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Conquista da comunidade

Como o Instituto Federal mudou as vidas de moradores da Restinga na última década

Criado graças ao empenho da comunidade, Instituto Federal da Restinga mudou perspectivas e realidades de quem vive no bairro da Zona Sul. Instituição completa 10 anos em junho

27/06/2020 - 17h51min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Atualmente, em função da pandemia, não estão ocorrendo aulas no local

Se tem algo do qual os moradores da Restinga, bairro do extremo sul de Porto Alegre, podem se orgulhar, é de seu empenho em conquistar o que querem. Para uma comunidade que tem a luta e a resiliência como traços de sua história desde o início, se engajar em causas que qualifiquem a região é uma exercício constante. E toda essa união fez da Restinga uma das poucas comunidades do país que, graças ao empenho de seus moradores, conquistou um campus do Instituto Federal (IFRS). Nesta semana, a unidade completou sua primeira década de vida. A fundação foi no dia 26 de junho de 2010.

Quem ressalta a importância de lideranças comunitárias na escolha da Restinga como sede para o IFRS é um professor que fez parte do comitê de implantação e foi o primeiro diretor da instituição, Amilton de Moura Figueiredo, 43 anos.

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— O que me marca nesta história da Restinga é que a ideia da escola técnica nasce dos líderes comunitários, pessoas mais velhas, mas que se empenharam numa luta para garantir o futuro das próximas gerações — analisa Amilton.

A marca da comunidade está até hoje no campus. Além de projetos de extensão e espaços abertos para moradores que não estudam do local, o IFRS da Restinga é um dos poucos que tem, em seu conselho gestor, três cadeiras reservadas para pessoas da comunidade, responsáveis por participar de discussões que envolvam a unidade.

Luta

Essa abarcamento do povo da Tinga para conquistar uma escola técnica começa alguns anos antes de 2010. Resumidamente, num seminário sobre educação, em meados de 2006, uma empenhada moradora da Restinga ouviu que o Governo Federal pretendia implantar diversas escolas técnicas Brasil afora. Curiosa, ela foi saber o que seria necessário para seu bairro fosse contemplado pela medida. Iniciou-se aí a luta da líder comunitária Maria Guaneci Marques de Ávila, hoje com 62 anos, pela implantação do espaço na zona sul da Capital. Outros moradores, claro, também se empenharam na luta. Conforme Maria, foram cerca de 15 pessoas engajadas na Comissão de Implantação da Escola Técnica na Restinga, a qual ela presidiu.

— Foi luta do começo ao fim. Muitas audiências públicas para convencer o poder público municipal de entrar com a contrapartida que era necessária, para definir os cursos, para convencer a comunidade da importância do espaço. Hoje, quando chego lá e vejo a cidade que aquele campus se transformou, vejo como todo nosso empenho valeu a pena — comemora a líder comunitária, que participou de uma transmissão ao vivo, ontem, na página do IFRS Restinga nas redes sociais para comemorar o aniversário de 10 anos.

Envolvimento

A cidade, como Maria Guaneci se refere ao campus, tem hoje mais de 1,2 mil habitantes, ou melhor, alunos. Isso sem contar outros 704 que já se mudaram, ou melhor, formaram-se nos cursos técnicos ou superiores. Aliás, a implantação do Ensino Superior foi outra vitória. Com, isso, um jovem da Restinga pode estudar desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até a faculdade sem sair do bairro. Mas, essa é uma causa na qual Maria ainda acha que o bairro precisa envolver-se mais.

— Quando comecei a lutar pela escola, eu não precisava mais estudar, meus filhos já estavam terminando o Ensino Médio. A preocupação era com as outras pessoas da nossa comunidade, da cidade. Hoje, temos muitos alunos de fora da Restinga, que são sempre bem-vindos. O meu desejo é que a comunidade abrace mais essa ideia, que conheça essa estrutura incrível que fica no seu próprio bairro. Precisamos nos apropriar mais do que é nosso — deseja ela.

