Polícia



Violência urbana

Por que a Região Metropolitana virou palco de crimes tão brutais 

Quadrilhas apelam para mutilações e outras formas extremas de agressão para afrontar rivais, dominar territórios e demonstrar poder 

06/08/2016 - 02h11min

Atualizada em: 06/08/2016 - 02h12min


Humberto Trezzi
Humberto Trezzi
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Adriana Irion
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Pedaços de corpo de jovem esquartejado foram achados em sacos junto a documentos dele na quinta-feira, na Capital

O estilo Estado Islâmico parece ter feito escola em Porto Alegre e na Região Metropolitana. A comparação se dá por um dos mais experientes delegados gaúchos, Paulo Rogério Grillo, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil. É sobre esse policial que recai a tarefa nada fácil de coordenar a descoberta de autores de decapitações, torturas e mutilações variadas.

São barbarismos que acontecem com frequência cada vez maior, na guerra entre facções que atormenta o dia a dia da maior concentração urbana do Rio Grande do Sul. Um conflito que só cresce em crueldade e intensidade: a Capital registrou no primeiro semestre 407 homicídios (conforme levantamento do Diário Gaúcho), contra 303 no mesmo período em 2015.

O último episódio de esquartejamento aconteceu na quinta-feira, quando o corpo de um homem apareceu cortado aos pedaços e decapitado, no bairro Mário Quintana, na Zona Norte. Braços e pernas estavam em sacos plásticos ao longo de uma estrada vicinal. A cabeça foi encontrada a oito quarteirões do tronco. Os documentos estavam ao lado do cadáver, depois confirmado por perícia como Sérgio Eraldo Gomes Guimarães.

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Foi o segundo caso em menos de uma semana. Em 30 de julho, Vitor Bittencourt da Silva Soares, o Nego Sorriso, foi decapitado e retalhado. Os pedaços estavam espalhados em sacos de lixo à beira da Estrada Afonso Lourenço Mariante, na Zona Sul.

– Nesse avanço desenfreado da violência, não basta aos criminosos matar. Eles desejam trucidar, torturar, para dar recado: não se meta comigo. E muitas vezes não é por motivações econômicas. Basta alguém morar na vila rival que pode sofrer represálias, às vezes, apenas por disputa territorial, sem tráfico envolvido – lamenta Grillo.

Esquartejamentos não são a única forma de barbárie praticada pelos quadrilheiros da Região Metropolitana. No mês passado Vilmar Adão Goulart Fraga, apontador do jogo do bicho, foi atingido por pauladas e enforcado no bairro Serraria, na Capital. O corpo, despido, foi jogado no meio da rua, num recado à vizinhança. A suspeita da investigação é que ele teria delatado uma quadrilha.

Os homicídios cruéis são de Leste a Oeste, de Norte a Sul. Refletem a guerra de organizações criminosas que assola a Região Metropolitana. No Vale do Sinos, a facção predominante é Os Manos. Na Capital, a briga é entre os Bala na Cara e uma coalizão de outras quadrilhas, sob codinome AntiBala.

A barbárie ocorre dos dois lados. Policiais suspeitam, por exemplo, que o apontador do bicho Vilmar Fraga tenha sido morto por ter delatado os Bala na Cara. Já em janeiro deste ano, outra vítima era suspeita de ligação com os Bala: Jeferson Lapuente, do bairro Mário Quintana, foi decapitado. Separado da cabeça, o tronco estava enrolado num edredom, com um recado: "Bala nos Bala". Outro suspeito de ligação com essa facção, Douglas de Oliveira, teve olho e orelhas arrancados numa sessão de tortura, antes da morte.

A brutalidade não poupa mulheres. De nove casos registrados entre 2015 e 2016, dois envolvem mulheres. Uma terceira foi morta e teve um cartaz com deboche afixado ao lado do corpo. É, como ressalta o delegado Grillo, uma ruptura sistemática do contrato social. Uma bestialidade que vitima mulheres ou crianças, algo que tempos atrás seria vetado até no submundo.

ENTREVISTA
"É semelhante ao terrorismo"

Michel Misse, sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, arguto observador da cena criminal brasileira e integrante de núcleos de estudo da violência em diversas universidades, o carioca, em entrevista por telefone, analisa a situação do Brasil e de Porto Alegre.

O que faz criminosos agirem dessa forma, esquartejando, torturando pessoas e expondo corpos?

É para espalhar o terror. Mostrar a disposição para matar. São símbolos. Está simbolizando para o outro: "Olha, é isso que vou fazer com você". É um recado. Tem dimensão de vingança e dimensão simbólica, de mostrar para o outro que ele está disposto a levar as coisas ao extremo limite da crueldade.

Essas situações não ocorriam em Porto Alegre. O que pode estar mudando?

Isso no Rio é muito comum. Onde se tem mais de uma facção, disputa de quadrilhas, se tem a possibilidade de isso acontecer mais. O sentido simbólico é muito semelhante ao do terrorismo. O terrorismo não está interessado no efeito local da morte. Está interessado no efeito geral da morte. Um caminhão sai matando pessoas. O objetivo não é matar aquelas pessoas, matar as pessoas é simbólico. É para mostrar o quanto as pessoas têm de ficar com medo, assustadas diante força e do poder dessa organização.

O recado de medo é dirigido apenas aos inimigos ou também à polícia e à população?

Principalmente, para a outra facção. Claro que para a polícia também, mas secundariamente. É um conflito entre facções.

Por que as quadrilhas passam a agir cada vez mais assim?

Principalmente, por causa da impunidade. Percebem que podem fazer e não acontece nada, e vão em frente.

Como se combate esse tipo de violência? A polícia tem de agir diferente?

Com muita inteligência, de modo a detectar esses assassinos e incapacitá-los.


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