Espaço do Trabalhador
Jornada de uma desempregada: 8km a pé em busca de trabalho
O Diário Gaúcho acompanhou o dia de uma trabalhadora de 52 anos, de Viamão, em busca de uma nova colocação
Um dos maiores temores de todo o trabalhador tornou-se realidade para Braulina Isabel Dorneles da Silva. Aos 52 anos, a moradora de Viamão experimenta pela primeira vez o sabor do desemprego.
Isabel engrossa as estatísticas que tornam o mercado de trabalho a cada dia mais disputado - a pesquisa mais recente indica que em junho foram contabilizados 163 mil desempregados na Região Metropolitana, segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE) e o Dieese.
Há 43 dias, Isabel foi demitida ainda no período de experiência na função de auxiliar de limpeza. A situação abalou a trabalhadora, que sempre mudou de emprego por vontade própria, seja por melhor salário ou em busca de mais valorização. Com ensino médio completo, cursos de informática e de pedreiro azulejista no currículo e experiência em empresas que prestam serviços terceirizados de limpeza, ela topa qualquer função.
Peregrinação
Ontem, o Diário Gaúcho acompanhou uma dia na jornada de Isabel em busca de um novo emprego. Sem direito ao seguro-desemprego e com o pagamento do PisPasep adiado para fevereiro do ano que vem - determinação do governo federal estipulou que metade dos benefícios só serão concedidos em 2016 - , Isabel não pode esperar.
Em duas semanas, já fez seis entrevistas, perdeu a conta de quantas cópias de currículos distribuiu e na manhã de ontem percorreu quatro agências de emprego, duas no Centro e duas na Zona Norte, e uma empresa de vigilância.
R$ 14 na niqueleira
Isabel saiu de casa às 7h03min, no Bairro Minuano, em Viamão. Depois de uma xícara de café, aproveitou a carona na motocicleta do marido, o motoboy Ivo Gonçalves da Silva, 52 anos, até a Rodoviária de Porto Alegre.
Carona com o marido de moto - Fotos: Fernando Gomes
Em um pedaço de papel, anotou endereços de cinco locais que pretendia visitar.
Na mochila, currículos guardados em uma pastinha de papelão, a nécessaire, um livro e uma revista de receitas, para distrair-se, caso precisasse esperar. Na niqueleira, levava R$ 14 emprestados do marido para as passagens de ônibus e um vale-refeição de R$ 6.
Isabel chega em Porto Alegre: começa a busca por uma vaga
Habituada a ajudar os três filhos, Elias, 31 anos, Felipe, 22, e Gabriel, 18 - todos trabalham e o primogênito já vive com a própria família - ela não se sente à vontade para pedir nada emprestado. Mãezona, prefere ajudar a família.
Carne vermelha
O constrangimento é tanto que ela demorou a contar a novidade para o filho mais velho. Inconformada em não ter o próprio dinheiro, confidencia que sente falta de hábitos simples como comer frutas, verduras e carne vermelha, tudo o que subiu muito no supermercado e que agora precisa abrir mão:
- Para homem, só arroz e feijão basta. Já eu, gosto de me alimentar bem. Quando tenho uma graninha, adoro comprar um suco e comer um sanduíche natural.
Tarefa de atleta
Procurar emprego com pouca grana exige preparo físico. A baixinha de 1,51m tem um passo apressado que consegue deixar muito marmanjo para trás. Isabel chegou ao Centro de Porto Alegre às 7h45min e, 15 minutos depois, já tinha suor escorrendo pela nuca. Às 8h15min, chegou à primeira agência de empregos, na Avenida Voluntários da Pátria. Não havia nenhuma vaga disponível.
Às 8h15 ela já estava na primeira agência
De ônibus para chegar mais rápido
Saiu dali e pegou ônibus até a Rua Amazonas, na Zona Norte. Desta vez, o destino era uma empresa de vigilância e limpeza. Sem saber o endereço exato, foi perguntando até achar. Na porta da empresa, o aviso de "Não há vagas" não desanimou Isabel. A "estratégia" é usada para evitar tumulto em frente ao local, que consegue receber apenas 20 pessoas por turno para cadastro. A analista de Recursos Humanos da empresa, Carla Roberta de Souza, conta que há dias em que a fila de candidatos dobra a esquina e que muitos chegam "nervosos":
- É muita gente, e não temos vagas para todos.
