Tradicionalismo aflorado
Renovada, Lomba Grande celebra 80 anos de música e tradições gaúchas
Tradicional entidade tradicionalista de Novo Hamburgo, Sociedade celebra a data com uma grande reforma, e projeta o futuro
Quando Gildinho, acordeonista e líder do grupo Os Monarcas, começou a cantar Santuário de Xucros, um dos grandes sucessos do grupo de Erechim, na noite da última terça-feira, não foram poucos os gaudérios que estavam nas mesas dispostas na Sociedade Gaúcha de Lomba Grande, no bairro de mesmo nome, em Novo Hamburgo, que se emocionaram. Afinal, aquele não era um simples baile, mas marcava a primeira grande reforma feita na sede do local, um dos palcos sagrados do nativismo gaúcho.
Em 16 dias de obras ininterruptas, a entidade ganhou uma nova pista de dança, um novo palco e um novo camarim, além de melhorias na cozinha e na churrasqueira do local. Completando 80 anos em 2018, a Sociedade ganhou um sopro de modernidade, sem fugir da tradição. Além disso, um dos mais tradicionais eventos do Estado, a Terça Gaúcha, completa 32 anos neste ano. Por algumas horas, na terça-feira (seis) o Diário Gaúcho conferiu o clima neste templo da música gaúcha, e conta tudo aqui.
Inauguração de luxo
Para celebrar o grande dia, nada mais justo que marcar um novo momento da Lomba Grande, distante cerca de 50 quilômetros de Porto Alegre, com o baile de um dos mais importantes grupos da história da música gaúcha, Os Monarcas. Antes de começar, Gildinho homenageou o local, lembrando que aquele palco foi testemunha da presença de nomes históricos da música gaúcha.
— Vocês merecem os parabéns por essa reforma, é uma grande honra estar nesse palco — elogiou o nativista, antes de abrir a pista para os casais dançarem.
Antes de Os Monarcas, os gaudérios que se acumulavam nas mesas do local conferiram a apresentação da Invernada Adulta da Lomba Grande.
Um sonho realizado
Perto do palco, emocionado, estava o presidente do Conselho dos Vaqueanos da Sociedade, Oneide Machado Ferreira. De acordo com ele, a reforma começou pela cozinha e pela parte elétrica do local. Depois, seguiu para a pista, para palco e para a construção do camarim, um antigo sonho dos gaudérios.
— É um sonho, nos enche de orgulho — afirma o gaudério, que foi patrão da Sociedade no começo dos anos 2000.
Porém, nem tudo são flores quando o assunto é uma reforma tão significativa em um dos templos da tradição gaúcha. Como faz questão de ressaltar Oneide, de maneira discreta, "quando acontece uma reforma audaciosa, existem contras". Porém, ele conta que o seu Conselho de Vaqueanos, órgão máximo da entidade, aprovou sua proposta de forma unânime:
— Aprovamos a criação de 30 "títulos-ouro", cada um a cerca de R$ 3 mil, que foram custeados por boa parte dos conselheiros.
Oneide lembrou, ainda, que o local já recebeu grandes nomes da música nativista, como Os Serranos, os Mirins, César Passarinho e Luiz Menezes, que, aliás, inaugurou o evento Terças Gaúchas, em 1986. Desde então, ele acontece de maneira ininterrupta.
— Aqui, tocam todos os grupos nativistas, dos maiores ao menores. Durante o ano, existe uma exceção, que é o Fandankerb, que mescla os costumes alemães com os gaúchos, mistura as bandinhas com os grupos gaúchos. No resto, é música gaúcha — ressalta Oneide.
Preços acessíveis na terça
Para que o público consiga assistir a shows de grandes nomes da música gaúcha, como Os Monarcas, a Sociedade procura negociar com artistas cachês acessíveis para que o ingresso fique acessível (em geral, R$ 25 para o baile, e mais R$ 20 a janta, que é opcional). Olhando o movimento no salão, é fácil constatar os motivo pelos quais o local, em geral, está lotado. Cerveja barata (R$ 10), a janta (carreteiro, churrasco ou galeto) e bailes de qualidade, e um ambiente onde adultos e crianças circulam tranquilidade, em um clima de amizade.
— A ideia é que que a pessoa aproveite um baile de qualidade, mas sabemos que é um dia de semana. Então, sempre tentamos fazer um preço acessível — explica Oneide.
