À espera do recurso
Mais de três meses após a última elevação do Guaíba, moradores de Eldorado do Sul seguem aguardando auxílio
GZH conversou com, ao menos, uma dezena de moradores do bairro Picada afetados pelas enchentes do ano passado, que continuam tentando atendimento
Correção: Novos benefícios do programa Volta por Cima estão sendo operacionalizados, e não terminarão após o lote de 1° de fevereiro. A informação incorreta permaneceu publicada entre 5h e 15h51min de terça-feira (12).
– Isso aí está mais para "volta por baixo" – reclamava o motorista aposentado Cláudio Gilmar dos Santos, 72 anos, nas margens do Guaíba.
Junto de uma dezena de moradores, ele reclamava do programa Volta Por Cima, do governo estadual. A comunidade do bairro Picada, em Eldorado do Sul, está descontente com as negativas para acessar o benefício. Além de critérios de renda, problemas de cadastro também foram apontados, principalmente a informação de que alguns beneficiários estariam em óbito.
Cláudio mora num terreno onde também vivem a mãe e uma sobrinha. Pela casa, alguns itens estragados pela força da água ainda estão aguardando descarte, como um micro-ondas. Na pequena residência onde vive a mãe de Cláudio, ainda é possível ver as marcas da água na parede. Pensionista, Maria Florisbela Lopes dos Santos Dias, 96 anos, ainda está bastante abatida com o que perdeu.
– Fiquei muito sentida, vieram aqui, perguntaram um monte de coisas, mas, no fim, não pude receber nada – desabafa Maria.
Os moradores contam que muitos tiveram o benefício negado por receber algum outro auxílio, como aposentadoria, pensão ou benefício de prestação continuada (BPC). Entretanto, a maioria destes beneficiários não chega a receber mais de um salário mínimo.
– Negam por dizer que a gente tem renda. Que renda é essa de um salário mínimo? Se a gente usar esse dinheiro para arrumar a casa, vai comer o quê? – questiona a dona de casa Márcia Cruz Araújo, 39 anos.
Márcia recebe BPC de um salário mínimo para o filho, diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Não tão distante, outra vizinha também teve o benefício negado, mas alega razão diferente. A doméstica Clarisse Rodrigues Gonçalves, 35 anos, diz que o seu CPF foi apontado como de alguém que está em óbito no cadastro do programa estadual. Na casa onde vive, uma máquina de lavar roupas e um micro-ondas estragados pela enchente aguardam na entrada do pátio. Dentro de casa, o roupeiro inchado pela umidade faz hora extra guardando roupas.
– Me disseram que poderia ter pego o benefício na enchente de setembro. Não consegui. Em dezembro, tentei de novo, agora citaram inconsistências no cadastro – reclama Clarisse.
Improviso
Durante o período de cheia no final do ano passado, a dona de casa Janete Oliveira dos Santos, 57 anos, precisou morar dentro de um barco. Foi na embarcação usada pelo marido, o pescador Gilmar Leal dos Santos, 58 anos, que o casal se instalou. Ainda deu tempo de salvar o aparelho de televisão, colocado a bordo. Hoje, a embarcação segue na garagem, de prontidão para qualquer elevação inesperada no nível do Guaíba. Dentro de casa, sinais de umidade na base das paredes da sala ainda mostram os efeitos da água.
– Fizemos todo o cadastro, mas nunca recebemos nada – reclama Janete.
Alguns móveis foram substituídos com doações. Uma camada de tinta cobriu as paredes para espantar as marcas de enchente. Mas três dos freezers que a família usava para armazenar os peixes que servem de sustento estão estragados. Outra geladeira também não resistiu ao tempo submersa. Janete e Gilmar esperam que algum auxílio do poder público ainda chegue para reparar estas perdas.
