Economia
Conheça histórias de quem está ganhando com a crise
Enquanto o comércio amarga maus resultados, o setor de consertos comemora o bom momento. Muitos consumidores têm preferido restaurar o que tem ao invés de comprar itens novos
Em tempos de orçamento apertado e com um horizonte financeiro difícil, o consumidor coloca o pé no freio e evita o consumo, provocando uma debandada das lojas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, pelo quarto mês consecutivo, o comércio brasileiro registrou resultado negativo.
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Maio teve queda de 0,9% na comparação com abril, o pior resultado para o mês desde 2001. Em relação a maio do ano passado, a queda foi ainda maior, de 4,9%. O pior desempenho no setor é dos móveis e eletrodomésticos, onde as vendas despencaram 18,5%.
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Enquanto isso, os estabelecimentos que consertam roupas, sapatos, eletrônicos e eletrodomésticos aproveitam o momento de recuo nas vendas. À frente de uma eletrônica do Bairro Camaquã, na Zona Sul de Porto Alegre, que conserta tevês, notebooks e celulares, Milton Ortiz, 55 anos, afirma que a demanda de serviço aumentou 40% no último ano.
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O atendimento cresceu, principalmente, na manutenção de tevês led e de LCD e na troca de telas de celulares. Quando ainda havia facilidade de crédito e aumento nas vendas, o serviço diminuiu. Agora, aconteceu o contrário.
- Pra nós, não tem crise. Tenho três técnicos e estou procurando mais um pra dar conta da demanda - afirma Milton.
Instinto de preservação
Preservar o que se tem, principalmente em momentos de dificuldade financeira, é uma tendência natural do ser humano, na avaliação do professor de Finanças da Unisinos Sérgio Soldera. É um instinto de preservação, de não gastar comprando algo novo quando não há situação econômica para isso.
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- As pessoas se convenceram de que agora é o momento de parar, de gastar o mínimo possível, preservar o que se tem e economizar pelas incertezas do que pode vir pela frente - avalia o professor.
Não falta serviço na sapataria da Cidade Baixa
Na sapataria do casal Dirlei, 49 anos, e Denair Guadagnin, 47 anos, no Bairro Cidade Baixa, na Capital, é preciso trabalhar de domingo a domingo para dar conta de tanto serviço. Juntos, eles consertam em torno de 50 pares ao dia, ele com foco na restauração do calçado e ela no acabamento da costura. Até o filho Douglas, 22 anos, foi escalado para ajudar no negócio da família.
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- A gente escuta todo mundo comentando da crise, que as vendas caíram, mas, para nós, não falta serviço. Eu chego às seis da manhã e só saio às sete da noite - comenta Denair.
O estabelecimento está aberto quase 12 horas por dia para pode entregar o calçado reformado ao cliente em até dez dias. Atualmente, sapatos e botas femininas são os itens que mais chegam.
- Conseguimos dar uma cara nova para uma bota boa por um terço do preço de uma nova.
A melhor opção para Marcelo
Com ou sem crise, o barbeiro e cabeleireiro Marcelo Gomes, 43 anos, de Porto Alegre, que circula de moto, recorre aos serviços de sapateiros e costureiras. Nesta semana, ele levou um par de botas para consertar os saltos.
- Elas ficam muito desgastadas porque eu só ando de moto. Sempre que compro uma nova, já mando colocar meia-sola. Aí, quando gasta, é só trocar, sem mexer na sola original. Vou gastar R$ 20 para arrumar essa bota que custa R$ 400 na loja. Ajuda muito na economia usar este serviço - conta Marcelo, que tem 12 pares de botas sempre novinhas.
Suas jaquetas de couro, vira e mexe, também vão passar um tempo na sapataria:
- Estou sempre fazendo a manutenção delas, trocando golas e gaitas, para que durem mais. Uma delas já tem 22 anos e está ótima.
Com receio de gastar dinheiro nesta época de crise, a professora Patrícia Souza, 39 anos, de Porto Alegre, está segurando os gastos, principalmente, com roupas. A jaqueta sem botão, por exemplo, que em outros anos iria para a doação, neste inverno, foi parar no conserto.
- Estou preferindo consertar o que tenho em vez de comprar peças novas. Aliás, não comprei nada neste ano, estou só dando manutenção ao que já tenho - diz Patrícia.
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Máquina de costura da dona Marisa não para
Encurtar, aumentar ou reformar uma peça de roupa esquecida do armário tem feito a máquina de costura de Marisa Gonçalves, do Bairro Petrópolis, na Capital, trabalhar sem parar:
- As pessoas comentam que não vão comprar porque está muito caro. Se a roupa é boa, vale a pena reformar. As pessoas querem segurar o dinheiro. Aquela roupa que iriam doar, decidem reformar e reusar.
Reformas de casacos, calças sociais, roupas de lã e camisas são os serviços mais pedidos. Pelo nível de trabalho que tem - ela conserta uma média de 15 a 20 peças por dia -, Marisa acredita que a demanda já superou a do inverno passado. Outros pedidos que tem aumentado são de confecção de roupas com tecidos. Vestidos para usar com legging e saias são os mais pedidos.