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"Eu nem sabia que existia faculdade de graça"

Tanto lideranças comunitárias quanto membros da escola concordam ao ressaltar que a implantação do IFRS na Restinga mudou as realidades e perspectivas de quem vive ali. Entre os mais de 700 formados até hoje, é possível encher mãos e mãos com histórias de quem nem sequer tinha planos para depois que o Ensino Médio terminasse, se é que o aluno conseguisse chegar nessa etapa. 

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Denner e Nic se conheceram no campus

Em 2013, Denner Euzébio da Rocha, hoje com 25 anos, estava entre os privilegiados que acessaram o IFRS. Cursando o Ensino Médio Integrado com Técnico em Eletrônica, ele começou a entender como a educação poderia alterar a sua realidade, aquela de quem cresce ne periferia. Com o empenho na instituição, além das aulas, o jovem conseguiu estagiar no mesmo local, em um dos diversos laboratórios do instituto. E com a chegada de cursos de Ensino Superior na unidade, Denner vislumbrou uma opção que nem sabia existir: cursar uma faculdade pública.

— Eu comecei a conhecer pessoas do IFRS e vi como eles tinham perspectivas que eu não tinha. Até os 17 anos, eu nem sabia que existia faculdade de graça. Hoje, eu vejo que outros jovens já sabem que eles tem essa opção dentro da Restinga, mostra como o local está consolidado — diz Denner, comparando gerações.

Depois do Ensino Médio, o rapaz chegou a participar de um programa de docência nas áreas de cinema e teatro antes de ingressar na faculdade de Análise e Desenvolvimento de Sistemas, em 2017. A faculdade lhe permitiu estagiar por dois anos e agora, no início de 2020, Denner ingressou num emprego formal na área de formação, como desenvolvedor de automação de testes. O coronavírus deu uma pausa nas aulas, que estão suspensas. Mas, por suas contas, assim que as atividades voltarem, Denner deve estudar cerca de mais um ano para obter o segundo diploma no IFRS da Tinga.

Conquistas

O desenvolvimento pessoal que os estudos tiveram na vida de Denner trouxeram outra surpresa. Neste ano, assim como o emprego novo, ele conseguiu a mudança para a casa própria, um apartamento adquirido no bairro Hípica, não muito longe da Restinga, onde cresceu e onde ainda mora sua mãe. 

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— A influência do IFRS na minha vida foi gigante. A pessoa com a qual me casei estudou lá, nos conhecemos no campus. Entrei lá, vindo de uma escola pública sem nenhuma perspectiva de evolução, sou filho de motorista de ônibus e dona de casa. Até hoje, só conheço uma pessoa na minha família que tem formação superior, eu vou ser o segundo — comemora Denner, que casou-se e divide a casa com Nic Rabelo, 21 anos, também estudante do IFRS no Ensino Médio integrado com Técnico em Informática para Internet e que, hoje, trabalha na mesma empresa que Denner e cursa faculdade de psicologia noutra universidade.

E não foi só o rapaz que mudou sua realidade. Inspirada por seu filho, a dona de casa Sônia Baltazar, 58 anos, resolveu concluir os estudos através dos cursos de Educação para Jovens e Adultos (EJA) oferecidos no local. Atualmente, ela está na fase correspondente ao Ensino Médio, cursando o EJA integrado com curso técnico de agroecologia. Para o futuro, deseja ser a terceira pessoa da família com diploma do Ensino Superior.

Ensino entre gerações

Se na história de Denner, a mãe ficou inspirada em estudar, no caso de Lisandra Soares da Silva, 44 anos, a inspiração foi para o filho. Peterson Willian Silva de Oliveira, 22 anos, tinha problemas com o Ensino Médio, reprovou nesta etapa em duas escolas. Como lembra a mãe, ele não gostava muito de ir à aula. Estava mais interessado em começar a trabalhar para ajudar em casa. Foi então que Lisiane viu um edital aberto para cursar o Ensino Médio Integrado com curso técnico em Lazer.

— Achei que era mais importante ele estudar do que começar a trabalhar cedo — conta ela.

