Educação infantil
Morte de bebê em creche irregular alerta para problema de falta de vagas na rede pública da Capital
Sem conseguir colocação em escolas infantis da prefeitura ou conveniadas, mães deixam filhos com cuidadores informais. Na quarta-feira, bebê morreu em creche irregular no Bairro Lami
A morte de um bebê de cinco meses em uma creche irregular no Lami, no Extremo-Sul de Porto Alegre, traz à tona uma das mais perigosas consequências da falta de vagas em creches públicas na Capital. Sem conseguir matricular os filhos na rede municipal ou conveniada e com a necessidade de trabalhar, mães encontram em locais improvisados uma alternativa de cuidado. Os dados mais recentes do Tribunal de Contas do Estado apontam um déficit de 13.942 vagas para crianças de zero a cinco anos na Capital, usando como base informações do IBGE e do DataSus.
Segundo a delegada titular da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), Andrea Magno, que investiga o caso, a mulher cuidava de oito crianças com a ajuda da mãe – o Conselho Municipal de Educação indica que um adulto pode cuidar de até seis crianças de zero a dois anos. De acordo com o depoimento da cuidadora, a criança tomou um chá às 10h, foi colocada em um carrinho e quando a filha da cuidadora chegou em casa, às 13h, e foi brincar com o menino, percebeu que a criança não estava bem. Quando o Samu chegou ao local, já constatou que o bebê estava morto. O laudo do Departamento Médico Legal (DML) irá apontar a causa da morte.
No Lami, não há nenhuma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). Existem apenas duas escolas conveniadas com a prefeitura: a Floresta Lami, onde a mensalidade é de R$ 180 e a Girassol Lami, que cobra R$ 120 mensais.
A promotora Danielle Bolzan Teixeira, da Promotoria Regional da Educação de Porto Alegre, explica que a cobrança em creches conveniadas – que recebem recursos da prefeitura – não pode ser obrigatória e, sim, espontânea. No caso das cuidadoras, o entendimento do Ministério Público é de que este tipo de atendimento não deveria existir e, se ele ocorre, não é regular.
– A única maneira de coibir é ofertar vagas suficientes na rede pública, para que este tipo de serviço não ocorra – avalia Danielle.
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"Aqui no Lami não tem Emei, a gente é esquecido"
O Diário Gaúcho conversou com duas mães de crianças que ficavam no local, uma doméstica de 27 anos e uma diarista de 34 anos. Ambas estão assustadas com o que ocorreu.
– Tu só pensas que poderia ser com teu filho – afirma uma delas, mãe de uma menina de um ano e quatro meses que desde os cinco meses fica com a cuidadora.
As duas mães não foram trabalhar ontem, pois não tinham com quem deixar suas crianças – a casa da cuidadora estava fechada. Como acham que não poderão mais contar com a cuidadora, as mães, que não podem abrir mão do emprego, estão preocupadas por não saber onde deixar os pequenos.
– Eu preciso trabalhar. Vou procurar outra "cuida-se" (cuidadora informal de crianças) porque aqui no Lami não tem Emei, a gente é esquecido.
Mesmo se for atrás de vaga em uma escola conveniada, as crianças terão que ficar na fila de espera por vagas. As mães admitem que nunca se importaram com o fato de a creche não possuir alvará.
– Nossos filhos eram bem cuidados e bem alimentados, não tem outra opção aqui – diz a diarista.
A reportagem fez contato com a cuidadora, mas ao atender a ligação, um parente avisou que ela não está em condições de conversar.
Smed vistoriou local em junho
A titular da Secretaria Municipal da Educação (Smed), Cleci Jurach, afirma que, a partir de denúncia do Conselho Tutelar da região, o Setor de Regularização de Estabelecimentos de Educação Infantil fez uma vistoria no local no dia 8 de junho deste ano e constatou que tratava-se de um "cuida-se" – expressão utilizada pelos conselheiros para denominar cuidadores de crianças informais, não regularizados.
A responsável confirmou que cuidava de filhos de vizinhas e foi informada de que não poderia continuar com o atendimento a menos que fizesse a regularização.Conforme Cleci, nesses casos, o Conselho Tutelar acompanha e pode encaminhar a situação ao Ministério Público.
A Smed não tem poder de fechar o "cuida-se" – os bairros com maior incidência desse tipo de serviço são Partenon e Lomba do Pinheiro. Até o início deste ano, a legislação federal permitia que um cuidador se responsabilizasse por até nove crianças, sem caracterizar uma creche irregular. Atualmente, o número permitido reduziu a zero.
Denúncias podem ser feitas pelo 156 ou pelo telefone da Smed: 3289-1788. Na região onde ocorreu o caso, uma escola conveniada será entregue no mês que vem e mais duas estão em obras e deverão estar prontas no começo de 2017, cada uma com 120 vagas. No entanto, Cleci reconhece o déficit de vagas na faixa de zero a três anos. A Smed tem 1.055 vagas para essa faixa.
No ano passado, pelo menos 5 mil crianças de zero a quatro anos ficaram sem atendimento.
– Temos consciência de que a demanda existe, que precisamos ofertar mais vagas, mas temos limitadores – afirmou, referindo-se aos recursos financeiros.
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Tendência é aumento da judicialização das vagas
– Esse caso é o símbolo do que vai acontecer nos próximos anos.
A frase do defensor Público titular da 1ª Defensoria Pública Especializada em Infância e Juventude de Porto Alegre, Tito José Rambo Osorio Torres, demonstra a preocupação com a falta de vagas em escolas de educação infantil, tendo em vista a limitação dos gastos públicos com educação nos próximos 20 anos, expressa na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que tramita no Senado Federal.
Com menos recursos para abertura de vagas em creches, é esperada a judicialização da educação, ou seja, famílias que não conseguem a vaga em creches públicas precisam buscar a Defensoria Pública para garantir o direito que é assegurado pela Constituição.
– Até outubro deste ano, ingressamos com 400 ações de vagas em creches, enquanto a demanda é superior a 50 mil vagas – afirma.
De acordo com o defensor, o caminho para a obtenção da vaga começa com a inscrição da criança. Mas, até as famílias que perdem o prazo de inscrição podem procurar a Defensoria Pública após a negativa da vaga pela prefeitura.
O defensor, inicialmente, envia ofício para que o município diga quando conseguirá a vaga. Tendo a negativa explicitada, o último caminho é ingressar com ação judicial. Quando, mesmo intimado, o município não atende ao pedido, é solicitado o bloqueio de valores para aquisição de vaga na rede particular.
– A criança vai aprender questões de ética, ter noções de respeito, na educação infantil. Depois, aos dez, 12 anos, não se recupera o que foi perdido. Estamos abrindo mão do futuro da nossa cidade, do nosso Estado – lamenta o defensor público.
Onde fica
A Defensoria Pública fica na Rua Sete de Setembro, 735. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.