Danos da cheia
Vila Asa Branca é desafio de reconstrução para próximo prefeito de Porto Alegre
Recuperação de serviços públicos essenciais, restauração do sistema de proteção à enchente e oferta de crédito para pequenos empresários são algumas das demandas desta região da Capital
As montanhas de entulho foram removidas das ruas estreitas, mas a Vila Asa Branca, na Zona Norte de Porto Alegre, continua tomada por feridas da enchente de maio. Cinco meses depois da crise, uma das comunidades mais atingidas carrega marcas d’água nas paredes e equipamentos públicos seguem danificados.
Com aproximadamente 800 lotes, dentro dos quais podem existir mais de uma habitação, a Vila Asa Branca é uma populosa comunidade que precisará de investimentos da próxima gestão para se reerguer. A cidade escolherá, no próximo domingo (27), o prefeito que irá lidar com as demandas.
No dia 18 de outubro, um caminhão de empresa terceirizada fazia a limpeza de uma boca de lobo na região. Um duto sugava lodo, pedra e lixo. Poucos metros adiante, na Rua 25 de Outubro, a Unidade de Saúde Asa Branca está fechada. Os danos são perceptíveis nas paredes, janelas e portas. Do lado de dentro, foram prejudicadas as redes elétrica e hidráulica, mobiliário e a câmara fria em que eram armazenadas vacinas.
Nove profissionais atendiam, em média, 100 pessoas por dia na US Asa Branca. De forma provisória, a unidade foi transferida para uma tenda instalada no pátio da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Miguel Granato Velasquez. A equipe que atua na tenda tem o mesmo quantitativo de nove profissionais, reforçados por psicóloga e assistente social às terças e quintas-feiras, mas houve queda no atendimento: 60 pessoas por dia.
A EMEI Miguel Granato Velasquez também foi atingida pela enchente e passa por reforma. Dos 137 alunos, 99 tiveram de ser deslocados temporariamente para o SESI Rubem Berta. Outros 38 são atendidos em salas modulares da escola que já foram recuperadas.
Não só os equipamentos públicos foram engolidos pela enchente. Kellen Lopes, 38 anos, nascida e criada na Vila Asa Branca, perdeu a casa e sofreu prejuízo no seu negócio, a Estética Charme. No fundo da comunidade, após a última faixa de habitações, existem dois canais de escoamento que conduzem o esgoto pluvial da região do Sarandi até as casas de bombas 9 e 10 — essas estruturas removem a água de dentro da cidade.
A moradia de Kellen, próxima do canal, ficou totalmente submersa. O imóvel tinha paredes de madeira e piso frio. A estrutura se desprendeu da base e fendas se abriram na pedra. A madeira deformou. Os danos são irreversíveis e a família de Kellen está pagando aluguel para viver em uma pequena casa de alvenaria na Asa Branca. Ela afirma que tentou ingressar em programa de aluguel solidário, mas não conseguiu.
Na estética, a enchente passou do forro. Kellen perdeu secador de cabelo, lavatório, chapinha, maca e insumos de manicure. Ela reabriu o negócio depois de receber algumas doações, mas oferece somente os serviços de unha, pé e mão. O movimento está 80% abaixo do que antes da enchente, estima. Isso porque, sem ter recuperado equipamentos destruídos, não consegue atender clientes que buscam procedimentos estéticos de cabelo e depilação.
— Como vou reconstruir minha casa se perdi a fonte de renda? Seria interessante uma forma de investir no meu trabalho, para eu conseguir ter o que já tive no passado — diz Kellen, demandando linha de microcrédito.
Ela está fazendo tratamento psicológico para lidar com os traumas. Recorda de gritos de socorro ao longe e do marido partindo a nado desde a Avenida Assis Brasil para resgatar familiares na Asa Branca, até ser alcançado por um bombeiro e um voluntário em uma embarcação. Kellen deseja viver com o marido e os dois filhos sem a ameaça de inundação.
— Cuidado com as casas de bombas e desentupimento das redes pluviais. São as primeiras demandas. Amo a comunidade e não gostaria de sair, mas precisamos de segurança — idealiza.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre sobre a reconstrução da Vila Asa Branca
Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae)
A Vila Asa Branca é protegida pelos diques da Fiergs, do Sarandi e pela Freeway. Eles foram projetados, na década de 60, para uma cota de 7 metros. Após a enchente, estudos contratados pelo Dmae mostraram que o dique da Fiergs está em 4,5 metros e o do Sarandi, em 5 metros (o dique do Sarandi também foi fragilizado pela construção de casas sobre a estrutura). Em agosto, começaram obras emergenciais nas duas estruturas de contenção para alcançar a cota de 5,5 metros, o que corresponde ao nível da cheia de maio de 2024. Outro estudo está em andamento para a realização de obras definitivas que vão elevar as barreiras para 7 metros.
