Em Canoas
Influenciadores investigados por suspeita de fraude em rifas virtuais serão ouvidos nesta semana pela Polícia Civil
Gladison Pieri e Pamela Pavão de Souza chegaram a ser presos durante apuração sobre supostas irregularidades envolvendo os sorteios. Os dois receberam o direito de permanecer em liberdade, com uso de tornozeleira eletrônica, e outras medidas
Serão ouvidos nesta semana pela Polícia Civil os influenciadores digitais Gladison Pieri e Pamela Pavão, de Canoas, na Região Metropolitana. Os dois são investigados por suspeita de irregularidades envolvendo sorteios online. O casal, segundo a polícia, acumulou patrimônio milionário em pouco mais de um ano.
Pieri e Pâmela chegaram a ser presos em agosto deste ano, mas receberam o direito de permanecer em liberdade, desde que atendam algumas medidas. Entre elas, está o uso de tornozeleira eletrônica. Os dois seguem nesta situação enquanto aguardam pelas apurações. Foi a disparada patrimonial do casal que despertou a atenção.
Os influenciadores passaram a ser investigados ainda no ano passado pela Polícia Civil de Canoas, após pedido do Ministério Público. Havia suspeita de que as transações que eles divulgavam na internet poderiam ocorrer de forma irregular. A defesa nega que eles tenham deixado de entregar os prêmios e garante que as atividades foram regularizadas – o casal admite ter atuado sem regularização no início dos sorteios.
Ainda em agosto, os dois foram alvo da Operação Dubai, da Polícia Civil, que buscava apurar o suposto esquema. Segundo a delegada Luciane Bertoletti, da 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, desde então a investigação avançou no sentido de ouvir testemunhas e de analisar as movimentações bancárias do casal. A polícia conseguiu bloquear R$ 40 milhões em patrimônio, como imóveis e veículos, e em valores.
— Nos próximos dias, os investigados serão ouvidos. Eles podem vir a auxiliar as investigações, apontando onde há mais valores a serem apreendidos, ou mesmo contribuir indicando o envolvimento de outras pessoas — afirma a delegada, sobre a expectativa em relação aos depoimentos dos influenciadores.
Crimes investigados
Gladison e Pamela começaram a realizar os sorteios no fim de 2022. Inicialmente, os carros sorteados eram usados e de modelos mais populares. Nessa época, Gladison ainda trabalhava no ramo de suspensões e circulava por Canoas em um Uno Mille. Para sortear os veículos, conseguiu estabelecer parceria com outra empresa, que fornecia os automóveis.
No início, os sorteios ocorriam em menor volume – poderia levar até dois meses para um item ser sorteado. Com o engajamento dos seguidores, o número de apostadores foi crescendo e mais prêmios começaram a ser sorteados de forma mais ágil. Os números eram sorteados a poucos centavos – o valor variava de acordo com o prêmio, mas podia chegar, por exemplo, a dois centavos. Em um dos sorteios realizados, cada número para participar da rifa de uma casa (descrita como uma mansão), um carro e R$ 300 mil em dinheiro podia ser adquirido por até R$ 0,50 em um pacote promocional.
Em paralelo, em uma outra conta, Pamela anunciava outros tipos de sorteios, como somas em dinheiro, de R$ 2 mil a R$ 5 mil, por exemplo, procedimentos estéticos (lipoaspiração), smartphones, entre outros. As ações realizadas pela influencer, em geral, eram de valores mais baixos do que os anunciados pelo companheiro.
Desde o início, segundo a polícia, os valores obtidos com os sorteios eram repassados diretamente às contas bancárias do casal, o que é considerado irregular. Eles seguem investigados por, supostamente, terem cometido lavagem de dinheiro, entre outros crimes. Em pouco mais de um ano, por meio de sorteios online — de veículos, casas, valores, smartphones e outros bens —, o casal teria conseguido arrecadar milhões.
— O que ficou comprovado até o momento é que existe o jogo de azar e a lavagem de dinheiro. É nesse sentido que caminha a conclusão do inquérito. Há ainda, na época em que estavam totalmente irregulares, algumas situações estranhas, de pessoas que, por exemplo, ganharam mais de uma vez ou mesmo ganhadores de dentro do sistema penitenciário. São situações ainda não esclarecidas — diz a delegada.
A expectativa da polícia é de que o inquérito seja concluído até o fim deste ano.
Viagens e seguidores
Até os perfis serem desativados, Pamela tinha 379 mil seguidores no Instagram, Gladison 317 mil e a Pieri Prêmios ultrapassava 1 milhão. Pelas redes sociais, o casal costumava divulgar os bens que adquiriram. Em julho, Pamela postou um vídeo de um Porsche 911 Turbo – que tem valor médio de R$ 1,7 milhão. Segundo a influencer, o carro foi importado de Miami, nos Estados Unidos.
Nas postagens, o casal exaltava a própria origem humilde. “Mais uma conquista, meu presentão de 25 anos ‘tá’ na casa. Única no Brasil. Favela venceu. Essa é pra mostrar que a mulherada também pode”, escreveu Pamela, no dia da compra do Porsche.