Colegas

Só que a mãe não apenas instigou o filho a se inscrever. Ela mesma também matriculou-se e tentou a vaga. Assim, mãe e filho viraram colegas e, em março do ano passado concluíram os estudos. Hora de parar? Nem pensar. Logo, a dupla já aproveitou a "faculdade no quintal de casa" e emendou o Ensino Superior. Peterson foi para o curso de Tecnologia em Processos Gerenciais e Lisandra permaneceu na área abordada no Ensino Médio, está no curso de Guia de Turismo.

Arquivo Pessoal / Divulgação
Mãe e filho finalizaram juntos os estudos

— Meu primeiro contato com o campus foi a procura deste curso. Porém, como não tinha o Ensino Médio completo ainda, não pude ingressar. Agora, deu tudo certo — comemora ela.

Pandemia interrompeu aulas

O ano de 2020 não será lembrado de maneira positiva. Marcado por um pandemia que paralisou atividades no mundo inteiro, os 365 dias que marcam esse ciclo mudaram a vida de muita gente. E na educação não foi diferente. A reitoria do IFRS, que envolve as 17 unidades do Rio Grande do Sul, paralisou as aulas em março. Desde então, nem à distância os estudos continuaram. Para alguns alunos, optar por estudar é deixar de tentar um trabalho para trazer renda à família. Por isso, estudantes de baixa renda recebem uma bolsa-auxílio da instituição. Durante o período de pandemia, o chamado Auxílio Estudantil foi mantido para estas pessoas.

Atual diretor do IFRS Restinga, o professor Rudinei Müller, 55 anos, ressalta que mesmo que as aulas estejam paradas, os servidores seguem trabalhando remotamente em projetos e atividades com envolvimento na comunidade.

— Alguns professores, inclusive, seguem trabalhando no campus em projetos de extensão ligados à pandemia, como produção de álcool gel, sabão líquido, máscaras e até protetores faciais de plástico — conta o diretor.

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Professores Luciano Furlan (E) e Felix Nicolai Delling no laboratório de química

Este ano foram aprovados 12 projetos de ensino, 12 de pesquisa e 14 de extensão. Os estudantes podem atuar junto aos projetos como bolsistas ou voluntários. Para as aulas presenciais, entretanto, ainda não há previsão de retomada.

Saiba mais sobre o IFRS da Restinga

/// O IFRS da Restinga foi inaugurado em 26 de junho de 2010.

/// Apesar de hoje ter um campus fixo, no primeiro ano e meio de funcionamento, as aulas eram em um prédio alugado em outro ponto da Restinga.

/// Quando os alunos foram para o prédio atual, a obra ainda não estava pronta. Isso 

/// Atualmente, 1.255 alunos estão matriculados em 44 turmas da unidade. Ao longo dos 10 anos, 704 estudantes se formaram.

/// A estrutura do campus conta 11 salas de aula, seis salas temáticas, 13 laboratórios, auditório, Incubadora, sala de estudo, biblioteca e lancheria. 

/// O acervo da biblioteca é composto por mais de 3.060 títulos e 7.980 exemplares de livros, além de conteúdos em bibliotecas digitais. À comunidade é permitido consultar o acervo localmente.

/// São oferecidos 11 cursos nos níveis médio, técnico integrado, EJA e superior.

Cursos oferecidos

Ensino Superior

/// Licenciatura em Letras Português e Espanhol

/// Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas

/// Tecnologia em Eletrônica Industrial

/// Tecnologia em Gestão Desportiva e de Lazer

/// Tecnologia em Processos Gerenciais

Técnicos Integrados ao Ensino Médio

///Eletrônica

/// Informática

/// Lazer

Técnico Subsequente ao Ensino Médio

/// Guia de Turismo

Técnicos Integrados ao Ensino Médio para Educação de Jovens e Adultos (EJA)

/// Agroecologia

/// Comércio

Inscrições

/// Para ingressar é preciso passar por processo de seleção (para todas as pessoas interessadas), de transferência (para aqueles que estudam em outra instituição e em curso de mesmo nível) ou de Ingresso de Diplomado (para quem já possui diploma no mesmo nível de ensino e forma). 

/// É possível acessar os últimos processos seletivos no Portal de Ingresso.

/// Porém, em razão da pandemia, todos os processos de ingresso estão suspensos, no momento.



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