O Dmae informou que um novo dique, interno, será construído entre os canais de escoamento das casas de bombas 9 e 10. A estrutura irá separar os pôlderes 9 e 10. O pôlder é uma área protegida por diques. O de número 9 é onde ficam empresas como a Coca-Cola Femsa e a Havan. Já no pôlder 10, estão as vilas Elisabeth e Asa Branca, entre outras.
O Dmae afirmou que as casas de bombas da região passarão por reformas. Os projetos de engenharia foram contratados em julho e estão em fase final de elaboração. Também há previsão, diz o Dmae, de contratar obras de ampliação do canal de escoamento e da casa de bombas 10. O investimento previsto é de R$ 70,4 milhões, com recurso federal.
Secretaria Municipal da Educação (Smed)
A pasta informou que a EMEI Miguel Granato Velasquez está em reforma. A previsão de conclusão é novembro. O investimento da prefeitura irá alcançar R$ 444 mil. Atualmente, são finalizados pintura e reparos na rede elétrica. A Smed contratou transporte para os 99 alunos deslocados temporariamente para o SESI Rubem Berta.
Secretaria Municipal da Saúde (SMS)
A previsão é de que o projeto de reforma da Unidade de Saúde Asa Branca será apresentado até o final de outubro. Depois, é necessário fazer o processo de contratação de uma empreiteira. A obra precisará de cerca de 120 dias para ser concluída.
Veja as propostas dos candidatos Maria do Rosário (PT) e Sebastião Melo (MDB) para a Vila Asa Branca
Maria do Rosário (PT)
"A Asa Branca, como outras comunidades, não teria sofrido as perdas que sofreu não fosse a negligência da prefeitura com a manutenção e melhorias necessárias no sistema de proteção contra as cheias, agravada pelos erros de comunicação da prefeitura, que dizia para as famílias permanecerem quando o dique já havia rompido.
Nosso governo irá investir com agilidade os mais de R$ 3 bilhões já anunciados pelo governo federal para recuperação e ampliação do sistema. São mais de R$ 70 milhões de investimentos para a casa de bombas 10 e quase R$ 2 bilhões em obras de drenagem no arroio Feijó e na bacia do Gravataí. Vamos realizar a manutenção adequada da rede de esgoto, que está correndo a céu aberto.
Com relação às moradias, vamos acelerar os laudos para encaminhar ao programa Minha Casa Minha Vida Reconstrução as famílias que tiveram suas casas comprometidas pela enchente.
Os equipamentos públicos de educação e saúde terão cuidado permanente. Mais equipes de Saúde da Família, garantindo maior resolutividade da atenção primária. Em parceria com o governo federal, vamos dar atenção especial às áreas mais atingidas com equipes e-Multi, que são equipes com diferentes especialidades. No caso da Asa Branca e outras comunidades mais atingidas, estas equipes terão profissionais da psicologia e psiquiatria para atendimento de saúde mental.
Para a economia solidária e criativa, os MEIs, micro e pequenos investidores, criaremos a Casa do MEI para apoio em várias áreas para alavancar os pequenos negócios, além da oferta de crédito facilitado. Faremos feiras na comunidade, sempre associadas a eventos de descentralização da cultura."
Sebastião Melo (MDB)
"A região mais ao norte da Asa Branca, a chamada Ocupação Farroupilha, tem o reassentamento em andamento desde antes da enchente. Recentemente, foi aprovada pelo governo federal a saída de 100 famílias. Elas estão sendo habilitadas para a Compra Assistida da Caixa Econômica Federal (Minha Casa Minha Vida Reconstrução). Demais regiões da Asa Branca recebem laudos individuais para que o governo federal também habilite os moradores no programa que vai dar uma residência nova no valor de até R$ 200 mil. Os imóveis e moradores que serão removidos (seja por reassentamento ou por laudo individual, seja para compra assistida ou Estadia Solidária) são os que vivem fora do sistema de proteção contra enchentes e os que tiveram a casa totalmente destruída.
Quem consegue e quer seguir morando na própria casa na região que foi atingida não tem direito a receber o benefício do Estadia Solidária. O Estadia Solidária é destinado somente àqueles que precisaram deixar a sua residência, seja por ela ter sido destruída na enchente ou estar em área de risco, além de:
1 - Ter feito o cadastro no Registro Unificado Municipal e autodeclarado que a sua residência está completamente inabitável.
2 - Ter inscrição no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico).
3 - Ter renda mensal familiar informada no CadÚnico de até meio salário mínimo por pessoa.
A prefeitura cancelou as parcelas do IPTU para áreas atingidas pela enchente e isentou a tarifa de água para pessoas em áreas alagadas. Para a próxima gestão, o compromisso é não aumentar impostos, ampliar o programa de microcrédito e implantar hubs comunitários de inovação."