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Sem EPIs nem manutenção, maioria das escolas estaduais não recebe alunos em dia de retomada

Calendário do governo previa retorno presencial a partir desta terça-feira. Na Capital, poucas instituições recebiam alunos nesta manhã

20/10/2020 - 20h34min


Tiago Boff
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Iarema Soares
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Mateus Ferraz
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Lauro Alves / Agencia RBS
Yan chegou 10 minutos antes do horário regular de aulas, no Instituto Rio Branco

A volta às aulas, autorizada pelo governo do Estado para os ensinos Médio e Técnico de escolas da rede estadual a partir desta terça-feira (20), foi marcada por instituições de ensino fechadas para o recebimento de alunos em Porto Alegre e em outras regiões do Estado. Na Capital, muitas estavam abertas apenas para o aguardo dos equipamentos de proteção prometidos (EPIs) pelo governo ou para adequação de espaços.

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Às 7h20min, 10 minutos antes do horário regular de início das atividades, Yan Ramos Viana, de 18 anos, chegou ao Instituto Rio Branco, no bairro Santa Cecília. Encontrou portões com cadeados e janelas cerradas. Aluno do último ano do Ensino Médio, ele vê com preocupação um possível retorno.

— A estrutura é precária, é perigoso. Por mim, não voltaria — avalia.

Ao lado da instituição, o contraste: privado, o Colégio Israelita recebia professores e alunos, em um esquema de drive-in, sem acesso dos familiares ao prédio. As aulas no Israelita, assim como na maioria da rede privada, retornaram nesta segunda para Educação Infantil e algumas para Ensino Médio.

Em duas com atividades, recreio extinto e turmas divididas

Uma das poucas escolas abertas para a retomada de atividades presenciais encontrada em ronda da reportagem em Porto Alegre era o Colégio Dom João Becker, no bairro Passo D'Areia, na Zona Norte. 

— Eu voltei pra não sair do terceiro ano sem aprender nada — definiu Leonardo Furtado Morrudo dos Santos, 18 anos. 

Lauro Alves / Agencia RBS
Colégio Dom João Becker foi um dos únicos da Capital a ministrar aulas na manhã desta segunda

A aula de história a qual Leonardo frequentou tinha outros dois alunos: Jordana Metzler e Lúcio Júnior Rodrigues Lacchini, ambos de 17 anos. O professor lecionava sobre o passado do Brasil, e retomava os governos ditatoriais do país, encontro com pouco mais de uma hora de duração. Na sequência, a turma teria ainda lições de biologia, finalizando o turno de três horas de aula. 

— Não era o momento de voltar. Eu vivo com pais idosos e tenho medo — opina o professor Nei Nordin, 51 anos.

Na chegada à instituição, a temperatura dos alunos foi aferida e os calçados higienizados em um tapete encharcado por produtos de limpeza. Totens de álcool em gel tinham fácil acesso, e os profissionais usavam máscaras – compradas com verba própria do colégio, segundo o vice-diretor, Cláudio Cardozo. O Estado enviou o medidor para atestar febre e produtos sanitários, faltando as proteções para boca e nariz. Das adaptações necessárias, faltou a sinalização do piso.

— Nesse momento, temos pouco movimento, por isso não instalamos ainda — justifica o gestor.

O recreio foi extinto pela instituição, a fim de evitar aglomerações, e a ida ao banheiro somente foi permitida a uma pessoa por vez. A educação física também foi suspensa temporariamente. 

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Dos 12 alunos, metade era do terceiro ano, três do segundo e outros três do primeiro. A escola dividiu as turmas: dos 420 matriculados no Ensino Médio, 150 foram convocados hoje de manhã, e outros 150 poderão acessar a sala no mesmo turno desta quarta-feira. A tarde também foi dividida em dois dias, com 60 estudantes em cada. Os demais adolescentes e jovens atendidos são dos dois cursos técnicos, de informática e química, totalizando os 550 alunos da instituição.

— À noite, esperamos mais gente, pelo perfil de já estarem no mercado de trabalho, e muitos fazerem estágio — complementa o vice-diretor.

Acompanhada da mãe, Vitória Santos, 16 anos, foi ao prédio para informar que não vai frequentar as atividades presenciais.

— Na escola, aprendemos mais, só que em casa é mais seguro. 

Em Montenegro, a Escola Estadual Técnica São João Batista, que tem cerca de 400 estudantes do Ensino Médio no turno da manhã, apenas 25 compareceram nesta terça. Os alunos foram divididos em três turmas, separadas por série. Cada grupo acessou o prédio da institiuição por uma entrada diferente. Professores se revezaram para lecionar quatro períodos, de 45 minutos cada um.