Dinheiro no bolso
Os eletrodomésticos da linha branca - itens como geladeira, fogão e máquina de lavar roupas - estão tendo queda nas vendas pela primeira vez, após um longo período sob efeito da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Para o técnico Edison Gonçalves, isso é sinônimo de mais dinheiro no bolso. Ele garante que 2015 está sendo melhor do que o ano passado. Recebe por dia, em média, dez chamados para consertos de itens como lavadora de roupas, geladeira, secadora e ar-condicionado, a maioria deles na Zona Sul de Porto Alegre. No verão, ele já começou a perceber que houve aumento nos pedidos de manutenção de ar-condicionado. De lá para cá, só melhorou.
- Antes, o pessoal preferia comprar novo. Agora, sempre tenho cliente e ouço todo mundo reclamar da crise. O setor de manutenção dificilmente entra em crise total. A pessoa até pode deixar para depois, mas acaba fazendo - considera Edison.
O doce e o amargo da crise
O sócio proprietário de uma oficina mecânica do Bairro Rio Branco, na Capital, João Marimon, 51 anos, está provando o doce e o amargo da crise. Ao mesmo tempo em que as vendas de equipamentos automotivos como som e GPS baixaram, os pequenos consertos em carros aumentaram, principalmente em veículos seminovos.
Chapeação, pintura, polimento e troca de película são os mais solicitados. Caíram as vendas de produtos mais caros, mas as melhorias no veículo, principalmente as que custam até R$ 250, subiram.
- Muita gente que iria trocar de carro agora está segurando dinheiro e preferindo dar uma melhorada no seu - diz João.
Ou seja, o motorista que tem o hábito de trocar de carro com frequência tem optado por continuar com o veículo por mais tempo, mas não deixa de investir nele:
- Para muitos vale mais a pena consertar.
Vendas despencam no comércio gaúcho
Em relação a abril, o mês de maio teve queda de 0,5% nas vendas do varejo gaúcho, segundo a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL). A entidade considera a queda moderada após as vendas despencarem 11,23% em abril. Foi o oitavo recuo seguido do indicador.
A queda na venda de veículos lidera o ranking de itens que encalham no varejo gaúcho. Em comparação com maio de 2014, as vendas caíram 29,95% no setor. Já eledoméstico e móveis tiveram recúo de 16,17%, vestuário, tecidos e calçados diminuíram 3,94% e itens farmacêuticos, 2,87%.
Para o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS), Vitor Augusto Koch, os dados mostram uma "mudança de mercado", com diminuição de demanda que foi vivida até o final de 2014, e exigem mudanças de postura por parte do comércio.
- Observamos que os consumidores estão buscando economizar mais, preocupados com a atual situação financeira do país e com seus orçamentos domésticos. E isso acaba influenciando nas compras em geral - aponta Koch.
Quando vale a pena consertar
- Se a geladeira é modelo Frost Free (que não precisa descongelar), tem até três anos e houve problema no motor, vale a pena consertar. A troca varia entre R$ 600 e R$ 700.
- No celular, se for tela quebrada, vale consertar, principalmente nos modelos mais caros. Se é novo e o modelo é mais sofisticado, pode ser uma boa investir no conserto, que sai por pelo menos R$ 200. Caso seja um aparelho mais velho, talvez seja a hora de trocar.
- Televisores de led, plasma e LCD que estão com problemas nas placas de fonte, sinal ou vídeo podem ser consertadas com facilidade em uma eletrônica. Porém, se for problema na tela, já não vale mais a pena, pois a recuperação sai quase pelo preço de um televisor novo.
- Para calçados, é preciso avaliar a qualidade do material que ele foi confeccionado. Se for de couro e se você ainda gosta do modelo, é possível pintá-lo, recuperar zíper, salto, solado e couro desgastado.
- O mesmo vale para tênis. Se a base estiver boa, mas o tecido rasgou, é possível colocar forro e costurá-lo.
- Pequenos consertos em roupas podem salvar uma peça esquecida. Cortes, zíper, reparo e bainha são procedimentos feitos de forma rápida e sem muito custo.
Milton: atendimento cresceu
Foto: Diego Vara/Agência RBS
Na sapataria até o filho ajuda no trabalho
Foto: Diego Vara/Agência RBS
Marcelo manda para manutenção para jaqueta e botas durarem mais
Foto: Omar Freitas/Agência RBS
Para João aumentou os serviços que custam até R$ 250
Foto: Adriana Franciosi/Agência RBS
O que levar em conta
- Observe a velha lei da relação custo/benefício. Vale a pena se desfazer do item ou mandar consertar? Vale a pena investir nele? Avalie que benefícios terá e quanto tempo poderá usá-lo depois de feita a manutenção.
- Não use os mesmos critérios para tudo. Cada item merece uma avaliação própria.
- Você é apegado a ele? Há um valor afetivo? Neste caso, é provável que valha a pena, sim, consertar.
- Se não é acostumado a mandar consertar, o momento de crise é ideal para testar seu domínio e controle frente ao consumo e à novidade.
- Que estilo de vida você quer ter e pode sustentar? Há quem dê valor para a última moda apenas por aparências e porque isso massageia seu ego.
- Em todos os momentos, e principalmente neste, fazer reserva de dinheiro é necessário. Evitar o consumo pode ajudar você a se planejar melhor financeiramente contra o período de incertezas.
- Aproveite esta fase para se tornar mais crítico em relação ao seu modo de agir com o consumo. Questione comportamentos antigos e teste mudanças.
Fonte: professor de finanças da Unisinos, Sérgio Soldera.
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