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Três anos da concessão

As empresas estão cumprindo as regras da licitação do transporte público?

Assinado em 2016, contrato continha diversas demandas a serem cumpridas pelas empresas. Porém, três anos depois, em meio a uma queda de usuários, sistema não o que foi previsto

16/02/2019 - 07h01min

Atualizada em: 26/09/2019 - 17h27min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Felipe Martini / Agência RBS
296 ônibus novos foram apresentados em 2016, de lá para cá, só outros 25 foram incorporados à frota

Na próxima sexta-feira, dia 22, completam-se três anos daquilo que deveria simbolizar uma mudança significativa do sistema de transporte público de Porto Alegre. Em vigor desde o dia 22 de fevereiro de 2016, a licitação assinada pela prefeitura e pelas empresas que operam na cidade traçava objetivos a serem cumpridos pelos consórcios privados e pela Carris, que é pública. O edital foi o primeiro a ser colocado em prática no setor de transporte público na Capital, oficializando, por meio de concessão, um sistema que já existia há décadas.

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Porém, 36 meses depois da assinatura, as notícias não são tão boas. De um lado, o cenário é pouco positivo para as concessionárias, que já acumulam um prejuízo de R$ 140 milhões e a perda de 2,7 milhões de passageiros equivalentes – aqueles que pagam a tarifa – desde a assinatura do contrato, segundo dados da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP). Do outro lado, usuários reclamam da qualidade do sistema, citando problemas como superlotação, atrasos e falta de ar-condicionado nos veículos. 

Aumento

O cenário ficou ainda mais delicado nesta semana, quando a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) enviou ao Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu) o cálculo indicando o novo preço da passagem: R$ 4,70. A duração do contrato de concessão do transporte é de 20 anos – portanto, ainda restam 17.

Nesta reportagem, o Diário Gaúcho mostra cinco pontos presentes no edital que impactam diretamente na vida dos usuários do sistema.

Usuários reclamam do sistema

Para quem tem como única opção de deslocamento o transporte público, a assinatura do contrato entre a prefeitura e as empresas não significou nenhuma grande mudança na rotina. Entre os usuários, são dois os efeitos mais sentidos na prática: preço da passagem e poucos ônibus com ar-condicionado.

– Se o serviço tivesse mais qualidade, não seria ruim pagar este preço. Mas, atualmente, deixa muito a desejar – relata a dona de casa Cátia Fabiane Heinz Klein, 42 anos.

Moradora do bairro Rubem Berta, na Zona Norte, Cátia utiliza a linha D72 (Diretão Via Santa Rosa) frequentemente. A passageira relata não ter sentido nenhuma mudança significativa desde que a licitação foi assinada. 

Conforto

Para ela, os maiores problemas são os “ônibus velhos e com problemas no ar-condicionado”:

– É difícil pegar um ônibus com ar-condicionado. Aí, quando a gente consegue, tem uns em que o equipamento não funciona direito. Como as janelas são fechadas, fica insuportável.

O técnico em segurança do trabalho Maike Vieira, 20 anos, mora na zona sul da Capital. Nos rotineiros deslocamentos entre o bairro Vila Nova e o Centro, ele aponta a falta de conforto como um grande problema.

– Pelo que pagamos de passagem, os ônibus poderiam ser melhores. Nos horários de pico, a lotação é horrível. Parece que falta planejamento, não colocam ônibus maiores nas linhas mais movimentadas. E ainda tem o estado de conservação de alguns carros, que é péssimo – diz Maike. 

Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Lotação dos ônibus é uma das reclamações mais frequentes

CINCO PONTOS DO CONTRATO

1. AR-CONDICIONADO (CUMPRIDO)

O que dizia o edital? 

O item 1.1 do anexo III do edital cita que a frota de cada empresa deveria “atender à proporção mínima de 25% de veículos equipados com ar-condicionado”. Além disso, todo o veículo zero-quilômetro que fosse incorporado à frota, deveria ter a refrigeração.

