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Entrevista

"Significa levar esperança para a população", diz coordenador de testes com vacina chinesa contra coronavírus em Porto Alegre

A dois dias do início da aplicação de doses, Fabiano Ramos destaca perspectivas para resultado positivo do imunizante

06/08/2020 - 21h11min


Camila Kosachenco
Camila Kosachenco
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Bruno Todeschini / Divulgação
Doses foram entregues na segunda-feira (3) em Porto Alegre

A partir de sábado (8), uma equipe do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) fará parte, na prática, de uma das pesquisas mais importantes da história recente: o estudo que avalia a eficácia e a segurança da vacina contra coronavírus desenvolvida pela chinesa Sinovac. Nesse dia, os primeiros 10, do total de 852 voluntários selecionados, receberão as doses do imunizante. 

Apesar de a vacinação começar no sábado, o grupo de pesquisadores está sendo preparado e treinado há semanas. À frente do estudo no Rio Grande do Sul, o chefe do Serviço de Infectologia do hospital, Fabiano Ramos, admite ansiedade pelo que está por vir, mas se diz confiante em todo o trabalho feito até agora sob coordenação geral do Instituto Butantan, de São Paulo. 

 —  É muito desafiador. Todo o mundo está olhando para a vacina. Tem muitas críticas, mas do ponto de vista pessoal, o que tenho em mente é que a gente está seguindo os passos da ciência. Muito já se fez nesta pandemia pela necessidade de dados rápidos, muita coisa foi atropelada em termos de tratamento  —  avalia. 

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O time completo que participa do estudo ainda conta com outros médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, biólogos e farmacêuticos. A dois dias do início da vacinação, o coordenador do braço gaúcho do estudo conversou com GaúchaZH


Como estão os preparativos?
Começamos no sábado a abertura do centro, como a gente diz. Ao todo, serão 12 centros do país. Sexta-feira teremos treinamento com auditores externos para repassar a logística. No sábado, vem algum representante do Butantan para fazer a abertura da vacinação. Temos a previsão de, inicialmente, vacinar 10 pessoas. Em seguida, damos uma pequena parada para revisar todos esses casos iniciais e, na sequência, retomamos. Essa pausa é para avaliar se tudo foi feito adequadamente, se toda a logística foi cumprida, se teve problema em alguma das etapas, porque tem coleta de exames, uma série de preenchimento de requisitos, então tudo isso precisa estar correto. Depois disso, o projeto deve seguir continuamente. Na metade da semana que vem, continuaremos, incluindo sábado e domingo direto ao longo de dois meses.

Como está sendo conduzido o treinamento?
Todos já estão sendo treinados. Uma parte do time já é da equipe da pesquisa da infectologia. Uma parte já trabalhou e trabalha com a vacina da dengue e outra está sendo preparada. Por ter essa experiência na logística de trabalhos com vacina é que o nosso centro foi escolhido. É bastante trabalho incluir mais de 850 pessoas em dois meses. Cada pessoa fica no centro por até duas horas. Não é chegar e aplicar. Para ser incluída, a pessoa não pode ter sido infectada, então realizamos um teste que é feito em uma máquina. Tem o treinamento de uso desse equipamento e os resultados vão para um banco de dados. Leva bastante tempo. 

Como é feita a triagem dos voluntários?
Temos mais de 5 mil candidatos. A prioridade são os profissionais da área da saúde. Quando filtramos, vemos que várias pessoas não são. Depois, verificamos os profissionais da área da saúde que estão na linha de frente, que atuam em unidades de terapia intensiva (UTIs), emergências em áreas covid-19 e pessoas que trabalham em laboratórios, por exemplo. Também avaliamos se são indivíduos que moram em Porto Alegre ou próximo, pois há vários retornos ao centro de pesquisa programados para além da segunda dose. Se tiver alguma reação à vacina, se ficar doente, tem que voltar. Além disso, há retornos previstos para a coleta de exames. São, pelo menos, seis visitas ao centro. É importante que os voluntários não venham fazer a vacina e vão embora. A retenção deles é um desafio. Tem a empolgação do momento, muita gente de fora querendo fazer, mas a gente sabe que, depois, o retorno é muito complicado. 

Qual é a composição da vacina?
É uma vacina de vírus inativado. Se fôssemos comparar, seria como a da gripe. É uma tecnologia bem conhecida do Butantan. Essa dose foi desenvolvida na China, a partir de uma vacina que já estava em estudo para o sars-cov (que provocou, em 2002, a síndrome respiratória aguda grave, conhecida como sars). Se transferiu a tecnologia para o sars-cov-2. Por este motivo, é uma das vacinas que saiu na frente, porque já tinha prévia. 

Se ela for aprovada, deverá seguir em duas doses como está sendo feito no estudo?
Em princípio, estudos iniciais usaram duas doses com tempos de aplicação diferentes. Então, se optou por essas duas doses por ter apresentado proteção maior. Mas vamos avaliar a produção de anticorpos ao longo do tempo. Está planejado para duas doses, com o desenrolar talvez tenhamos resultados que possam ser diferentes.

Há algumas críticas e até desconfianças por ser uma vacina desenvolvida na China. O que o senhor diz a essas pessoas?
Desde o início da pandemia, os dados chineses foram, de alguma forma, duvidosos. Mas em relação à vacina, o que posso dizer é que tem o Instituto Butantan por trás e isso nos dá uma confiança muito grande. Eles não avaliaram só essa para trazer para o Brasil. Tiveram muitas outras oportunidades e escolheram essa. Todo o conhecimento do Butantan no desenvolvimento de imunizantes nos chancela uma vacina com muito potencial de proteção e segurança para a população. Há a garantia da avaliação criteriosa feita por quem mais entende do assunto. 

Como será a avaliação do estudo?
Vamos acompanhar todos por um ano. O estudo vai desde a parte clínica, para ver se os voluntários vão desenvolver a doença ao longo do tempo, até o acompanhamento de exames de anticorpos para entender por quanto tempo ela induz a proteção e se eles são anticorpos neutralizantes. 

Qual a importância desse momento para o São Lucas e também para o senhor?
É um momento histórico de importância enorme. Hoje, todos os centros de pesquisa gostariam dessa oportunidade de testar uma vacina que pode realmente modificar o rumo das nossas vidas que, atualmente, estão bastante bagunçadas. É fantástico. Para a universidade, para o hospital, para as equipes, significa levar esperança para a população. É desafiador e gratificante. Obviamente, esperamos que tudo dê certo. O mundo todo está olhando para as vacinas. Vou levar essa participação para a minha vida sabendo que a gente fez a coisa certa. Esperamos que a vacina realmente funcione, seja segura e proteja, mas se não acontecer, sabemos que estamos no caminho certo, não fizemos nada de errado buscando bons resultados. 


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