A quarta turma que recebeu lições presenciais foi a do curso técnico de Eletrotécnica. Neste caso, a adesão foi maior. Todos os 20 alunos da turma compareceram para a aula prática em laboratório.

Diretora da escola, Juliana Cabreira Bender relata que o espaço recebeu limpeza sanitária realizada por uma empresa especializada. Os estudantes encontram tapetes sanitizantes e álcool gel e têm a temperatura aferida no acesso ao local.

— Quero frisar que, desde março, quando começou o ano letivo, já tinha a pandemia, começamos a adquirir EPIs, material de limpeza. Nosso esforço foi, principalmente, em razão dos nossos cursos técnicos de Química e Eletrotécnica, das disciplinas práticas. Os professores assinalaram dificuldades de ministrar aulas práticas a distância — relata.

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A diretora também pontua que a instituição ainda não recebeu os EPIs e demais materiais que a Seduc anunciou que irá enviar às escolas. O baixo número de estudantes já era esperado pela direção, que entrou em contato com as famílias previamente. Todas os anos estão recebendo lições de forma remota. A Escola Técnica São João Batista tem 810 alunos, divididos em ensinos médio e técnico. À tarde, são esperados cerca de 20 estudantes do Ensino Médio.

Dia 20 é "ponto de partida", diz Seduc

Segundo o governo do Estado, a previsão era de que 30% das 1.108 instituições teriam atividades já nesta terça. No entanto, nesta manhã, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) ressaltou, por meio de nota, que o dia 20 "significa um ponto de partida": "A partir do dia 20, as escolas estão autorizadas a abrir, mas só se estiverem absolutamente adaptadas com as regras definidas pelas Secretarias da Educação e da Saúde".

Na Escola Estadual de Ensino Médio Infante Dom Henrique, que fica no bairro Menino Deus, não havia qualquer tipo de movimentação de professores, alunos ou demais funcionários que indicasse ponto de partida para retomada dos trabalhos presenciais.

Em frente aos colégios Protásio Alves, no bairro Azenha, e Inácio Montanha, no Santana, o cenário foi o mesmo, sem qualquer  movimentação que indique atividades. 

Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Colégio Júlio de Castilhos também amanheceu fechado

Próximo dali, um dos maiores colégios de Ensino Médio da rede estadual também não estava aberto: o portão do Colégio Júlio de Castilhos estava trancado com uma grossa corrente de ferro. Na porta de entrada da instituição, havia uma faixa com os dizeres "escolas fechadas, vidas preservadas".

No bairro Auxilidora, de portas fechadas, o Colégio Estadual Piratini não recebia alunos nesta manhã. O mesmo ocorria no Paula Soares, no Centro Histórico.

Abertas, mas no aguardo de EPIs e manutenção

O Colégio Estadual Florinda Tubino Sampaio, no bairro Petrópolis, estava aberto, mas não para o retorno das aulas presenciais. Segundo a vice-direção, o plantão é para a chegada de EPIs, e a previsão de retorno é para novembro, pois também faltam sinalizações e faxina geral, instalação de pias, entre outras reformas. 

No bairro Jardim Botânico, a reportagem deparou com um eletricista acessando o Colégio Estadual Professor Otávio de Souza. Logo na entrada do pátio, uma calha estava tombada em meio a terra preta acumulada. O prédio sofreu com infiltrações no semestre que esteve fechado, o que obrigou a diretoria a iniciar a obra.

A reforma, segundo a vice-diretora, Simone Langer, é bancada por uma verba extra disponibilizada pela Seduc. Além de ter de esperar pelo fim dos trabalhos para anunciar a retomada das aulas aos 380 alunos do Ensino Médio, ela afirma ser necessária uma faxina geral na instituição. E reclama de ter recebido, até o momento, apenas os termômetros do material prometido para os protocolos de segurança.

— Estamos aqui, como a Seduc pediu, das 8h às 18h, todos os dias aguardando — afirma.

O plantão à espera dos materiais também ocorre no Colégio Florinda Tubino Sampaio, no bairro Petrópolis. Nada chegou, segundo a vice-diretora, Sheila de Souza Ramiro. Ela teme outro problema estrutural: a falta de pias para lavar as mãos.

— Colocamos um encanamento perto da porta, mas ainda não foi instalado — explica.

No saguão, outro lavabo de tijolos, revestido por uma louça branca, tinha muita sujeira acumulada. Seis tubos para saída da água são vistos. Porém, nenhuma torneira. 

Menos de 10% dos 534 alunos do Ensino Médio pretende frequentar o ensino presencial, segundo uma pesquisa realizada juntos às famílias dos alunos. Somando-se os matriculados na Educação Básica, são 820 estudantes. 

