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Infância em Porto Alegre

Quatro crianças que vivem realidades diferentes compartilham seus sonhos e planos para o futuro

Denner, Camile, Andriele e Isau contam ao Diário Gaúcho desejos que permeiam sua imaginação

10/10/2015 - 07h03min

Atualizada em: 10/10/2015 - 07h03min


Jeniffer Gularte
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Carlos Macedo e Félix Zucco / Agêncis RBS

A infância é como uma folha de papel em branco, pronta para ser preenchida por quem tem a liberdade de sonhar sem a desconfiança de um adulto. Nessa época, os desejos mais singelos e os planos mais espontâneos permeiam a imaginação.

Para lembrar que o início da vida permite que é só acreditar para realizar, o Diário Gaúcho perguntou para quatro crianças de diferentes regiões e realidades de Porto Alegre o que elas sonham conquistar.

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Na ingenuidade dos seus sete, nove e dez anos,  a gurizada surpreende ao falar de atividades triviais para adultos que podem virar algo mágico na mente de alguém com toda a vida pela frente.

E você, lembra qual era seu maior sonho na infância?

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Um quarto para deixar tudo limpinho

Andriele da Silveira de Almeida, sete anos, tem o Guaíba como quintal desde que nasceu. Do pátio da casa da avó, a pescadora Denise, 45 anos, na Ilha dos Marinheiros, consegue ouvir os gritos da torcida do seu time e ver o estádio iluminado em dias de jogos da Arena do Grêmio. O time a fez ter o azul como a cor favorita, mas o seu grande sonho, pelo contrário, é de outra cor.

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Uma cama, um roupeiro, mesa e espelho em um quarto todo cor de rosa permeiam a imaginação da menina que está no segundo ano da Escola Estadual Oscar Schimitt. O desejo de ter um espacinho da casa só seu se nutre de atitudes tão banais que, no mundo de Andriele, têm um significado que só ela entende. 

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- Queria ter um quarto, para que, quando eu acordasse, pudesse arrumar a cama todos os dias, deixar tudo limpinho.

Ela vive quase em frente à casa da avó, com o pai, Paulo, 24 anos, a mãe Rose Andressa, 25 anos e o irmão David, cinco anos, com quem divide o quarto. Como é ele o caçula, fica com a cama e ela dorme sobre dois colchões, onde sonha com o seu cantinho.

- Queria me arrumar, passar batom e estudar no meu quarto - diz ela.

Pequena pescadora

A neta mais velha e o xodó dos avós Denise Centena Pereira, 45 anos, e Antônio Manoel da Silva Martins, 45 anos, é metodicamente vaidosa e tem um capricho meticuloso quando o assunto é limpeza: sabe varrer, mas não gosta de lavar louça porque molha muito os braços. 

- Ela chega a me convidar para limpar a casa, é muito companheira para tudo. E faz tudo sem pedir nada em troca - conta a mãe Rose.

A menina que quer ser pescadora tem um vínculo com o Guaíba que sequer estremeceu em julho deste ano, quando ficou quase um mês sem ir na aula porque o rio chegou à porta de casa, invadindo os quintais de toda vizinhança, devido ao excesso de chuva durante duas semanas.


A avó Denise nem lembra a vez que ensinou a neta a pescar, mas garante que há ao menos dois anos ela usa com habilidade o anzol e a isca e faz do verão sua temporada de pesca. 

- Pesco bem na beirinha, mas só lambari. Minhas férias são aqui. No verão tem mais peixe porque a água está mais quente - ensina a menina. 

- Se deixo ela fica o dia todo aí no verão, é uma festa - conta a vó Denise.

Denner quer voar para além da paisagem

Não basta morar em um dos pontos mais altos de Porto Alegre. Denner Charmes Salvador, nove anos, quer voar. O menino mora com a mãe, a diarista Débora Charmes, 27 anos, em uma casa com uma vista de Porto Alegre que só quem vive no Morro da Polícia, no Bairro Aparício Borges, tem.

- Vejo muito aviões daqui, toda hora. Não teria medo de andar, iria aguentar. Mas acho que não gostaria de ficar muitas horas nele - admite.


Talvez seja a paisagem que provoque o guri a querer visitar muitos lugares. Ele diz que vai trabalhar como taxista. Jura que não tem vontade de morar em outro lugar, mas revela desde já sua alma de viajante:

- Quero dirigir e passear muito, conhecer pessoas. Quero conhecer lugares que ainda não conheço. Vou fazer autoescola e ser bom na direção - garante.

Volante de brinquedo

Embora não possa sair do lugar, os testes já começaram no volante de brinquedo que usa para fazer de conta que está dirigindo. A imaginação do menino que gosta de coisas simples - como o arroz molhadinho da bisa, dona Maria Cleusa, 63 anos, e a massa com salsicha feita pela mãe - vai bem além do que seus olhos podem enxergar da sala de casa.

Ele quer conhecer Barcelona (na Espanha), uma cidade que ele viu pela tevê e ouviu falar muito bem, e dar um abraço em Neymar, seu ídolo no futebol. Estuda no quarto ano da Escola Estadual Ayrton Senna e contraria a sina da maioria: adora Matemática. Já tirou dez em provas e adora, principalmente, as contas de multiplicação.