Desde o ano passado, a rotina do casal se dividia entre Canoas, Balneário Camboriú e aeroportos. Tudo era compartilhado pelas redes. Conheceram a Europa, onde estiveram em Paris, na França, por exemplo, visitaram as Maldivas, Fernando de Noronha e Dubai – onde estavam em maio. O casal afirmou aos seguidores que, ao saber da enchente que atingia o Estado, adiantou o retorno da viagem, e regressou a Canoas, para auxiliar no resgate e abrigamento de pessoas.
Após a prisão deles, nas redes sociais seguidores passaram a questionar a ação da polícia e chegaram a relatar que dois estavam sofrendo represálias por terem criticado ações do Estado durante as enchentes. O casal admite ter publicado vídeos fazendo críticas, mas reconhece que a investigação se iniciou antes desse período. Segundo a Polícia Civil, os dois eram investigados desde o ano passado.
O nome dado à Operação Dubai, conforme a polícia, não está relacionado à última viagem do casal e, sim, à forma como eles viviam. Gladison e Pamela mantinham um apartamento em Balneário Camboriú, no edifício mais alto do país, com valor estimado em R$ 15 milhões, além de uma casa em Canoas, onde também estavam construindo uma moradia em área nobre, estimada em R$ 10 milhões.
Entenda o caso
Apuração
A investigação sobre o casal se iniciou ainda em 2023, pela 3ª Delegacia de Polícia de Canoas, e resultou em operação deflagrada no último dia 6. A ofensiva foi coordenada também pela Delegacia de Repressão ao Crime de Lavagem de Dinheiro do Deic. A apuração continua em andamento, analisando os materiais apreendidos durante a operação, para apontar quais crimes foram cometidos.
A operação
Gladison e Pamela foram alvo da Operação Dubai no início de agosto. Com eles, foi apreendida uma pistola de calibre 380. Gladison foi preso em flagrante, e pagou fiança de R$ 100 mil para ser liberado. Pamela também foi liberada, após prestar depoimento.
As rifas
Segundo a polícia, o casal atuava de forma irregular na realização dos sorteios. Conforme a legislação brasileira, rifas virtuais são ilegais. Exceto caso haja autorização expressa do Ministério da Fazenda, todo e qualquer tipo de sorteio, seja envolvendo rifa ou qualquer outro jogo de azar, é tido como um "ato ilícito". Geralmente, há permissão para causas filantrópicas, mas apenas de prêmios e brindes – não de dinheiro. A polícia apura ainda se houve fraude nos sorteios.
Veículos
Foram apreendidos 50 veículos, entre os quais há um Chevrolet Corvette avaliado em R$ 1,5 milhão, duas BMW X6, de R$ 1,1 milhão cada, e um Audi A8, de R$ 850 mil. Além disso, foram apreendidas quatro motos aquáticas avaliadas em mais de R$ 150 mil cada, reboques e um barco que está na Marina de Porto Belo, em Santa Catarina. Também foram apreendidos cerca de R$ 600 mil em espécie.
Vídeo
No mesmo dia da operação, o casal se manifestou em vídeo publicado nas redes sociais, alegando que só tinha ido até a delegacia para prestar esclarecimentos a respeito da época em que "não eram regularizados" e que, agora, são "100% regularizados". Passaram então a anunciar novos sorteios.
Irregularidade
No perfil da Pieri Prêmios nas redes sociais consta que as ações da empresa são "100% legalizadas com autorização da Susep (Superintendência de Seguros Privados)", órgão do governo federal que é responsável pela autorização das operações das sociedades de capitalização. A autarquia federal informou que "embora a empresa comente que ela é 100% regular, ela não tem autorização da Susep para operar como sociedade de capitalização".
Nova prisão
No dia 9 de agosto, Gladison e Pamela foram presos, após novo pedido da Polícia Civil. Um dos motivos que levou a polícia a pedir a prisão preventiva dos dois é o fato de que, após serem liberados, voltaram a anunciar sorteios. Um dos prêmios, segundo a Polícia, era uma BMW que já havia sido apreendida na operação.
— Eles não tinham a menor possibilidade de entregar aquele veículo. Isso é um golpe, entregar ou anunciar um veículo que está preso judicialmente — afirmou o delegado Cristiano Reschke.
Soltura
Após a segunda prisão, a Justiça autorizou a soltura dos dois, desde que cumprissem medidas cautelares. Foi determinado o recolhimento dos passaportes do casal, bloqueio das redes sociais, monitoramento dos investigados por tornozeleira eletrônica e a impossibilidade de o casal sair do país, entre outras medidas.
O que diz a defesa
Zero Hora entrou em contato com a defesa do casal, mas não obteve retorno. Em reportagem anterior, os advogados André Callegari, Marília Fontenele e Nereu Giacomolli, emitiram nota sobre o caso. Confira abaixo:
"Algumas autoridades estão fazendo julgamento antecipado de pessoas que, até o momento, estão na condição de investigadas. Trata-se de uma tentativa de linchamento moral de pessoas contra as quais não pesa nenhuma acusação formal ou condenação.
Pamela e Gladison não cometerem qualquer irregularidade. Eles são divulgadores de sorteios realizados por empresas cadastradas, regularizadas e devidamente fiscalizadas pela Susepe e Ministério Fazenda. Todos os prêmios foram devidamente entregues.
Os fatos noticiados são equivocados e serão devidamente esclarecidos no curso da investigação."