Pelo fato de Novo Hamburgo de um dos polos industriais do Estado, a cidade sempre atrai visitante durante a semana, geralmente, a negócios. E é aí, segundo Oneide, que a fama da Lomba foi se espalhando.
— Além do pessoal da região, vem gente de Santa Catarina, do Paraná e até dos Estados Unidos. A Terça Gaúcha é conhecida em boa parte do Brasil — assegura.
Renovação necessária
Em uma entidade de 80 anos, que acaba de se renovar, é interessante constatar que o próximo patrão, Adilson da Rosa Pinto, 40 anos, será o mais jovem patrão da entidade em toda a sua história e que pregue um movimento de renovação.
— Pretendo fazer um trabalho com crianças. A ideia é, uma vez por mês, promover um evento voltado para eles, a renovação é importante — explica Adilson.
Ambiente familiar
Há 33 anos, a professora aposentada, Zelita Marina, moradora da própria Lomba Grande, é testemunha do sucesso que as tradicionais Terças Gaúchas fazem. Natural de São Francisco de Paula, na serra, ela conta que já viu "todos os grupos gaudérios passarem" pelo palco da Lomba, mas tem carinho especial por um deles: Os Mirins, pelo fato de o grupo ter surgido em sua terra natal:
— Esse lugar é de suma importância para a família, é um ambiente onde tu pode levar as crianças, um lugar que elas podem crescer cultivando as tradições gaúchas.
Amor à primeira vista
Ao lado da professora Zelita, quem tinha um sorriso de orelha a orelha era o casal de comerciantes Valdir Fonseca de Barros, 59 anos e Rosa Maria de Barros, 58, do Bairro Santo Afonso. Olhando toda aquela felicidade, seria possível deduzir que o casal foi criado em galpão, como diz um dos sucessos do grupo Os Serranos. Só que não.
— Eu não gostava de CTG. Comecei a vir na Lomba Grande há nove anos por causa de um parente dela, que insistia — lembra Valdir.
De lá para cá, faltaram somente a cinco bailes na Lomba, fizeram curso de danças gaúchas e até aula particular.
— Comecei a vir, e não parei mais. Em 2014, fomos e, mais de 115 bailes em CTGs. Acredita que, nesses nove anos, eu tenho anotado, em uma agenda, todos os bailes aqui que aconteceram aqui na Lomba, quais foram os grupos que tocaram e o dinheiro que gastei? — questiona, cheio de orgulho, aos risos, Valdir.
Costumes a serem seguidos
Logo na entrada, uma placa mostra os trajes que são permitidos - e proibidos - no local. Como o Movimento Tradicionalista Gaúcho já se envolveu em polêmicas no passado, pro conta de vestimentas em CTGS, Oneide faz questão de ressaltar que, para entrar no local, não é necessário estar pilchado. Mas, para dançar, sim.
— Temos que dar o exemplo. Queremos dar a oportunidade para que todos venham aqui. Mas, para dançar, vestido curto, decote, essas coisas, não pode.
A origem da Sociedade
— A Sociedade Gaúcha de Lomba Grande é a quinta entidade tradicionalista mais antiga e a segunda com mais tempo de vida em atividade no Estado.
— Foi fundada por descendentes de imigrantes alemães, em 1938, para cultivar as tradições gaúchas.
— Na época, nasceu com o nome de Sociedade Gaúcha Lomba-Grandense, sendo que o primeiro patrão foi Otto José Daudt.
Como a entidade não tinha uma sede fixa, os associados reuniam-se em locais como o Capão Gaúcho e o Salão Allgayer.
— Em 1984, por meio de comodato, a entidade conquista uma área de 14 hectares para construir a sua sede na Rua Albano Guilherme Konrath e transformou-se em Sociedade Gaúcha de Lomba Grande. Hoje, tem 250 associados.
Origem da Terça Gaúcha
— Quando a sociedade inaugurou sua sede própria, em 1984, não tinha móveis e nem louças. Para conquistar doações, passou a convidar empresários do setor calçadista. Sempre às terças-feiras era realizado um jantar e, ao final, passado um chapéu. Conforme Oneide, os convidados sugeriram que se fizesse o encontro com música, para deixar a reunião mais animada. Ali, então, nascia a Terça Gaúcha.