há dois anos. Tenho pena deles. Todos os dias eu separo um dinheirinho para comprar o pão. Os bichinhos já me conhecem. Sempre que chego ali eles se aproximam – conta.
Seu Nalta, como é conhecido, mantém o relato semelhante a de outros frequentadores do parque. Soube que, no início, era apenas um casal de ratos. Quando passou a cuidar dos bichos, já eram cinco:
– Na primeira vez que eu vi os ratos, uma senhora estava dando água para eles. Ela costuma vir no parque todos os final de semana. Há quatro meses, ela me ajudou a contar os ratinhos, eram 18.
Smam estuda medida
A diretora da Divisão de Administração de Parques da Smam, Gabriela Moura, disse que só tomou conhecimento dos ratos recentemente, por funcionários que fazem a limpeza da Redenção. Ela desmente rumores de que a prefeitura estaria planejando uma dedetização para eliminar os animais e garante que ainda não há medida prevista para resolver a situação.
– Estamos procurando orientação. A Smam é sempre preservacionista, mas temos que cuidar da saúde pública – admitiu Gabriela.
A diretora reconheceu que os ratos são alimentados pela população, e como em casos de abandono de tartarugas e peixes no Parque da Redenção, não há suspeita de quem colocou os animais ali.
– Não sabemos quem fez isso. Boa ou má intenção, nos causou um problema. Cinco pessoas ouvidas pela reportagem disseram que os ratos largados no parque por estudantes, mas não há confirmação.
Há três laboratórios da UFRGS nos arredores da Redenção: o Biotério do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (Rua Sarmento Leite, nº 500), a cerca de 500 metros do parque, o Biotério do Departamento de Bioquímica (Rua Ramiro Barcelos, nº 2600), a 1,4 quilômetros e o Biotério da Faculdade de Farmácia (Avenida Ipiranga, nº 2752), a 1,8 quilômetro.
Por meio da assessoria de imprensa, a UFRGS comunicou que, se os ratos fossem dos laboratórios da universidade, só teriam conseguido sair se tivessem fugido. Não houve, porém, quem tivesse dado falta dos animais, e seria improvável que funcionários ou estudantes tivessem facilitado a fuga ou mesmo levado os roedores para deixá-los no parque.
Fêmeas resgatadas
Um sábado por mês, integrantes do grupo Roedores e Lagomorfos se encontram no Parque da Redenção para trocar curiosidades sobre os animais. A informação de que ratos de laboratório se multiplicavam no parque chegou até Jonathan Souza, 20 anos, um dos membros. Na segunda-feira, dia 21, Jonathan e alguns amigos conseguiram resgatar quatro fêmeas. Segundo o jovem, é impossível mensurar quantos ratos moram hoje no parque.
– A gente conseguiu contar uns 40, mas rato se reproduz muito rápido – diz.
Jonathan criou uma vaquinha na internet para arrecadar dinheiro e pagar exames de sangue nas quatro fêmeas. A intenção é verificar se os animais estão infectados e, caso estiverem saudáveis, colocá-los para adoção. Como a prefeitura ainda não tem um plano para resgatar os animais, Jonathan quer tirá-los de lá antes que o pior aconteça.
– Para eles, os ratos são considerados praga urbana. Perguntei o que pretendem fazer, e eles não têm nada. Nossa luta é para que não matem. Os bichos não têm culpa de terem sido abandonados. E matar todos não é certo – defende.
* Colaborou: Karine Dalla Valle