O Colégio Professor Júlio Grau, bairro Santa Maria Goretti, tem 1,2 mil alunos, entre ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA). No prédio com ampla quadra de esportes, o trabalho ficou por conta de três servidoras que realizavam a limpeza do pátio. Tapetes foram colocados ao sol. A faxina foi a única atividade possível de ser realizada. Segundo a diretora, Danielle Cabral, apenas os produtos sanitários chegaram até o momento.

— Ainda falta muito para reabrir — diz.

A Escola Técnica Estadual Parobé, no Centro Histórico, tinha movimentação tímida de funcionários da portaria e a presença das vice-diretoras do turno da manhã e da tarde. Além disso, alguns funcionários faziam reparos na elétrica do prédio. O colégio centenário recebeu mais de 5 mil litros de álcool 70%, máscaras descartáveis, adquiriu produtos de limpeza, comprou 140 borrifadores, ganhou tapetes sanitizantes, quatro termômetros, e comprou outros quatro.

Contudo, o problema da escola é outro: a infraestrutura das salas. Há anos as janelas enfrentam um problema crônico na abertura. Como solução, tempos atrás, muitas delas acabaram sendo lacradas para que a estrutura metálica não caísse.

A questão é que, com a chegada da pandemia e a necessidade de as pessoas ficarem em ambientes com ventilação, criou-se a impossibilidade de retorno às aulas, explica a vice-diretora da manhã, Cláudia de Andrade:

— A gente quer voltar, estamos todos os dias aqui para que isso seja possível, mas os ambientes não têm a mínima circulação de ar. Além disso, as janelas que não estão lacradas estão impedidas de serem abertas por não terem suporte de sustenção para que fiquem na posição que a gente precisa.

Outro problema que a escola, com mais de 2,5 mil alunos, enfrenta é a falta de recursos humanos, diz Débora Borges, vice-diretora da tarde:

— São milhares de alunos. Temos apenas oito pessoas responsáveis pela limpeza, mas precisamos de, no mínimo, mais outras 15 para fazer a manutenção constante de maçanetas, corrimãos etc. Outra deficiência que enfrentamos é a falta de monitores para acompanhar se os protocolos de segurança estão sendo seguidos pelos estudantes.

A direção da escola relata que, atualmente, eles têm somente um monitor, mas precisariam de, no mínimo, nove.

Indignação de pais

No bairro Floresta, o Colégio Marechal Floriano Peixoto tinha apenas professores e uma faxineira trabalhando na limpeza do pátio e salas de aula. Segundo a direção da escola, até o momento, chegaram somente quatro termômetros enviados pelo Estado:

— Não temos máscaras, álcool, os tapetes, nada. Não temos a mínima condição de reabrir as portas dentro deste cenário de abandono. E toda essa insegurança e medo, justificado em relação a pandemia, afasta a comunidade escolar. Dos 483 alunos que temos, 70 responderam o formulário de retomada dos trabalhos presenciais. Deste montante, só nove alunos querem voltar — diz Silvia dos Santos, diretora da instituição. 

Marinei Galvão, 51 anos, foi até ao colégio justamente para entregar o termo em que demonstra a sua insatisfação e insegurança com a retomada das aulas:

— Não tenho segurança alguma em mandar meu filho para escola sabendo que não há suporte e o mínimo para os protocolos de segurança serem seguidos. Seria um risco desnecessário. Não é o ideal, mas prefiro que ele continue com as aulas online.

Cpers diz que relatos são de falta de EPIs

O Cpers-Sindicato mantém a posição contrária ao retorno das aulas. Na manhã desta terça-feira (20), a presidente da entidade, Helenir Schürer, visitou escolas da região central da Capital e recebeu relatos de diretores quanto à falta de equipamentos de proteção individual (EPIs). Representantes da Escola Técnica Ernesto Dornelles afirmaram que, diferentemente do afirmado pela Secretaria Estadual da Educação, não houve a tentativa de entrega dos produtos.

— A direção está em regime de plantão desde 5 de outubro, mas até agora não chegaram os EPIs. Além disso, ainda não tem plano de contingência. Ninguém quer se responsabilizar por assinar o atestado para a volta das aulas. Nossa posição segue a mesma. Não dá pra voltar sem testagem em massa. Estão somente medindo a febre dos alunos — pontua Helenir.

Cronograma

O cronograma de retorno das aulas presenciais na Rede Estadual de Ensino segue as seguintes datas:

  • Ensino Médio e Ensino Técnico: a partir de 20 de outubro
  • Ensino Fundamental – Anos Finais: a partir de 28 de outubro
  • Ensino Fundamental – Anos Iniciais: a partir de 12 de novembro




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