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Seu problema é nosso

Estado deixa de entregar leite especial e prejudica 375 crianças no RS

Com o problema, a única alternativa para algumas famílias é comprar o produto, que custa entre R$ 170 e R$ 250 cada lata. No total, os pequenos consomem, por mês, 4.090 latas

01/03/2018 - 10h43min

Atualizada em: 01/03/2018 - 12h06min


Cristiano Abreu / Divulgação (BD - 09/04/2017)
Fórmula é essencial para manter alimentação das crianças balanceada

Nenhuma lata do leite especial Neo Advance 400g foi entregue pelo Estado em fevereiro. O alimento, indicado para crianças com Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV) e idade a partir de um ano, é fornecido atualmente a 375 famílias cadastradas. 

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Com a falta, a única alternativa para algumas delas foi comprar o produto, que custa entre R$ 170 e R$ 250 a lata. No total, essas famílias consomem, por mês, 4.090 latas. 

Diferentemente da intolerância à lactose, em que o leite de vaca pode substituído por outros tipos de leite, para os pequenos com APLV, o Neo Advance é essencial para manter uma alimentação balanceada. Na ausência dele, os familiares tentam oferecer outros alimentos, mas o resultado não é satisfatório, segundo relatam mães de bebês. 

Prejuízo 

A pediatra Cristina Targo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e chefe do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre, afirma que, para bebês acima de um ano, não há outra fórmula que substitua corretamente: 

— Não existe alternativa, do ponto de vista nutricional para a falta de Neo Advance. 

A pediatra compara, por exemplo, que a quantidade de cálcio em uma mamadeira de leite especial equivale a dez porções de brócolis. 

— Como uma criança vai comer tudo isso? — questiona a médica. 

Vendo o desespero das mães e comovida pelas histórias das famílias que não têm condições de comprar o Neo Advance e outros leites especiais, a técnica de enfermagem Maria Margarete Rezende, 56 anos, entrou em uma vida de doação e entrega. 

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Ela buscou o grupo "APLV Porto Alegre" no Facebook com a intenção de ajudar uma conhecida. Aos poucos, se inteirou cada vez mais do assunto e se tornou administradora do movimento, que encaminha doações a quem precisa de leite especial.

— Imagine não ter as opções e ainda ver o governo não fazer sua parte? — diz Margarete, indignada. 

Reações 

Quando em contato com a proteína do leite da vaca, a consequência no organismo das crianças assusta. Segundo Helena Goldani, chefe da Pediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o corpo reconhece de forma negativa a substância e pode reagir com vômitos, diarreia, sangue nas fezes, cólica intestinal, irritabilidade, dificuldade no sistema respiratório, manchas na pele e inflamação cutânea. 

E, dependendo do caso, choque anafilático — uma reação alérgica grave e que progride rapidamente, podendo provocar inconsciência ou morte. 

— Se a reação for grave, os familiares devem correr para uma emergência — ressalta Helena. 

SES não diz quando remédio estará disponível

Em contato com a Secretaria de Saúde do Estado ( SES), a reportagem foi informada que houve problema no processo licitatório, o que gerou atrasos na compra do leite Neo Advance 400g. A SES não explicou qual foi o impasse na licitação. 

Sobre a falta do leite especial, sugeriu aos pais que procurem o médico responsável pelo tratamento da criança para melhor orientá- los, mas não deu alternativa sobre como proceder com a alime

ntação das crianças nos períodos de falta do Neo Advance. 

Depois de 13 dias sendo questionada, a assessoria do órgão público relatou ao Diário Gaúcho que a entrega atrasada da remessa de leite foi feita na segunda-feira passada. Entretanto, não informou quando a fórmula estará disponível para retirada no almoxarifado central, em Porto Alegre, e nas Coordenadorias Regionais de Saúde, no Interior. 

Conheça algumas das crianças que sofrem com o problema

Arquivo Pessoal
Cristina Dumerch com a filha Maria Sofia no colo

Maria Sofia Dumerch, três anos, de Uruguaiana, nasceu prematura e com uma série de problemas de saúde. A comerciante desempregada Cristina Dumerch, 36 anos, mãe dela, conta que descobriu com um mês a APLV. 

Hoje, a alimentação de Maria é baseada no Neo Advance, já que é uma criança com reações alérgicas. Além disso, os únicos alimentos que pode comer são arroz, batata, cenoura, beterraba, mamão e laranja. Nesta rotina, Maria é acompanhada por uma equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Por isso, mãe e filha vêm para a Capital todas as semanas. 

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— A gente espera que o governo nos ajude, porque a gente não tem outra fórmula para dar para os filhos. É muito humilhante saber que um filho depende deste leite e que não há outra opção — lamenta a mãe. 

De acordo com uma ordem judicial obtida pela família, Maria deveria receber 17 latas de Neo Advance por mês. Em janeiro, foram 13 unidades. Em fevereiro, nenhuma. 

Arquivo Pessoal / Leitor/DG
Claudoir de Mello Neto com sua mãe, Camila Ismael

Com apenas oito meses, Claudoir de Mello Neto, de Balneário Pinhal, é uma das crianças que precisa do leite especial. Prematuro, em seu quinto dia de vida, começou a suspeita de APLV. 

A mãe, Camila Ismael, 26 anos, gerente de uma mecânica automotiva, conta que, conforme seu médico, Claudoir deveria receber 12 latas de leite por mês. Entretanto, não é o que acontece. 

— Quando entregam, não é toda a quantidade. Agora, estamos desde dezembro sem receber. Minhas amigas me ajudaram, me abraçaram, e até hoje vivo de doações — relata Camila. 

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Para Claudoir, a fórmula é a principal alimentação, por se tratar de um prematuro. Há pouco tempo, a mãe começou a introduzir outros alimentos na dieta dele. 

— Quando estamos sem o Neo Advance, a saída é água de arroz e gelatina. Se falta e não conseguimos doações, acabamos por comprar nos cartões de farmácias privadas. Parcelamos, mesmo que aperte a situação. Não podemos ficar sem — conta Camila. 

Arquivo Pessoal / Leitor/DG
Camila Brinkmann com a pequena Caratina, sua filha

Em dezembro de 2017 e em janeiro deste ano, Catarina Brinkmann Dutra, um ano e sete meses, de Venâncio Aires, recebeu apenas a metade das 12 latas de Neo Advance que precisa por mês, conforme orientação médica. Já em fevereiro, nenhuma unidade. Mãe dela, a dona de casa Camila Brinkmann, 29 anos, desabafa: 

— Apenas 29 latas de Neo Advance são entregues na cidade por mês, e só quem chega primeiro na Secretaria de Saúde recebe a quantidade que precisa. 

Quando falta, não existem alternativas: 

— A gente deixa de comprar alguma coisa para substituir pela alimentação dela. A alergia de Catarina foi descoberta aos dois meses de vida. 

A mãe conta que ela já passou por três choques anafiláticos após contato com a proteína. Mesmo sem o leite especial, ela não tem perda de peso e possui uma alimentação saudável, aliada com a amamentação — Camila faz uma dieta restritiva para evitar consequências para a filha. 

Em Uruguaiana, família de Maria sente- se humilhada Em Balneário Pinhal, água de arroz e gelatina para Claudoir Em Venâncio, Catarina passou por três choques anafiláticos

*Produção: Eduarda Endler

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