Qual era o prazo?

Desde o início da operação, a regra está valendo.

Como está atualmente?

Apesar das reclamações dos usuários quanto à falta de refrigeração nos ônibus, todos os consórcios têm ao menos 25% da frota refrigerada, conforme previsto na licitação. O menor índice é do consórcio Via Leste: são 47 ônibus com ar-condicionado, o que representa 25,27% do total. A frota com maior percentual de veículos refrigerados é a da Carris: 60% dos ônibus têm ar-condicionado. Isso representa 189 veículos. 

2. RENOVAÇÃO (NÃO CUMPRIDO)

O que dizia o edital?

No item 1 do anexo III, que fala sobre a frota das empresas, é ordenado que “a cada ano deverá ocorrer a renovação de, no mínimo, 10% da frota total do lote integrante de cada bacia operacional”. O sistema é dividido em seis lotes – dois para cada zona: norte, sul e leste –, além da Carris, que opera, preferencialmente, linhas transversais e circulares. A empresa que opera o Lote 1, por exemplo, deveria renovar 10% dos ônibus anualmente. Se a compra fosse maior que 10% em um ano, poderia ser menor no ano seguinte, desde que os dois anos somados atingissem um índice de renovação igual ou superior à 20%.

Qual era o prazo?

A norma vale desde a assinatura do contrato em fevereiro de 2016. Porém, no ano passado, a prefeitura publicou decreto aumentando o tempo de vida útil dos ônibus – de 10 para 12 anos, ou para 13 anos, no caso dos carros articulados ou com energias renováveis. Com isso, a taxa de renovação baixou para 8,33% ao ano – 7,69% no caso dos articulados e renováveis.

Como está atualmente?

Antes de assinar a licitação, as empresas privadas já haviam comprado 296 ônibus zero quilômetro – inclusive, 86 sem ar-condicionado, que puderam entrar na conta já que a compra havia sido efetuada antes da assinatura. Isso representou 17,85% de renovação – na época, a frota de ônibus da cidade era de 1.658 veículos. Hoje, são 1.620 ônibus, diminuição de 2,29%. Em 2017 não houve compra de veículos e, em 2018, mesmo com a diminuição na taxa de renovação, apenas o consórcio Mob adquiriu 25 veículos novos.

3. SUPERLOTAÇÃO (CUMPRIDO)

O que dizia o edital?

No anexo III, o item 4.4 explica que existe uma “meta de ocupação máxima dos veículos na hora pico de quatro passageiros por metro quadrado”. Este patamar seria atingido conforme fossem sendo colocados veículos na frota.

Qual era o prazo?

A adequação deveria ocorrer em 36 meses após a assinatura do contrato. Ou seja, assim que a licitação completasse três anos.

Como está atualmente?

O edital diz que seria necessário um incremento 72 veículos no sistema. Entretanto, como já citado, houve diminuição na frota entre 2016 e 2019. A ATP diz que, como o número de passageiros caiu, “na média, os ônibus andam abaixo desta capacidade”. A EPTC diz que “o requisito está sendo atendido e é monitorado pela Equipe de Dimensionamento de Operação do Transporte (EDOT)”.

4. GPS E APLICATIVO (NÃO CUMPRIDO)

O que dizia o edital?

Segundo o texto do item 9.2.1 do anexo III, as concessionárias deveriam apresentar proposta para criação de um “Sistema de Supervisão e Controle Operacional”. Entre os itens pedidos, está o “sistema de informações aos usuários”. Por exemplo, um aplicativo onde o passageiro possa conferir onde os ônibus estão e quando vão chegar na parada – isso seria possível porque também é requisito, conforme o item 9.2.10.2, a colocação de GPS nos carros.

Qual era o prazo?

O plano deveria ser apresentado em um prazo de 45 dias após a assinatura do contrato de concessão. Além disso, em 2017, o prefeito Nelson Marchezan publicou decreto dizendo que até 31 de dezembro de 2018 toda frota deveria ter GPS e que deveria haver “a divulgação dos dados de interesse dos usuários”.

