Vida
"Eu deveria estar feliz": mães quebram o silêncio sobre a depressão pós-parto
Veja o depoimento de mulheres que se recuperaram da doença
Tristeza constante, culpa e angústia incessantes durante o puerpério. Falar de depressão pós-parto é tratar de um assunto que ainda é estigmatizado, mas afeta entre 10% e 15% das mulheres até o primeiro ano após o nascimento do bebê.
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Estima-se que metade das mulheres que sofrem com a depressão pós-parto permanecem em silêncio, sem diagnóstico ou tratamento. Entre os motivos está a vergonha de se sentir incapaz ou frustrada naquele momento ou o medo de ficar separada do bebê devido a qualquer comportamento.
Leia os relatos de mulheres que se recuperaram da depressão pós-parto ou que ainda lutam contra os sintomas da doença:
Shirley Hilgert, 37 anos, autora do blog Macetes de Mãe, mãe de Leo, 4 anos, e Caetano, 1 ano
"Logo que meu primeiro filho nasceu, em 2012, fiquei superbem, nem sequer tive baby blues no início da gestação. O meu segundo filho, que nasceu em 2015, o Caetano, teve problemas de saúde. Ficou internado e, com o passar do tempo, comecei a sentir um desânimo. As coisas não iam bem, queria dormir o dia inteiro. Achei que aquilo ia passar, mas, com o tempo, foi piorando. Sempre imaginava que, quando meu filho se recuperasse, ganhasse peso e melhorasse, eu ia sair dessa, mas não foi assim. Tudo era muito difícil, até as coisas mais simples, como ir ao supermercado, eram algo absurdo de fazer. Fui ficando muito irritada, qualquer coisa me tirava do sério, vivia sem paciência e triste. Comecei a me desesperar, achando que criar dois filhos era quase impossível. Ao mesmo tempo, tinha um apego muito grande a eles. Não conseguia me separar, queria estar o tempo todo junto e não confiava em deixá-los com outras pessoas. Por causa da dificuldade respiratória do Caetano, ficava com medo de que ele pudesse morrer. Pensava só em como eu estava exausta e me desesperava quando ficava com os dois. Em algumas vezes, me sentia deslocada da realidade. É algo difícil de explicar, mas era como uma apatia que nunca tinha sentido antes. Comecei a me cuidar menos, botava qualquer roupa, não passava batom. Nem mesmo o protetor solar, que nunca abri mão. Meu marido percebeu que meu primeiro filho, o Leo, também estava começando a ficar muito reativo, irritado, e achou que pudesse ser alguma coisa relacionada à minha depressão. Foi aí que o meu chão caiu, quando comecei a ver que aquilo impactava meus filhos. Comecei a tomar medicação, fazer tratamento e enxergar melhor as coisas. Em um mês, já estava me sentindo melhor, mas sigo tomando medicamento até hoje. Quando melhorei, a saúde do Caetano melhorou. Ele, que era uma criança mais apagada, quieta, se desenvolveu com rapidez e hoje é superativo. Quando eu mudei, meus filhos também mudaram, foi nítido."
Viviane Tavares, 33 anos,bióloga, mãe de Lorena, três anos
"Minha filha nasceu com 34 semanas, foi prematura, e ficamos 14 dias na UTI para que ela ganhasse peso. Foi uma gravidez planejada. Eu sempre fiz terapia, e já vinha conversando com o terapeuta sobre a maternidade. Então, ele já havia me falado sobre a realidade das coisas, mas a gente só sabe mesmo quando vive aquilo. Quando a Lorena foi pra casa, começou a crescer uma tristeza dentro de mim. Chorava muito, tinha vergonha da minha própria mãe, que era uma grande mãe, e eu me sentia inferior, culpada por estar passando por aquilo. Eu pensava: “O que eu fui fazer da minha vida?”. Queria a minha vida de volta. Lembro que passei a noite chorando e, quando a Lorena acordou para mamar, não consegui amamentar. Dizia que queria apenas dormir. Chegou um dia em que meu marido ligou para o psiquiatra, pediu uma consulta de emergência. O médico disse que eu tinha de me cuidar e explicou que o amor pela minha filha viria com o tempo, que isso faz parte de um processo. Eu tinha um arrependimento de tudo e, até o sétimo mês, chorava muito, com culpa. Caminhava pelas ruas e não queria voltar pra casa. Hoje, não me culpo por esse sentimento que tive com ela, por que realmente não conseguia superá-lo. Acredito que foi pelo meu acompanhamento psicológico antes do nascimento que eu não cheguei ao fundo do poço. A gente se cobra muito, a maternidade é diferente hoje em dia: temos uma vida superindependente que muda do nada. Fico preocupada que eu vá ter de novo esse sentimento e essa tristeza logo adiante, com o segundo filho. Mas não se pode ter vergonha de sentir tudo isso. O importante é procurar ajuda, não prolongar o sentimento e não acreditar nos outros dizendo que “vai passar sozinho”. Hoje, estou melhor. Ela tem três anos e é minha prioridade, mas também cuido muito de mim mesma."
Leticia Ferreira, 30 anos, corretora de seguros, mãe de Isadora, 4 anos, e Maria Clara, 4 meses
'Eu comecei a sentir uma tristeza e até uma saudade dela na barriga quando saí do hospital e fui para casa. Quando cheguei, meu pai pegou a Maria Clara, que hoje tem quatro meses, para descansar um pouco. E ali eu já desabei chorando. Naquele dia, acho que foi por causa do cansaço e estresse de não ter dormido. Mas aquilo não mudou. Continuei com crises de choro e não sentia prazer ao ficar com ela. Não tinha explicação. Às vezes, a minha filha estava quietinha, e eu desabava mesmo assim. Não sentia vontade de fazer nada e tudo me chateava muito. Inclusive, não conseguir amamentar. O leite não vinha. Cheguei até a tomar medicamento, mas não funcionou. A minha primeira filha eu não pude amamentar também, então coloquei na cabeça que queria amamentar o próximo. Quando estava com a Maria Clara, logo queria que outra pessoa a segurasse, dava a desculpa de que queria ir até a farmácia ou precisava sair de casa. Era uma fuga. E, no meio de tudo isso, comecei a ficar muito irritada com a minha filha mais velha. Meu marido fazia de tudo para me agradar, mas aquela tristeza parecia que não tinha motivo e não ia embora. Eu fui ao cardiologista fazer uma revisão e não conseguia conversar, de tanto que eu chorava. Foi ele quem disse que eu estava com depressão pós-parto. Comecei a tomar remédio para a depressão, mas não me adaptei, e então parei. Parecia que estava em uma escuridão. Alguns dias foram tão conturbados que me lembro de pouca coisa do que aconteceu. Eu pensava muito que ia me arrepender daqueles sentimentos, de não poder aproveitar a minha filha. Chegou um dia em que comecei a ficar mais determinada a melhorar, passei a me cuidar, a ficar mais tempo com a minha família e passear. Hoje, eu e a Maria Clara estamos cada vez mais juntas."