Seu problema é nosso
Bebê espera por cirurgia no crânio que já foi adiada três vezes, em Porto Alegre
O hospital diz que o procedimento foi agendado pela primeira vez para dezembro e postergado para fevereiro e junho
A nove dias do aniversário de um ano da filha Camila, Karla Viviane Tagliani de Oliveira, moradora do bairro Hípica, em Porto Alegre, vive momentos de incerteza.
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E isso não tem relação com a celebração do próximo dia 31, mas sim com os adiamentos de uma cirurgia pela qual a menina precisa passar — inicialmente, o procedimento foi marcado para o final do ano passado, mas não deve ocorrer antes de junho deste ano.
Camila nasceu com craniossinostose, doença que provoca o fechamento precoce de uma das suturas (as linhas de junção entre os ossos) do crânio. A fusão prematura das placas ósseas dificulta o crescimento do crânio, guiado pelo desenvolvimento do cérebro. Como envolve apenas uma região, surgem deformidades no formato da cabeça.
— A cabecinha dela tem um formato bem diferente, como um capacete de bicicleta. Já nasceu assim, mas vem se acentuando — conta Karla, que segue:
— Quando ela nasceu, me disseram que deveria fazer a cirurgia até os nove meses. Mas até agora não aconteceu, porque ficam remarcando. Não quero que ela tenha um problema maior para depois operar.
Emergências
A cirurgia para corrigir o problema, conforme Karla, havia sido marcada para novembro e foi adiada mais três vezes pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA): em dezembro, fevereiro e março.
Agora, deve ocorrer em junho. A instituição diz que o procedimento foi agendado pela primeira vez para dezembro e postergado para fevereiro e junho. De acordo com o HCPA, os reagendamentos ocorreram para que outras crianças, "que necessitam de intervenção em caráter emergencial", fossem atendidas.
Segundo o hospital, o grupo que acompanha Camila atua há 25 anos no tratamento de casos da doença e é o de maior experiência no ramo no Estado.
"Segundo a literatura médica recente, recomenda-se a não realização do procedimento antes dos seis meses de vida pelo elevado risco de complicações; após os seis meses, a recomendação é tratar os casos mais graves (grandes deformidades com repercussão clínica severa) e, em torno de um ano de vida, os demais casos. Portanto, a programação prevista garante o tratamento dentro do período adequado e seguro", afirma o HCPA em nota.
Impacto pode se dar no emocional
O presidente do Departamento Científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Marcio Moacyr Vasconcelos, explica que a manifestação mais comum da doença é estética: na maioria das vezes, a cabeça fica mais estreita e longa.
— É uma questão de aparência, mas isso é algo muito importante na vida da pessoa. Se não realizar a cirurgia, a criança pode ter aspectos emocionais e físicos prejudicados no futuro — ressalta, acrescentando que, em casos graves, outras complicações podem surgir, como hipertensão intracraniana, hidrocefalia, deformidade nos olhos e leve atraso mental.
Marcio, que também é professor de pediatria e neuropediatria da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz compreender a justificativa da instituição:
— A preocupação da mãe é apropriada. Ela sabe que existe um prazo para fazer essa cirurgia. Existe um tempo ideal e existe um tempo possível para o procedimento. A marcação para junho não me parece um absurdo. Não acho que o hospital esteja errando, já que afirma ter casos mais urgentes.
O médico salienta que desconhece detalhes deste caso, mas que, em geral, a janela de oportunidade para a realização da cirurgia se encerra aos dois anos, idade em que os ossos do crânio "fecham":
— A cirurgia é menos difícil antes disso, e tenho certeza que o hospital sabe disso.
*Produção: Bruna Viesseri