Notícias



Eu Sou do Samba

Um gravador, muitas memórias: a entrevista exclusiva do intérprete Carlos Medina nunca antes publicada

Colunista Alexandre Rodrigues escreve sobre Carnaval e samba todas as sextas-feiras

06/09/2024 - 06h00min

Atualizada em: 06/09/2024 - 06h00min


Alexandre Rodrigues
Alexandre Rodrigues
Enviar E-mail
Arquivo Pessoal / Ana Beatriz
Carlos Medina (1947-2011) não escondia o amor pela Imperadores

Algumas pautas chegam como presente. A que trago hoje na coluna é uma dessas.

No mês passado, um dia antes do sorteio da ordem dos desfiles das escolas de samba de Porto Alegre, minha amiga e também jornalista Dhani Pitta enviou a seguinte mensagem: “Preciso falar contigo sobre uma pauta mega especial. Estarás lá amanhã? A gente já conversa sobre isso. Ou podemos nos encontrar na CB (Cidade Baixa) esta semana.” A curiosidade me pegou, e marcamos nosso encontro.

Sentados em um bar na Lima e Silva, entre uma mordida no xis e um gole de Coca-Cola, ela revelou:

— Procurando um objeto na casa da minha mãe, acabei encontrando uma relíquia: um gravador intacto com a entrevista que fiz com Carlos Medina em 2005. Quero te passar esse material, que nunca foi publicado.

Vou contextualizar para que você, leitor, compreenda. Carlos Medina foi um dos intérpretes mais importantes de Porto Alegre e do Brasil, com passagens marcantes por várias agremiações, principalmente Imperadores do Samba — a vermelho e branco era sua escola do coração. Ele morreu em março de 2011, aos 63 anos.

Dhani é uma grande admiradora do Medina desde criança, muito por influência da mãe, que comprava os LPs. Além disso, sempre foi uma fiel frequentadora dos ensaios da Imperadores, onde teve o prazer de testemunhar de perto o talento e carisma do artista. Em 2005, quando estava na faculdade de Jornalismo, ela encontrou uma forma de homenagear Medina por meio de uma matéria no jornal Como É, do Centro Ecumênico de Cultura Negra (Cecune). O gancho foi a mudança dele para a União da Vila do IAPI. Mas a entrevista foi muito mais do que isso. Em um emocionante bate-papo, testemunhado também por Márcio Medina, um dos filhos do músico, ele falou sobre a carreira, o início como crooner, a passagem pelo coro da OSPA, entre outras memórias.

— Todo jornalista vive um momento especial quando há uma conexão verdadeira com a fonte. Mesmo ainda estudante de jornalismo, consegui essa conexão com Medina. Foi algo inesquecível. Esse registro equivale a um tesouro — destaca Dhani.

A entrevista foi diagramada nas páginas do jornal, seria capa, mas aquela edição toda caiu devido a outros assuntos. 19 anos depois, Eu Sou do Samba tem a honra de abrir espaço para que a entrevista, enfim, vá a público. 

Agradecimentos especiais: Dhani Pitta, pelo carinho de confiar a mim a sua história; Ana Beatriz, irmã de Medina, que compartilhou as fotos que ilustram esta matéria; e Helinho Menezes, responsável por extrair o áudio do gravador. 

Aperte o play para apreciar essa relíquia: 

De que forma a música entrou na sua vida?
Foi por acaso, com 11 anos. O Rubens (Garcia, tio), me vendo cantar, resolveu me levar na Rádio Gaúcha. Na época, a Rádio Gaúcha se localizava no edifício União, na Borges de Medeiros. Ele me levou para cantar no Programa Vovô Guerra (comandado pelo radialista Adroaldo Guerra). Foi meu primeiro contato com a música.

Qual foi seu primeiro trabalho nacional?
Quando ainda estava no quartel, um colega de infância, o Gilberto, formou um conjunto e me convidou para cantar, durante o intervalo do músico que fazia solo guitarra. Eu cantava algumas músicas e o guitarrista descansava. Isso em 1969. O nome do conjunto era Decomanches — nada a ver com a tribo carnavalesca Os Comanches. Depois, começa a carreira como crooner de baile. Na sequência, vem o Grupo Dólar, Metais Sons, Grupo Everest, San Francisco, Grupo Mensagem, Touguinha Coral e Orquestra (fazendo dupla com Wilson Ney), Grupo Senzala, Luz de Néon e, atualmente, Medina & Cia.

Em que fase da sua vida entrou o Carnaval?
Também foi por acaso. Além de cantar em conjuntos de baile, eu cantava no Coro Sinfônico da Ospa (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre). E um colega, o Zé Gordo, que era diretor de bateria da Sociedade Floresta Aurora achou que eu poderia me enquadrar naquele trabalho, em 1977. Foi minha primeira incursão como puxador de samba, primeira experiência no Carnaval. No mesmo ano, houve uma divergência entre a direção da Acadêmicos da Orgia e os puxadores Bedeu, Leleco Teles e Alexandre decidiram não puxar a escola. Então, no último ensaio do Floresta Aurora, fui convidado para participar também do desfile da Acadêmicos da Orgia.

Se fizesse um balanço da sua carreira, como definiria?
Talvez falte alguma coisa. O pessoal me cobra porque eu nunca saí de Porto Alegre. A gente sempre tem argumentos, sempre tem como explicar isso aí. Eu sempre fui ousado, sempre gostei de desafio, mas esse aí, de sair de Porto Alegre e ir para São Paulo, Rio de Janeiro, e fixar lá e tentar a sorte, essa coragem eu nunca tive. Eu tenho experiência de outros artistas que saíram daqui, não deram sorte, voltaram e tiveram que recomeçar do zero aqui em Porto Alegre. Depois de ter um certo espaço conquistado, um público conquistado, tu abrir mão disso, é muito difícil reconquistar.

