Insegurança na Capital
Ladrões arrombam escola de Porto Alegre e levam 110 netbooks
Aurélio Reis, no Jardim Floresta, transformou-se em referência na rede estadual por ter um computador por aluno
Duas das áreas mais críticas do serviço público estadual, segurança e educação, se materializaram em um único fato na madrugada desta quarta-feira: 110 netbooks e um projetor foram furtados de uma instituição de ensino na zona norte de Porto Alegre. Com 249 alunos, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Aurélio Reis é considerada há cinco anos, pelo próprio governo, uma escola-modelo – até então tinha um computador por estudante, com algumas unidades sobressalentes. O prejuízo, segundo a direção, é estimado em R$ 72 mil.
Conforme a diretora, Nássara Scheck, essa foi a primeira vez que a instituição foi arrombada nos últimos 30 anos, período em que ela trabalha na escola.
– Quando cheguei e vi o portão aberto, as salas arrombadas, netbooks faltando... Me deu uma tristeza. Chorei muito – desabafou.
Os computadores portáteis são o segundo caderno dos estudantes. Trabalhos, notas e pesquisas ficam salvos nos aparelhos, que têm nome e etiqueta colorida, conforme o ano do dono provisório – caso o aluno seja transferido ou se forme, o netbook passa para outras mãos.
Quando necessário, os estudantes podem levá-los para casa. Mas a regra, por ironia, é deixá-los na escola por questão de segurança. A maioria dos netbooks fica dentro de uma sala, onde cada aluno retira seu equipamento com um professor responsável. Na prateleira dos etiquetados em amarelo, onde estavam guardados os computadores da turma 71, não sobrou um.
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– Roubaram tudo – exclamou Davi Porto, 13 anos, ao entrar no ambiente revirado.
– Levaram nossos trabalhos – alertou Kemilly Vieira, 12 anos.
– E o de Artes a gente nem apresentou – completou Adriele Ferreira, 12 anos, lembrando dos slides com a história do samba
– A gente já não ganha quase nada, e ainda tiram o que tem de bom – lamentou a aluna.
Segundo a direção, dos equipamentos furtados, alguns estavam bloqueados por senhas que inutilizam o aparelho para quem não souber a chave, mas outros estavam com acesso liberado.
– Chama atenção é que trata-se de um colégio grande. Esses bandidos entraram pela porta principal, passaram pela direção e foram direto na sala onde estava o material. Sabiam onde ir – comenta o delegado Alexandre Vieira, da 9ª Delegacia de Polícia da Capital.
A escola não tem câmeras de monitoramento e a polícia ainda não tem suspeitos dos crime.
Governo cancelou visita ao colégio
A professora de História Silvana Peixoto lamentou o furto do único data-show que funcionava 100% –os demais costumavam trancar:
– Vou ter de refazer todo o planejamento das aulas, tudo estava baseado na lousa digital.
Nas conversas de corredor, professores já pensavam na Feira de Ciências. Marcada para julho, a mostra ocorreria com os trabalhos salvos nos netbooks levados. Os modelos novos, recebidos pelo governo estadual há menos de dois anos, substituíram os primeiros, entregues entre 2011 e 2012.
Meses antes da primeira doação, o então governador Tarso Genro (PT) esteve na escola e declarou que ela serviria como referência aos colégios gaúchos. Ele mesmo constatou que não havia sinal de vandalismo em classes e paredes, a biblioteca era bem conservada, assim como refeitório, quadra esportiva e salas de aula. Se algo mudou de lá para cá, foi para melhor.
No último final de semana, pais e funcionários fizeram mutirão para refazer a horta com pneus velhos, pintaram galões de água para espalhar lixeiras para material orgânico e seco pela escola e construíram composteiras. Já planejavam reformar a pracinha e criar quiosques com churrasqueiras.
E o governador José Ivo Sartori parece concordar com a gestão anterior nesse ponto. Na terça-feira, segundo a diretora, a assessoria de imprensa do governo havia marcado visita para fazer fotos e coletar dados para publicizar a instituição exemplar. Após o furto de ontem, a equipe teria ligado cancelando. O secretário de Comunicação do Estado, Cléber Benvegnú, disse desconhecer tanto a visita quanto seu suposto cancelamento.
Falha de comunicação prejudicou ação policial
Membros da rede informal de segurança da Escola Aurélio Reis, formada por vizinhos, funcionários, pais, alunos e ex-alunos, notaram luzes acesas e a movimentação em um dos três prédios da instituição. Segundo a diretora, Nássara Scheck, a Brigada Militar (BM) foi avisada por volta da meia-noite desta quarta-feira, por um grupo de conversas no WhatsApp. Pelo menos dois invasores teriam ficado até as 2h dentro do local.
Os primeiros brigadianos chegaram, porém, às 6h30min, após ligação da diretora. Informados pelos policiais de que a perícia não iria ao local, Nássara e funcionários começaram a organizar as salas invadidas para retomar as aulas.
O comandante do 11° Batalhão de Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Régis Rocha, diz que o problema foi a falta de contato pelo canal tradicional da BM, o 190:
– Nenhuma pessoa fez contato pelo 190. Whats é apenas rede de informações. Não é canal de emergência. Se tivessem ligado no 190, os delinquentes estariam presos.
Próximo das 11h, equipe com cerca de 10 agentes da Polícia Civil chegou ao local. Segundo o delegado Alexandre Vieira, da 9ª DP da Capital, a BM, até aquele momento, não havia registrado ocorrência:
– Tomei conhecimento pela direção da polícia. Em 10 minutos, estava na escola. Um capitão da BM me disse que uma vizinha teria feito contato por WhatsApp.
O 190 não foi acionado. Aí é complicado. Então, se criou essa situação.
Outro problema é que a cena do crime já havia sido modificada quando os peritos iniciaram a análise técnica. Itens haviam sido retirados do chão, e o local tinha outras digitais. Por questão de minutos, as portas arrombadas não chegaram a ser substituídas.
Em nota, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) afirmou que não houve atraso por parte do órgão: "O diretor-geral do IGP, Cleber Müller, determinou deslocamento da equipe antes do pedido pela polícia, às 11h19min (...). A solicitação só foi protocolada no sistema às 11h28min", dizia o texto.
Caso não é isolado
O arrombamento na Escola Aurélio Reis expõe a insegurança enfrentada por diversas instituições públicas de ensino, especialmente na Capital. Casos recentes, ocorridos neste ano, demonstram que a violência ronda os colégios.
Em março, um estudante da Escola Estadual Presidente Roosevelt foi assaltado e esfaqueado a uma quadra do local. Em maio, a vice-diretora da Escola Estadual Jerônimo de Ornelas, no Morro da Polícia, teve o carro roubado na frente da instituição, que suspendeu as aulas. A Escola Estadual Erico Verissimo, no bairro Jardim Carvalho, já fechou as portas três vezes neste ano em razão de tiroteios na região.
A falta de recursos, segundo o Centro dos Professores do Estado do Estado (Cpers), é o principal motivo para a falta de segurança.
– Algumas escolas estão em melhor estado porque pais acabam financiando, há colaborações espontâneas. Isso o governo chama de boa gestão, com as escolas tendo de se virar sem recursos estaduais. As que têm menos condições, que não contam com apoio da comunidade, não fazem uma boa gestão. Essa escola (Aurélio Reis) sofreu o que muitas sofrem há tempo – diz a vice-presidente do Cpers, Solange Carvalho.
Procurada, a Secretaria Estadual da Educação disse que não havia nenhum representante para comentar o assunto.