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Solidariedade digital

Vizinha compartilha sinal de internet para que auxiliar de serviços gerais prossiga em sua alfabetização  

Amizade surgida na Capital possibilita que mulher de 49 anos não desista de aprender a ler e escrever.

18/08/2020 - 05h00min

Atualizada em: 18/08/2020 - 05h01min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Carmem continua seus estudos com o apoio de Maria (ao fundo), que lhe empresta o wi-fi

Esta é uma história daquelas que mostram que nunca é tarde para aprender, e que também sempre é possível ajudar o próximo. É a história da auxiliar de serviços gerais Carmem Regina Estreito da Fonseca,  49 anos, que recentemente decidiu aprender a ler e escrever, e da pensionista Maria Beatriz Piccini Borges, 59 anos, que, comovida pela falta de internet da vizinha, resolveu compartilhar seu sinal de wi-fi.

Carmem, que é de Viamão, não conseguiu ir à escola quando deveria. Frequentou a 1ª série, mas nem chegou a completá-la. Perdeu o pai ainda jovem. Problemas ocasionados pela depressão a afastaram dos estudos. 

– Minha mãe passou muito trabalho comigo – recorda.

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Pouco depois dos 20 anos, Carmem deixou a casa da mãe. Engravidou pela primeira vez aos 25. Teve duas filhas – Kátia, 24 anos, e Amanda, 19 –, mas sempre foi mãe solteira. O tempo ocupado pelo trabalho e a criação das gurias nunca a deixou espaço para a educação. 

Trabalhando há 10 anos no Retiro de Yoga e Meditação Ananda Marga, em Viamão, Carmem se afirmou nas funções ligadas aos serviços gerais. Com o passar do tempo, começou a dominar também as panelas, aprendendo com os cozinheiros do local. Entretanto, o sonho de dedicar-se ainda mais à culinária tinha um empecilho: não saber ler nem escrever. Uma das integrantes do grupo levou Carmem até o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee-RS), no centro da Capital, e a incentivou para fazer a inscrição no curso de alfabetização realizado ali. 

Para estar mais próxima, Carmem mudou-se para a Capital, alugando um pequeno espaço na Vila Farrapos. Como o local de trabalho também tem uma sede em Porto Alegre, pôde continuar se dividindo entre a cozinha e os serviços gerais. 

A volta aos estudos foi em julho do ano passado. Porém, para Carmem, os desafios não param.  No final do ano passado, enquanto voltava do trabalho, foi atacada e agredida nos arredores do Parque da Redenção, sem motivação aparente. Com fraturas no rosto e na costela, precisou passar por cirurgias e se afastar dos estudos. 

– Sou grata aos meus amigos e, principalmente, aos professores do Ciee-RS que me ajudaram nesse período, não me deixando desassistida em nenhum momento – agradece Carmem.

"Nunca é tarde para tentar"

Recuperada dos ferimentos, Carmem voltou aos estudos, mas as aulas foram suspensas em razão da pandemia. Com o passar dos meses, as atividades reiniciaram por meio do WhatsApp, para que os alunos do programa de alfabetização não perdessem o ritmo de aprendizado. O problema é que a renda de Carmem cobre apenas as despesas básicas. 

Jefferson Botega / Agencia RBS
Apoio para estudar faz a diferença

O pacote de internet fica de fora. De casa, ficaria impossível estudar. Então, aí surge o segundo sopro de esperança desta história. Em uma falta de luz no prédio, ela conheceu uma das vizinhas, a pensionista Maria Beatriz Piccini Borges, 59 anos. 

Ao relatar a dificuldade para seguir com os estudos por não ter internet em casa, Maria respondeu de pronto que poderia compartilhar a senha de seu wi-fi.

– Gostei da Carmem desde o primeiro dia que a vi, parece que foi um encontro dos nossos anjos. E quando ela falou que só faltava a internet para conseguir estudar, vi que era algo que eu poderia ajudar. Ela merece ser ajudada, é uma mulher muito batalhadora, uma pessoa muito boa. E se podemos fazer algo para ajudar alguém, porque não fazer? – diz Maria.

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Agora, com internet e a possibilidade de estudar em casa, Carmem está realizada. Já aprendeu a escrever o próprio nome. O sonho é embalar nos estudos, frequentar um curso de Educação para Jovens e Adulto (EJA), conseguindo a obtenção dos certificados de Ensino Fundamental e Médio, para depois ingressar de vez na área que tanto admira, a culinária.

– Eu vou fazer 50 anos e estou tendo essa chance maravilhosa. Nunca é tarde para tentar algo que a gente gosta – aconselha a cozinheira sonhadora.

O curso

- O Programa de Alfabetização do Ciee-RS foi criado no ano de 1998 e atende a uma parcela da população que não teve acesso ao ensino regular.

- A meta do programa é inserir jovens, adultos e idosos no mundo da leitura e da escrita, reduzindo, assim, os índices de analfabetismo absoluto e funcional.

- Em tempos normais, os encontros acontecem na unidade do Ciee-RS no Centro Histórico, nos turnos da manhã e tarde. O curso é totalmente gratuito, inclusive, os materiais didáticos.

- Em virtude da pandemia, as aulas são online, via WhatsApp. Ainda assim, as inscrições estão sempre abertas.

- A qualificação é restrita a moradores de Porto Alegre e Região Metropolitana.

- Informações sobre inscrições podem ser obtidas pelo telefone (51) 99961-5145, com Camila Alves.

- Também é possível entrar em contato pelo e-mail: camila.alves@cieers.org.br.


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