Como está atualmente?

A ATP diz que lançou no fim do ano passado um aplicativo do TRI. Na plataforma, é possível comprar passagem com cartão de crédito, ver saldo e últimos usos, entre outras funcionalidades. Entretanto, quanto ao GPS no veículos e o app para os usuários, a associação diz que está sendo executado um projeto piloto em algumas linhas. A ação não é aberta ao público, porque está em fase de testes, explica a ATP.

5. BRT E METRÔ (NÃO CUMPRIDO)

O que dizia o edital?

Os itens 1.7 e 1.8 do edital de concorrência tratam, respectivamente, da implantação do BRT e do Metrô em Porto Alegre. No primeiro, a prefeitura descrevia que “a implantação do BRT poderia aumentar ou reduzir” a demanda de serviço. Além disso, a operação ficaria a cargo das mesmas empresas vencedoras da licitação. Quanto ao metrô, o texto diz que a implantação do sistema poderia impactar nos ônibus, e que isso demandaria ações para que fosse mantido “o equilíbrio ecônomico-financeiro do sistema”.

Qual era o prazo?

Não havia prazo especifico para que o BRT ou o Metrô entrassem em funcionamento na cidade.

Como está atualmente?

Tanto a criação do sistema BRT quanto a implantação do Metrô de Porto Alegre foram descontinuadas pela prefeitura. Caso estas mudanças voltem a pauta nos próximos 16 anos, os itens da licitação serão invocados.

Jefferson Botega / Agência RBS
Terminal Parobé, no Centro, é um dos mais movimentados da cidade

Crise no setor não era imaginada

Segundo a ATP, o cumprimento de uma das normas mais relevantes do edital, que era renovar a frota, "depende da capacidade financeira das empresas, que no momento é delicada". A associação alega que, no contrato de concessão, estava previsto que uma média mensal de 17,8 milhões pagantes utilizariam o sistema. Entretanto, em 2018, por exemplo, "o que foi transportado, de fato, em 2018, foram 14,1 milhões". 

Aliado a isto, a ATP explica que "as taxas de juros para a aquisição de veículos, que eram em torno de 7%, passaram para mais de 13% ao ano". Assim, adquirir novos ônibus virou um desafio. O custo dos veículos pode variar entre R$ 400 mil e R$ 450 mil. No momento, a associação que representa os consórcios diz que a prioridade é o pagamento de salários e dos insumos para as viagens, como o diesel.

Fiscalização é frequente, diz EPTC

No edital, a EPTC foi denominada com a responsável por atuar como gestora do sistema de transporte público. Entre as obrigações da empresa, estão a fiscalização dos consórcios e da Carris e a canalização das reclamações. No caso do descumprimento das normas de renovação da frota, que vem sendo acompanhada pelo Diário Gaúcho desde janeiro, o órgão explica que tanto a Carris quanto as empresas privadas já foram notificadas pelos ônibus que possuem em sua frota veículos com idade acima da permitida pela lei.

A EPTC ressalta ainda que todos os ônibus da cidade passam por vistorias periódicas na sede da empresa — são vistoriados 110 carros por semana. Além disso, a Gerência de Fiscalização de Transporte realiza diariamente a fiscalização nos terminais de ônibus de Porto Alegre. E, semanalmente, com efeito surpresa, são feitas ações nas garagens das empresas de ônibus. 

Para os usuários do sistema que quiserem registrar alguma reclamação relacionada ao transporte público da cidade, a orientação é entrar em contato através do telefone 118. Também é possível contatar a EPTC pela internet, no site da empresa ou no e-mail eptc@eptc.prefpoa.com.br. O atendimento presencial é na Avenida Erico Verissimo, 100, no bairro Menino Deus, de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h. Para o registro, é importante informar o prefixo, linha e horário da ocorrência.

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