Habitação
Cachoeirinha: chega ao fim impasse de 33 anos na Granja Esperança
Acordo com empresa encerra briga judicial e afasta ameaça de despejo de 12 mil pessoas
Mais de três décadas. Esse foi o tempo que os moradores do bairro Granja Esperança, em Cachoeirinha, tiveram de esperar para regularizar sua situação habitacional. Em 1987, centenas de famílias ocuparam 1.632 residências construídas por uma cooperativa de habitação. E, agora, graças a uma conciliação judicial entre quem vive na área e a empresa proprietária dos imóveis, os ocupantes podem passar a ser donos das casas em que vivem.
À época, o custo de venda das casas era elevado. Assim, grande parte delas ficou desocupada. Com a explosão das invasões e ocupações no final dos anos 1980 e início do anos 1990, vários locais na Capital e na Região Metropolitana foram alvo de famílias que lutavam pela possibilidade de uma casa própria. O loteamento Granja Esperança foi um destes pontos.
O drama envolvendo a área incluiu duas tentativas de reintegração de posse nos anos 1990. Depois, uma ação se arrastou na Justiça até o final de 2018, quando uma decisão autorizou a venda das casas pela empresa Habitasul, proprietária da hipoteca dos imóveis. Antes de abrir a comercialização ao público em geral, a medida oficial determinou que fosse feita uma tentativa de negociação com as famílias que já ocupavam as residências. Porém, os moradores consideraram o valor cobrado pelos imóveis alto demais.
Durante o ano passado, uma comissão de moradores tratou diretamente com o Habitasul. Foram idas e vindas entre propostas e contrapropostas até a negociação dos valores ser concluída e oficialmente encaminhada ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), parte do núcleo de conciliação do Tribunal de Justiça (TJ).
Condições
Membro da comissão e morador da Granja desde a ocupação, o funcionário público aposentado Valci Guimarães, 70 anos, pontua que a caminhada foi longa, mas valeu a pena. Dividindo a casa com a esposa, Maria da Graça Svierszcz, 58 anos – também integrante da comissão –, e os filhos Pedro, 22 anos, e Vitor, 18, Valci viu a comunidade crescer, tomar forma e, agora, se regularizar.
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– Foi uma negociação justa. Pegamos os valores originais das casas de um, dois e três dormitórios, e atualizamos. Os moradores poderão parcelar a entrada e ter um ano de carência para iniciar o pagamento, que poderá ser feito em até 15 anos – explica Valci.
Algumas residências foram transformadas em áreas comerciais, outras foram ampliadas, ganharam os famosos puxadinhos ou até uma segunda casa. Hoje, a comissão de moradores estima cerca de 12 mil habitantes vivendo no bairro. O principal símbolo do local é a Praça da Juventude, uma entre as várias conquistas ao longo das décadas.
Para os moradores, sonho realizado
Vizinho da famosa praça, o servidor municipal aposentado José Renato Mattos dos Reis, 57 anos, está feliz com a conclusão do drama que se arrastou pelas últimas três décadas – em abril, completam-se 33 anos da ocupação. Também membro da comissão que auxiliou nas negociações, José mora no local desde 1987. Hoje, divide a residência com a esposa, a professora Jaqueline da Silva Ávila, 56 anos, e com a filha Renata, 19 anos.
– Não havia um noite em que eu não pensasse, antes de dormir, que a minha casa não era minha. Quando ia numa loja fazer um cadastro e perguntavam se eu morava de aluguel ou casa própria. Nenhuma das opções. Esse acordo é um peso que sai das nossas costas – avalia José.
A sensação é a mesma da pedagoga Daniele Nunes Senger, 36 anos. Também integrante da comissão, ela vive há menos tempo que Valci e José na Granja. Chegou há nove anos. Desde então, sabia que o local ainda dependia de regularização. A casa, que divide com os filhos Matheus, 21 anos, e Ana Clara, seis, teve a aquisição selada por meio de um simples contrato de compra e venda. Agora, Daniele aguarda para iniciar o processo de compra e ter em mãos a escritura do local.
– Acho que a casa própria é um sonho do brasileiro. Por isso, estou me sentindo realizada. É uma conquista, uma segurança para minha família – comemora ela.
Desde que o acordo foi firmado oficialmente, conforme a Habitasul, 29 moradores estão com contratos de compra já prontos. Antes disso, 51 compras judiciais tinham sido homologadas pela Justiça – que é quem vai definir o prazo para que todas as famílias façam a aquisição definitiva dos espaços.
Solução depois de 33 anos
Responsável legal pelas residências, a Habitasul considera o acordo importante, “pois encaminha uma solução para um processo judicial envolvendo uma ocupação que vai completar 33 anos”. Sobre a chance de algumas famílias não aceitaram as condições, a Habitasul ressalta que “o processo continua tramitando e o que aconteceu foi um acordo com os moradores”.
Assim, quando for encerrado o prazo para compra – que será fixado pela Justiça –, haverá nova decisão para saber se os imóveis poderão ser vendidos para terceiros. Por fim, a empresa destaca que “as reivindicações foram atendidas e corretores nomeados judicialmente estão à disposição para as negociações”.
Como será a compra
/// A Habitasul aceitou as condições da comissão de moradores, concedendo um desconto de mais de 50% com relação ao valor proposto inicialmente.
/// A entrada de 10% poderá ser parcelada em até 12 meses.
/// O financiamento, direto com a empresa, poderá ser pago em até 15 anos, com juros de 6% ao ano.
/// Se financiadas em 15 anos, as casas de um dormitório terão valor de R$ 46.700, as de dois dormitórios, R$ 55.600, e as de três dormitórios, R$ 61.200. Caso o morador deseje pagar à vista, terá mais descontos.
/// Cada caso pode ser negociado com os corretores nomeados pela Justiça: Gustavo Freitas – Freitas Gestão Imobiliária (3111-2211) e Daniel Bisotto – Bisotto Imóveis (3470-4347).