Amizade interrompida
Após ter cadela morta a tiro por comerciante, menino sonha em reformar praça para convívio de humanos e animais
Garoto de 13 anos pretende transformar dor da perda em força para criar ambiente de lazer em comunidade de Sapucaia do Sul
A dor do disparo que tirou a sua melhor amiga ainda é recente na vida do garoto Jackson Delavechia, 13 anos. Na segunda-feira (12), Dia das Crianças, ele presenciou a cadela Belinha ser morta com um tiro de pressão pelo comerciante do mercadinho onde foi fazer compras em Sapucaia do Sul. Apesar de ainda abalado, nesta quarta-feira (14), dois dias depois, o menino já planejou como pretende reagir: quer responder a um ato criminoso com um ato que contribua para a sua comunidade.
O garoto, que mora no Loteamento Nascer do Sol, uma comunidade simples organizada através de uma cooperativa de 380 famílias no bairro Boa Vista, sonha em reformar a única pracinha que existe na região. O espaço, que é mantido por moradores, tem plantas que foram cultivadas em pneus coloridos, uma parte com areia e goleiras para o futebol e um gramado irregular, além da casa de um cão, o Soneca. É bem cuidado, mas humilde. O objetivo de Jackson é melhorar a grama, colocar bancos e arranjar brinquedos "para animais e pessoas", como ele mesmo descreveu.
— O que me deixa tranquila é que ele teve uma atitude que surpreendeu a todos. Aqui, na frente de onde nós moramos, existe uma área de lazer e ele disse que vai trabalhar em prol disso agora. Quer reformar a pracinha e colocar o nome Pracinha Belinha Nascer do Sol. Eu, enquanto mãe, vou falar com quem for preciso para que isso aconteça — detalhou a funcionária pública que trabalha como vigilante de um posto de saúde Alexandra Moreira da Silva, mãe de Jackson, ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha.
A pracinha a que a família se refere fica na Avenida Juventino Machado, mesma via do mercado onde o crime aconteceu. Foi nesse ambiente que o menino brincou nos últimos oito anos com Belinha. No bairro, todos lembram da imagem de Jackson correndo no gramado com a cadelinha, ele atrás dela e ela atrás dele. Foi no mesmo terreno que ela foi enterrada, em um ato informal organizado pelo menino, que se encarregou de abrir a pequena cova e conseguir com um vizinho uma cruz.
Ainda abalado, Jackson está sendo preservado de entrevistas pela família. A ideia é que ele não reviva com frequência a dor de contar pelo que passou. Enquanto GZH conversava com a mãe, na frente da casa, o menino observava de canto de olho pela janela. Inquieto, pediu para a mãe para dar uma palavrinha ao microfone, o que foi autorizado — desde que fosse para falar sobre como sonha com a pracinha.
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— Quero que tenha brinquedos tanto para cachorro como para criança. Assim, todo mundo que quiser vir aí pode brincar com os filhos e os cachorros, para que todos se divirtam. Quero deixar algo bem legal, assim, com o nome dela — comentou o garoto.
O menino, segundo a mãe, ainda chora com frequência ao lembrar de Belinha e do que passou. Ao acordar, sentou e olhou por minutos para a praça, recordando os momentos que viveu com a amiga que estava na sua vida havia oito anos.
— Me emocionou muito a atitude que ele teve quando acordou e disse pra mim: "mãe, eu não vi ela, mas eu sinto a presença dela aqui no campo, sei que ela está por aqui". Isso comove a gente — detalhou a mãe.
O crime
Era pouco depois de 12h quando Jackson e um primo foram até o mercado próximo de sua casa para comprar bife empanado e hambúrgueres, o que foi pedido pela mãe. A ideia era servir aos garotos como parte da comemoração do Dia das Crianças. Belinha, como de costume, acompanhou o tutor até o mercado.
Segundo o relato de Jackson, a cadela esperou do lado de fora do estabelecimento. Logo em seguida, foi ouvido um tiro. Belinha havia sido atingida por um disparo de uma espingarda de pressão feito pelo comerciante Nelson Edison Martins Fagundes, 42 anos. O garoto ainda a socorreu, colocando-a em seus braços e correndo em direção a sua casa. No meio do caminho, vizinhos assustados o acudiram e o menino sentou-se no meio-fio. Ele clamava para que Belinha respondesse, mas o animal já estava morto.
— Ô, Belinha, tá me ouvindo? — clamava o menino, com os braços sujos de sangue da cadela, em vídeo que foi publicado em redes sociais.
Logo em seguida, Jackson voltou ao mercado, ainda com sua amiga desfalecida no colo. Segundo a mãe, ele quis confrontar o dono do estabelecimento do motivo de ter atirado. Ele questionou: "e se fosse a sua filha?". O homem, informou Alexandra, teria dito que queria só assustá-la e ainda respondido em tom de deboche: "que pena".
Martins foi levado pela Brigada Militar (BM) até uma delegacia em Canoas, onde foi preso em flagrante por maus-tratos a animais. O crime, no final de setembro, teve a pena aumentada e tornou-se inafiançável quando praticado contra cães e gatos. Após cerca de 27 horas na delegacia, um juiz plantonista determinou a soltura baseado na ausência de antecedentes, na existência de endereço fixo e por entender não haver necessidade de manutenção da prisão.
Nesta quarta-feira, o mercado amanheceu pichado com tintas que parecem ter sido jogadas direto de latas. O estabelecimento não reabriu. O prédio é alugado e, no segundo andar, mora uma família que não tem relação com o caso.
GZH tenta contato com a defesa do atirador para contraponto.
Como ajudar
Jackson recebeu doces de vizinhos e, segundo ele, "carinho nas redes sociais de pessoas que nem conhece". A mãe está mobilizada para tentar realizar o sonho da reforma da praça. Ela pode ser contatada através do número (51) 98106-5016.
Ouça a entrevista da mãe do menino e do delegado do caso ao programa Timeline: