Transporte público
Renovação dos ônibus da Capital não segue índice estabelecido na licitação de 2016
Quatro anos depois da assinatura da concessão do transporte público, empresas não têm conseguido renovar anualmente 10% da frota, como orientava o edital
Fevereiro é um mês simbólico para o transporte público de Porto Alegre. Em 2016, nesta mesma época do ano, foi oficializada a concessão do sistema de ônibus da Capital. Não que a licitação tenha mudado muita coisa. As mesmas empresas que operavam há algumas décadas na cidade seguiram como responsáveis pelo transporte de passageiros. Porém, a ideia do contrato era determinar algumas regras para elevar o nível de qualidade do serviço oferecido, costumeiramente criticado por boa parte dos usuários por temas como atrasos e superlotação.
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Mesmo que não seja seguido a risca ou considerado a melhor solução para o sistema de transporte público da Capital, o edital ainda segue valendo quatro anos depois — e, conforme foi estabelecido na licitação, ainda vigorará por mais 16 anos. Neste contrato entre a prefeitura e as empresas, uma regra sempre se destacou: ônibus novos. No item 1 do anexo III do edital de licitação, onde se fala sobre a frota das empresas, é determinado que "a cada ano deverá ocorrer a renovação de, no mínimo, 10% da frota total do lote integrante de cada bacia operacional".
O sistema é dividido em seis lotes — dois para cada zona: norte, sul e leste —, além da Carris, que opera, preferencialmente, linhas transversais e circulares. A empresa que opera o Lote 1, por exemplo, deveria renovar 10% dos ônibus anualmente. Se a compra fosse maior que 10% em um ano, poderia ser menor no ano seguinte, desde que os dois anos somados atingissem um índice de renovação igual ou superior à 20%.
Descumprimento
Porém, essas metas não são cumpridas desde que o contrato foi assinado. Em 2016, quando a licitação entrou em vigor, foram adquiridos 296 ônibus. Comprados antes da assinatura oficial, parte dos coletivos não cumpria uma regra que viria a valer com a oficialização do documento. Todo veículo adquirido pelas empresas deve ser zero quilômetro e contar com ar-condicionado — 86 dos 296 não possuem este equipamento.
Mas o número chamativo de ônibus novos ficou só no primeiro ano de contrato, mesmo. Em 2017, nenhum coletivo novo foi adquirido pelos consórcios. No ano seguinte, 2018, apenas o consórcio MOB, que opera na Zona Norte, adquiriu 25 carros. E no ano passado, novamente o MOB comprou mais 29 coletivos, além dos consórcios Viva Sul e Mais, que adquiriram cinco ônibus cada. Quem passou em branco desde 2017 foram o consórcio Via Leste — que não adquiriu nenhum coletivo nos últimos três anos —, e a Carris, que não coloca nenhum carro zero-quilômetro para rodar desde 2015.
Atualmente, a empresa pública tem 87 ônibus que devem deixar de circular neste ano em razão da idade avançada. Em entrevista recente ao Diário Gaúcho, o diretor-presidente da Carris, Cesar Griguc, afirmou que 97 coletivos novos estão em processo de aquisição e devem estar rodando até junho.
Já o Consórcio Via Leste, em nota, afirmou que "a legislação de renovação de frota foi alterada após a vigência da concessão, através de lei e decreto específicos". Porém, o que a prefeitura fez foi aumentar o limite de vida útil dos ônibus. A sugestão de renovação da licitação permaneceu. Ainda assim, o consórcio garante que, "apesar da crise pela qual passa o setor, serão tomadas as medidas necessárias para recuperar o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema de transporte público, e que será possível realizar as renovações necessárias para manter a frota dentro dos padrões exigidos". A a intenção é "realizar a maior renovação de frota possível em 2020".
Enquanto essas aquisições não se concretizam, a frota da Capital envelhece. Atualmente, a idade média dos ônibus que circulam pela cidade é de 8 anos e dois meses.
Renovação deveria atingir 40% neste ano
A frota de Porto Alegre é composta por 1.601 ônibus, conforme dados da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e da Associação de Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP). Este número vem caindo desde 2016, quando eram 1.712 coletivos no total. A justificativa para isso é a redução de passageiros, com menos coletivos tendo de circular em alguns horários.
Se seguissem a determinação do edital, as empresas deveriam estar fechando o quarto ano de licitação tendo renovado 40% de suas frotas. Entretanto, isso não aconteceu. Quem chegou mais perto deste índice foi o consórcio MOB, que adquiriu 143 ônibus novos desde 2016 e renovou 33,8% dos 423 carros que compõe sua frota atualmente.
A principal razão usada pelos operadores para justificar os problemas do setor é a crise no sistema de transporte público. Quatro anos depois da assinatura da licitação, o cenário não é muito animador. Milhares de passageiros pagantes deixam o modal todo ano — foram transportados, por mês, 13,6 milhões de passageiros pagantes em 2019, número 23,6% menor do que aquele projetado no edital de 2016, que teve suas estimativas elaboradas em 2013.
O sistema de transporte da cidade procura uma maneira de se reinventar, principalmente, em relação à fonte de financiamento do sistema. Em se tratando deste tema, a prefeitura, inclusive, encaminhou à Câmara de Vereadores um pacote de projetos de lei com objetivo de reduzir a passagem. Um deles, que pretendia retirar cobradores das linhas gradualmente já foi reprovado. Outros ainda seguem em análise.
Passageiros reclamam de carros antigos
A atendente de loja desempregada Flávia Dornelles, 27 anos, é extensa na sua lista de insatisfações com o transporte público. No calor do verão, a situação que mais lhe incomoda, claro, é a falta de ar condicionado nos coletivos. Para ela, parece que os carros com equipamento circulam menos no verão.
— Quando não é calor, a gente vê ônibus com refrigeração por aí. Mas quando esquenta e precisam ligar o equipamento, parece que somem os carros — acredita a passageira.
O porteiro José Antônio Santos Lima, 59 anos, se incomoda com a barulheira dos ônibus mais velhos. Segundo ele, os carros vibram muito e as janelas frouxas emitem muito ruído, assim como os motores.
— Como a gente fica nesse trânsito de arranca e para, cada vez que o ônibus chega numa sinaleira fechada, fica uma barulheira, treme o carro inteiro — critica ele.
Mesmo com as regras estabelecidas no edital, há quem não se surpreenda com os descumprimentos. É o caso da fisioterapeuta domiciliar Camila Zanoni, 34 anos:
— Não via ônibus novos antes dessa licitação. Depois, não mudou muito. Já peguei coletivo com motor fazendo um barulhão, com marchas engasgando, sem freio. Dia desses, caiu a proteção de motor de um ônibus em que eu estava. Estão cada vez mais sucateados.