Local exibe placa de "Não há vagas" para evitar tumulto
Currículo
Isabel preencheu currículo e foi encaminhada para entrevista. Na conversa, deixou claro que aceitaria até contratos de seis horas - mesmo recebendo menos.
- Acho que me saio bem nas conversas, eu trabalho direitinho, recebo elogios. Mas nunca vi tanta gente procurando emprego - fala Isabel.
Isabel preenche currículo na empresa de vigilância, na Zona Norte
Entrevista anima
Isabel saiu eufórica da entrevista na Rua Amazonas, pois a conversa lhe deu expectativas de que poderia ser chamada para trabalhar.
Ela saiu confiante da entrevista
Percorreu mais três quadras até a Avenida Pátria, deixou mais um currículo até que se deu conta de que era sua última cópia. Com a pastinha de papelão vazia, não poderia seguir em frente. Retornou e pediu-o de volta para fazer xerox. Pegou ônibus, voltou ao Centro e fez dez cópias.
A partir dali, só tinha dinheiro para pagar a passagem de volta a Viamão: R$ 3,15.
Deixou currículos em mais duas agências, uma no Centro e outra na Cidade Baixa, onde também fez entrevista. Com dinheiro contado para as viagens de ônibus dentro de Porto Alegre, percorreu 8km a pé até o meio-dia.
Cansaço não é maior que a esperança
Sonhos adiados
Ansiosa, Isabel usa o chiclete para driblar o nervosismo. Fumante por cinco anos, deixou o vício, mas admite que o momento de incerteza não ajuda e que há momentos em que não resiste.
- Às vezes tenho fome, mas não tenho vontade de comer. Dá vontade de comer um doce, mas agora não dá. Para as vitrines, então, eu nem olho.
Não foi só das guloseimas que precisou abrir mão, desde que perdeu emprego. Ela estava realizando um desejo antigo de aprender a dirigir. Fez as aulas teóricas para tirar a carteira de motorista e partiria, agora, para as aulas práticas:
- Parei, mas tenho até julho do ano que vem para terminar. Meu sonho é aprender a dirigir para usar o carro do meu filho para ir ao supermercado.
Terá que adiar também o conserto dos dentes. Almeja usar aparelho e implantar dois dentes.
- Assim que começar a trabalhar, vou começar a poupar para isso - diz, esperançosa.
Objetivos já estão traçados para quando começar a trabalhar
Idade é barreira
Além de disputar vagas com muitos candidatos, Isabel enfrenta outra barreira. Embora não denuncie a idade, há recrutadores que não querem contratar quem tem mais de 45.
- Fui a lugares em que chegaram a dizer que gostaram de mim, mas, quando souberam a idade, me mandaram embora.
Na semana passada, disputou uma vaga em uma confeitaria da Capital com outra candidata mais jovem. As duas fariam testes. A primeira fez, passou, e Isabel, após a entrevista, sequer foi chamada para a seleção:
- Por isso tem que ter paciência e ir em todos os lugares.
Paciência e garra para continuar a busca
Recorde negativo
A taxa de desemprego no Estado no segundo trimestre de 2015 alcançou seu maior índice desde 2012: 5,9%. O dado foi divulgado ontem pelo IBGE.
No primeiro trimestre do ano, a taxa de desemprego estimada entre os gaúchos foi de 5,6%. Mesmo com a alta, o Rio Grande do Sul apresenta o terceiro menor índice do país, atrás de Santa Catarina (3,9%) e Rondônia (4,9%).
O índice que mais preocupa, por enquanto, é a taxa de desemprego em Porto Alegre e na Região Metropolitana, que em junho chegou a 8,5%. O aumento do contingente de desempregados teve acréscimo de 15 mil pessoas de maio para junho. O índice do mês de julho será divulgado hoje.
- Há uma tendência de elevação da taxa de desemprego, mas tudo depende das expectativas da economia - analisa a economista do Dieese Virgínia Donoso.