Na segunda-feira, Dia das Crianças, ele vai somar mais um ano. Faz aniversário no feriado e saliva ao lembrar do bolo de chocolate que sempre tem. Ele adora os mimos de ser filho único por parte de mãe, mas também se dá bem com dois irmãos por parte do pai, João Ricardo Salvador, 31 anos. A mãe Débora se orgulha do filho companheiro, mas garante que o ensina a ser organizado:

- Tem que arrumar o quarto, ajudar na organização da casa e limpar o pátio.

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A brincadeira pode virar profissão para Isau

Qualquer menino urbano da idade de Isau da Luz Dias, nove anos, bocejaria só de ouvir falar o horário em que o guri desperta - voluntariamente - todos os dias: às 5h. E não é por insônia. Até às 19h30min já está dormindo, garante o pai, o trabalhador rural Milton Gonçalves Dias, 48 anos. Isau é moldado pelo local em que vive, na Estrada das Quirinas, no Lami, área rural no Extremo Sul de Porto Alegre, em uma pequena propriedade com o pai, a mãe Vera, 45 anos, e os seis irmãos.

Afora andar de bicicleta, dispensa as brincadeiras tradicionais da gurizada para mexer com a terra. Sabe plantar mudinhas de alface, couve, couve-flor e berinjela, tira o verde que cresce ao redor das plantas e suja as mãos sem medo de minhoca.  

- Aquela é alface lisa, a outra é mimosa roxa e essa daqui é a mimosa verde - diz ele, enquanto é fotografado pelo DG no sítio de uma professora da Escola Estadual São Caetano, onde estuda.


Trator

O menino passeia nos sítios dos amigos e onde os pais trabalham e cuida da horta de casa. Mas o sonho de Isau ultrapassa o mundo das hortaliças: quer dirigir em um trator bem grande, de onde poderá ver toda sua fazenda que, aliás, também vai ir bem além do prato de salada.

Quando for grande, o menino diz que quer fazer algo que ainda não aprendeu e mostra que, além de sonhar, desafia suas próprias habilidades: vai plantar maçãs, peras, laranjas e bergamotas em uma fazenda com muitas palmeiras.

- O que eu mais gosto de fazer é plantar, quero fazer isso para sempre. E frutas nunca plantei.

Os pequenos prazeres da sua rotina são tão coloridos como as frutas que um dia vai produzir: comer pão com queijo e mortadela depois de chegar da aula, arrumar a máquina de cortar grama do pai e assistir, aos domingos, o programa Mangalarga Marchador TV (no Canal Rural). 

- Ele adora uma enxada, brincar com a terra, sabe montar a cavalo e é o primeiro da casa a acordar. Ele é interessado, prestativo e tem uma noção de tudo (atividades do meio rural) - diz o pai Milton, orgulhoso.

Além de ser praticamente um agricultor mirim, o menino é o que toda mãe sonha para o seu rebento: não tem nenhuma frescura para comida. É um "comilão".

- O Isau não fez cara feia para nada, o que colocar no prato ele come, verduras, frutas, tanto faz - revela o pai.

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Camile sonha com uma casa para chamar de sua

Camile Vitória da Silva Nazário nunca visitou um shopping, não foi ao cinema nem experimentou um mergulho em uma piscina de chão. Mas, na inocência dos seus de dez anos, a garota já ensaia uma consciência de adulto.

O seu grande sonho, inclusive, é comum a muitos adultos, mas chegou bem antes às fantasias de Camile: sair do aluguel e ter uma casa própria, onde ela possa viver com a mãe, a dona de casa Kelly Cristiane Oliveira da Silva, 28 anos, o pai, o músico Daniel Freitas Nazário, 30 anos, e os irmãos Mateus, 12, Daniele quatro e D'Alessandro, três anos.


Atualmente, ela mora em uma casa na Vila Dutra Jardim, no Bairro Rubem Berta, Zona Norte, onde vivem 11 pessoas no mesmo espaço. Além dos pais e dos irmãos, moram no local a avó e quatro tios. 

- Queria morar aqui na vila em uma casa só nossa. Às vezes, dá umas brigas porque é muita gente. Queria que cada um dormisse na sua cama para eu dormir em uma só minha _ diz ela, contando que dorme com o irmão mais velho.

Pular corda

A Dutra Jardim pode ser violenta e ter tiroteio, mas, no mundo de Camile, o importante é ficar no lugar em que está toda a família, suas amigas da Escola Municipal Jean Piaget e onde pode brincar de pular corda no meio da rua. As fantasias da menina ao ver tevê a fizeram querer ser cabelereira. Fã de cabelo liso, já sabe qual será sua especialidade e faz planos:

- Quero deixar o cabelo de todo mundo bonito e fazer tão bem feito quanto o da (cantora) Gaby Amaranto.

- Ele é muito vaidosa com o cabelo, lava todos os dias, faz chapinha - conta a mãe.
Com um discernimento pouco habitual para a idade, já definiu que terá apenas um filho.

O exemplo veio da experiência da mãe, que pretende não repetir:

- Mais do que um (filho) dá muito trabalho.

Ao falar dos gostos musicais, mais uma vez a guria da periferia demonstra um amadurecimento precoce: deixou de gostar de funk devido aos palavrões em algumas das letras. Agora prefere as canções sertanejas _ "são muito mais bonitas", garante _ e é fã da dupla João Bosco & Vinícius. E felicidade, para ela, é comer um prato bem gostoso de carne moída com batata.

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Foto: Carlos Macedo/Agência RBS

 
Foto: Félix Zucco/Agência RBS

 
Foto: Félix Zucco/Agência RBS

 
Foto: Félix Zucco/Agência RBS


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