Para doméstica aposentada Eva Berenice Borba de Oliveira, 71 anos, a situação é mais delicada. Morando em uma pequena casa de madeira, a enchente trouxe junto resíduos de um vizinho próximo que trabalha com reciclagem. Envolvida por vegetação, a residência é de difícil acesso. Eva diz que se sente incomodada pelo acúmulo de lixo. Diz ter dificuldade para limpar o local.
– Ganho um salário mínimo, não tenho como arrumar tudo que perdi com isso _ lamenta Eva.
Dentro de casa, o grande número de resíduos ainda por serem retirados quase impossibilita que ela permaneça no espaço. Eva também se perde entre o que são itens que eram da sua casa e coisas que vieram com a chuva.
– A gente fica até com vergonha de receber alguém – desabafa a doméstica aposentada.
A reportagem conversou com, ao menos, uma dezena de moradores do bairro Picada afetados pelas enchentes do ano passado. Mesmo com as negativas ou inconsistências no cadastro, eles continuam tentando um atendimento no Centro de Referência de Assistência Social (Cras), no centro do município. A dificuldade é se deslocar até o local. O bairro Picada fica abaixo de uma das pontes que cruza o Guaíba, próximo da Ilha da Pintada. O governo do Estado pagou um novo lote de benefícios do Volta Por Cima na sexta-feira (1º) – novos benefícios estão sendo operacionalizados.. Eldorado do Sul estava entre os municípios beneficiados, mas não foi divulgado o número de moradores contemplados na região.
Critérios devem ser atendidos
Um decreto do final do ano passado estabeleceu a criação do Volta Por Cima. Entre os critérios estabelecidos para ser beneficiado, está a renda por pessoa de uma família. Os grupos beneficiados precisam estar nas faixas definidas como de pobreza ou de extrema pobreza – o que exige uma renda por pessoa de até R$ 218 por mês. Neste caso, uma família que recebe apenas um salário mínimo, precisaria ter mais de sete pessoas em um único cadastro para ser beneficiada. Conforme a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, é preciso atender os critérios para ser contemplado.
Em relação aos casos citados por moradores que estariam com o CPF cadastrado como pessoa em óbito, o governo pediu que busquem atendimento no CRAS do seu município ou informem-se na prefeitura onde alterar dados do Cadastro Único (CadÚnico). Para saber se tem direito ao Volta Por Cima, os moradores podem acessar o site e digitar o CPF no campo indicado.
Prefeitura de Eldorado planeja outro auxílio
Administração responsável pelo bairro Picada, a prefeitura de Eldorado do Sul explicou que as equipes da Defesa Civil cadastraram 1,8 mil famílias da cidade no Volta Por Cima. Mas, até o momento, pouco mais de mil foram contempladas pelo Estado. Ainda assim, a prefeitura garante que continuará entregando "cestas básicas, kits de higiene e limpeza, colchões e telhas para os moradores atingidos pelas enchentes". Moradores de Eldorado que ainda possuem dúvidas referentes ao Volta Por Cima deverão entrar em contato com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Trabalho, no setor do CadÚnico, através do número (51) 3499-6453, explica a prefeitura.
Como maneira de auxiliar complementarmente as famílias afetadas pelo Guaíba em Eldorado do Sul, a prefeitura ainda informa que está sendo desenvolvido um programa municipal, junto à Câmara de Vereadores, que irá destinar para as famílias afetadas pelas cheias um auxílio substancial. "Existe uma lei pré-aprovada e que está sendo regulamentada para o desenvolvimento do projeto que irá contemplar as famílias afetadas pelas enchentes de setembro e novembro", explicou o município em nota.
Saiba mais
- Para saber se tem direito aos recursos do Volta Por Cima, acesse rs.gov.br/volta-por-cima e digite o CPF no campo indicado.
- Moradores de Eldorado do Sul com dúvidas em relação ao programa podem entrar em contato com Secretaria Municipal de Assistência Social e Trabalho.
- O contato é com o setor do CadÚnico, através do número (51) 3499-6453.