Seu problema é nosso
Estado deixa de entregar leite especial e prejudica 375 crianças no RS
Com o problema, a única alternativa para algumas famílias é comprar o produto, que custa entre R$ 170 e R$ 250 cada lata. No total, os pequenos consomem, por mês, 4.090 latas
Nenhuma lata do leite especial Neo Advance 400g foi entregue pelo Estado em fevereiro. O alimento, indicado para crianças com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) e idade a partir de um ano, é fornecido atualmente a 375 famílias cadastradas.
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Com a falta, a única alternativa para algumas delas foi comprar o produto, que custa entre R$ 170 e R$ 250 a lata. No total, essas famílias consomem, por mês, 4.090 latas.
Diferentemente da intolerância à lactose, em que o leite de vaca pode substituído por outros tipos de leite, para os pequenos com APLV, o Neo Advance é essencial para manter uma alimentação balanceada. Na ausência dele, os familiares tentam oferecer outros alimentos, mas o resultado não é satisfatório, segundo relatam mães de bebês.
Prejuízo
A pediatra Cristina Targo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e chefe do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre, afirma que, para bebês acima de um ano, não há outra fórmula que substitua corretamente:
— Não existe alternativa, do ponto de vista nutricional para a falta de Neo Advance.
A pediatra compara, por exemplo, que a quantidade de cálcio em uma mamadeira de leite especial equivale a dez porções de brócolis.
— Como uma criança vai comer tudo isso? — questiona a médica.
Vendo o desespero das mães e comovida pelas histórias das famílias que não têm condições de comprar o Neo Advance e outros leites especiais, a técnica de enfermagem Maria Margarete Rezende, 56 anos, entrou em uma vida de doação e entrega.
Ela buscou o grupo "APLV Porto Alegre" no Facebook com a intenção de ajudar uma conhecida. Aos poucos, se inteirou cada vez mais do assunto e se tornou administradora do movimento, que encaminha doações a quem precisa de leite especial.
— Imagine não ter as opções e ainda ver o governo não fazer sua parte? — diz Margarete, indignada.
Reações
Quando em contato com a proteína do leite da vaca, a consequência no organismo das crianças assusta. Segundo Helena Goldani, chefe da Pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o corpo reconhece de forma negativa a substância e pode reagir com vômitos, diarreia, sangue nas fezes, cólica intestinal, irritabilidade, dificuldade no sistema respiratório, manchas na pele e inflamação cutânea.
E, dependendo do caso, choque anafilático — uma reação alérgica grave e que progride rapidamente, podendo provocar inconsciência ou morte.
— Se a reação for grave, os familiares devem correr para uma emergência — ressalta Helena.
SES não diz quando remédio estará disponível
Em contato com a Secretaria de Saúde do Estado ( SES), a reportagem foi informada que houve problema no processo licitatório, o que gerou atrasos na compra do leite Neo Advance 400g. A SES não explicou qual foi o impasse na licitação.
Sobre a falta do leite especial, sugeriu aos pais que procurem o médico responsável pelo tratamento da criança para melhor orientá- los, mas não deu alternativa sobre como proceder com a alime
ntação das crianças nos períodos de falta do Neo Advance.
Depois de 13 dias sendo questionada, a assessoria do órgão público relatou ao Diário Gaúcho que a entrega atrasada da remessa de leite foi feita na segunda-feira passada. Entretanto, não informou quando a fórmula estará disponível para retirada no almoxarifado central, em Porto Alegre, e nas Coordenadorias Regionais de Saúde, no Interior.
Conheça algumas das crianças que sofrem com o problema
Maria Sofia Dumerch, três anos, de Uruguaiana, nasceu prematura e com uma série de problemas de saúde. A comerciante desempregada Cristina Dumerch, 36 anos, mãe dela, conta que descobriu com um mês a APLV.
Hoje, a alimentação de Maria é baseada no Neo Advance, já que é uma criança com reações alérgicas. Além disso, os únicos alimentos que pode comer são arroz, batata, cenoura, beterraba, mamão e laranja. Nesta rotina, Maria é acompanhada por uma equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Por isso, mãe e filha vêm para a Capital todas as semanas.
— A gente espera que o governo nos ajude, porque a gente não tem outra fórmula para dar para os filhos. É muito humilhante saber que um filho depende deste leite e que não há outra opção — lamenta a mãe.
De acordo com uma ordem judicial obtida pela família, Maria deveria receber 17 latas de Neo Advance por mês. Em janeiro, foram 13 unidades. Em fevereiro, nenhuma.
Com apenas oito meses, Claudoir de Mello Neto, de Balneário Pinhal, é uma das crianças que precisa do leite especial. Prematuro, em seu quinto dia de vida, começou a suspeita de APLV.
A mãe, Camila Ismael, 26 anos, gerente de uma mecânica automotiva, conta que, conforme seu médico, Claudoir deveria receber 12 latas de leite por mês. Entretanto, não é o que acontece.
— Quando entregam, não é toda a quantidade. Agora, estamos desde dezembro sem receber. Minhas amigas me ajudaram, me abraçaram, e até hoje vivo de doações — relata Camila.
Para Claudoir, a fórmula é a principal alimentação, por se tratar de um prematuro. Há pouco tempo, a mãe começou a introduzir outros alimentos na dieta dele.
— Quando estamos sem o Neo Advance, a saída é água de arroz e gelatina. Se falta e não conseguimos doações, acabamos por comprar nos cartões de farmácias privadas. Parcelamos, mesmo que aperte a situação. Não podemos ficar sem — conta Camila.
Em dezembro de 2017 e em janeiro deste ano, Catarina Brinkmann Dutra, um ano e sete meses, de Venâncio Aires, recebeu apenas a metade das 12 latas de Neo Advance que precisa por mês, conforme orientação médica. Já em fevereiro, nenhuma unidade. Mãe dela, a dona de casa Camila Brinkmann, 29 anos, desabafa:
— Apenas 29 latas de Neo Advance são entregues na cidade por mês, e só quem chega primeiro na Secretaria de Saúde recebe a quantidade que precisa.
Quando falta, não existem alternativas:
— A gente deixa de comprar alguma coisa para substituir pela alimentação dela. A alergia de Catarina foi descoberta aos dois meses de vida.
A mãe conta que ela já passou por três choques anafiláticos após contato com a proteína. Mesmo sem o leite especial, ela não tem perda de peso e possui uma alimentação saudável, aliada com a amamentação — Camila faz uma dieta restritiva para evitar consequências para a filha.
Em Uruguaiana, família de Maria sente- se humilhada Em Balneário Pinhal, água de arroz e gelatina para Claudoir Em Venâncio, Catarina passou por três choques anafiláticos
*Produção: Eduarda Endler