Existe algum objetivo pessoal ou profissional que ainda não tenha alcançado?
Antes de encerrar minha carreira como puxador, eu gostaria de ajudar minha escola do coração. Eu sei que a Imperadores não passa por um bom momento. Existe muita divisão e eu me considero uma pessoa conciliadora, que gosta de fazer com que as pessoas se entendam, e tenho certeza que poderia ajudar de alguma forma.

Arquivo Pessoal / Dhani Pitta
Dhani ao lado de seu ídolo

Como define o atual momento da sua carreira?
Estou em um processo que eu considero natural, de diminuição. Estou diminuindo o pique, até pela idade. Estou com 57 anos, tenho um problema de saúde. Eu acho que é natural esse processo que eu estou passando, e mais adiante, logo ali adiante, talvez eu esteja encerrando a minha carreira.

Já pensa em pendurar as chuteiras?
Não, porque ainda me sinto em condições de ir para o palco. Mas eu quero parar na hora certa. Não quero me arrastar em cima do palco, ser carregado em cima do palco, sabe? Eu quero parar por cima.

O que houve com você e a Praiana em 2005?
Pela minha idade e meu know how em Carnaval, de maneira geral, as pessoas me respeitam, e como a maior parte do grupo que trabalha comigo é de jovens, adotei o estilo paizão e procuro representá-los, para evitar que sejam expostos a situações embaraçosas e humilhações, pois infelizmente no Carnaval tem muita gente esperta, que promete e não cumpre. Eu havia assumido um compromisso com eles, surgiram comentários de que o pagamento não sairia da forma combinada. Em uma reunião com a direção da escola, não obtive uma resposta satisfatória quanto a isso. Sabe-se que a harmonia representa uma quantia significativa a ser paga e diante da impossibilidade de honrar o compromisso assumido com eles, me retirei da escola, mas isso estava tirando meu sono. Entretanto, falei em meu nome, quem quisesse permanecer poderia ficar, por sua conta e risco.

E sua volta à vila do IAPI em 2006?
Para mim significa uma retomada... As pessoas pensavam que eu tinha encerrado minha carreira, o que não é verdade. Eu ainda estava aberto a negociações. Tive duas ou três sondagens, mas a única escola que me procurou efetivamente e me apresentou uma proposta concreta foi a Vila do IAPI, por isso fechamos o contrato. É uma escola pela qual já passei e que tenho a maior afinidade.

É forte o carinho que as pessoas, independentemente da idade, têm por você. Ao que você atribui isso?
Eu não sei explicar, porque é tão natural para mim, sabe? Um sorriso, um aperto de mão, cumprimentar as pessoas quando eu chego no ambiente. Para mim não é difícil. Por exemplo, nesse bar onde a gente está tocando atualmente tem 40, 50 mesas. E quando eu chego, paro pelo menos na metade das mesas. Aperto a mão de um, converso com o outro, um tapinha no braço de outro. Mas não é nada programado, é natural.

Arquivo Pessoal / Ana Beatriz
Na Avenida, era reverenciado

Na carreira de um artista, sempre têm aquelas pessoas de participação fundamental. Na sua quem são elas?
Não quero ser injusto com ninguém, mas coloco em primeiro plano a participação do Márcio e do Daniel comigo. Abdiquei-me de um conjunto de peso na época, como o grupo Senzala, para me dedicar a eles, o que gerou muito ciúme na época. Mas eu creio que se estivesse trabalhando com outras pessoas já teria me aposentado... Existe uma grande afinidade entre nós que vai muito além da questão pai e filhos, nossas almas se entendem (...) Cito inclusive minha companheira Viviane. Teve também uma pessoa com a qual tive um problema muito sério. Ele não aceitou minha saída da escola e nós dois não fomos inteligentes para administrar a situação: o Betinho da Imperadores do Samba (Roberto Corrêa Barros, falecido em 2004). Na verdade, eu tenho muito a agradecer a ele, pois foi uma pessoa que me esclareceu muitas coisas. É a primeira vez que falo sobre isso. Ele morreu e não tivemos a oportunidade de nos entender. Um cara que sempre me deu muita força foi o Leandro Maia (radialista), participação marcante na parte musical e no meu dia a dia. E o Wilson Ney, tivemos uma experiência profissional maravilhosa e, embora afastados, a amizade continua intacta até hoje.

Como surgiram aqueles bordões tão conhecidos ("Alô Harmonia!", "Atenção Coral!")?
Vem de ouvir outros artistas e achar que era sinônimo de bom gosto. A partir daí, adapto a minha maneira, procuro dar um pouco da minha personalidade naquilo que eu capto de cada um, mas não é nada programado. Quando inicio um trabalho em uma escola de samba, tenho que pensar em tudo, desde o grito de guerra. Então algumas expressões eu carrego comigo e associo a coisas novas.

O que tens a dizer para quem está começando?
Achei muito legal da parte de Sandro Ferraz, quando saí da Imperadores, vir me procurar para dizer que havia aceito o desafio: "Mas e agora?". Tentam colocar na cabeça do Márcio que existe uma competição entre nós dois e isso me faz um mal tremendo. Ele tem uma cabeça boa e não se deixa influenciar, pois sabe que o sucesso depende de tempo de uma boa base, pé no chão, de ouvir conselhos das pessoas que te querem bem. Humildade nunca é demais. Humildade e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

Carlos Medina por Carlos Medina...
Me considero uma pessoa feliz.

Arquivo Pessoal / Ana Beatriz
Encontro de peso: com Jamelão (E)



MAIS SOBRE

Últimas Notícias