Notícias



Moinhos de Vento

Zelador do Parcão: quem é o homem que há quase 40 anos cuida de um dos principais parques de Porto Alegre

Ubirajara da Silva Santos, 54 anos, é responsável pela área verde de 115 mil metros quadrados

08/10/2020 - 20h50min


Tiago Boff
Tiago Boff
Enviar E-mail
Lauro Alves / Agencia RBS
Bira chega ao parque às 6h e é responsável por alimentar os animais

Ubirajara da Silva Santos frequenta o Parcão diariamente e conhece o Moinhos de Vento como poucos em Porto Alegre. É considerado — até mesmo dentro da prefeitura — o "zelador" da área de 115 mil metros quadrados, apesar de, em contrato, ter o cargo de operário.

Dos 54 anos de vida, 37 já foram dedicados ao nobre espaço, de uma das regiões mais valorizadas do município. Morador de Viamão, ele reconhece não ter poder aquisitivo para transformar o local de trabalho em quintal de casa, mas se sente um pouquinho cidadão do bairro.

— Eu já sinto que moro aqui, sou como cidadão. A gente tem que ser cidadão pra conhecer os problemas. Se eu vir só pro meu trabalho, não vou resolver nada — afirma, sorridente, enquanto alimenta os animais.

Leia outras notícias do Diário Gaúcho

Em 1983, quando tinha apenas 17 anos, ele fez uma espécie de estágio com o próprio pai, que trabalhava na prefeitura e o ensinou a cuidar de toda a estrutura. Um ano após completar a maioridade, foi também contratado pelo Executivo.

O registro na Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams) data de fevereiro de 1985. Nas quase quatro décadas, dos dois empregos, ele diz ter tido outras propostas, todas rejeitadas.

— Eu tenho verdadeira paixão por isso aqui. O pessoal me conhece, é "Bira pra cá", "Bira pra lá", sempre me pedindo algo. Eu poderia trabalhar no (parque) Saint-Hilaire, por exemplo, que fica lá perto de casa. Mas não consigo — justifica, erguendo os braços no cenário colorido, como um artista no palco.

Bira chega ao parque às 6h, em dias úteis, e eventualmente em plantões de fins de semana. Na manhã desta quinta-feira (8), a largada do seu dia foi acompanhada pela reportagem, que constatou mais do que um trabalhador batendo o ponto: patos, marrecos, tilápias, tartarugas e algumas pombas não convidadas para o banquete o aguardavam nas proximidades do lago do Parcão. A revoada em busca dos grãos de milho e da ração atirados ao alto é instantânea.

Leia também
"É as guria!": cooperativa de reciclagem da Vila dos Herdeiros garante renda para mulheres chefes de família
Estudante da Restinga é selecionada para curso em Cambridge, na Inglaterra
Ex-morador de rua volta a estudar em busca de oportunidade de trabalho

Ele afirma que, segundo as ordens da prefeitura, poderia chegar ao local por volta de 8h. Mas inicia a jornada mais cedo para não deixar as centenas de "bichos de estimação" com fome.

— Eles me conhecem pelo barulho da caminhada. Vou chegando perto e nem preciso chamar, que já vêm para mim — explica.

Quando adolescente, o carinho pelos animais era muito menor do que o dispensado atualmente. Em casa, onde vive com a esposa e três filhos, residem também cinco cachorros e dois coelhos. "Culpa" da filha mais velha, conta:

— Ela gosta de resgatar. O último a gente pegou da rua, era para tratar e depois colocar para adotar. Acha que ela deixou? — questiona, retoricamente, com olhar desconfiado.

Lauro Alves / Agencia RBS
"Eles me conhecem pelo barulho da caminhada", diz o zelador sobre os animais do parque

Além de alimentar os animais que vivem soltos ao lado do moinho do Parcão, ele fiscaliza o mobiliário, confere bancos e equipamentos de ginástica, realiza ronda para constatar um eventual vandalismo e alerta as equipes de manutenção e de preservação sobre a necessidade de um serviço extra. Na primavera, tem o cuidado para não desmanchar os tapetes formados pelas flores caídas.

— O seu Bira dá a maior força. Esse lado aqui tá lindo — diz o representante comercial Renato Lopes, 65 anos, que interrompeu a corrida matinal para cumprimentar o servidor.

Leia também
Aos 70 anos, morador de Viamão participa de competições de videogame
Professoras viram personagens de contos de fadas em vídeos para alunos de escolas de Viamão

Ao afirmar que "esse lado" está bem cuidado, o representante compara a porção de terra próximo à Rua 24 de Outubro com a localizada após a passarela, em direção aos campos de futebol, trecho visivelmente inferior estruturalmente (veja abaixo o que diz a prefeitura). A reclamação paira sobre o "cachorródromo", e é reforçada por outro usuário, o desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira, 56 anos.

— O pessoal tem que olhar para essa parte aqui, que tem barro, portão quebrado e pouca iluminação — complementa o magistrado, ao lado do galgo Olavo, resgatado há um ano da praia do Laranjal, no sul do Estado.

Lauro Alves / Agencia RBS
Bira começou a trabalhar aos 17 anos

O zelador anota os pedidos, agradece e pede desculpas como um anfitrião que recebeu uma queixa de seus convidados. A sensação de pertencimento ao Moinhos de Vento é reforçada quando ele lembra das mudanças ocorridas no entorno.

— Aqui era tudo casa. Hoje, o contrário, só tem prédio. Mudou demais. Ainda assim é lindo. Imagina morar ali — aponta para o moinho, "imóvel" fora do catálogo das corretoras.

Dentre as histórias — algumas impublicáveis — ele cita os usuários da madrugada e as ocorrências relatadas à Guarda Municipal, responsável por inibir atos privados que por vezes são praticados em público. Danos à estrutura, por quem prefere depredar a preservar o espaço, pouco acontecem, segundo o zelador.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, deixou um pedido para quem circula com cães sem guia. 

— Às vezes eles atacam os patos, e isso é triste. Por favor, cuidem disso — clama o homem que mantém bem cuidado um dos mais belos espaços da cidade.

O que diz a prefeitura sobre as reclamações referentes à manutenção do Parcão:

"Com o objetivo de qualificar os parques e praças de Porto Alegre, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) mantém parcerias com entidades, empresas e pessoas físicas, que 'adotam' os espaços.

No caso específico do Parque Moinhos de Vento, a adotante já manifestou que tem previsão de realizar a manutenção de equipamentos no local ainda neste ano, incluindo o espaço do cachorródromo (a exemplo do portão citado)."

Entrevista de Ubirajara da Silva Santos à Rádio Gaúcha, na manhã desta quinta-feira (8):



MAIS SOBRE

Últimas Notícias