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Disputa

Catadores autônomos reclamam de multas aplicadas pelo DMLU em Porto Alegre

Apesar do departamento alegar que está cumprindo lei municipal de 2014, catadores relatam que fiscalização nunca foi tão incisiva e se dizem impedidos de trabalhar 

27/04/2021 - 05h00min

Atualizada em: 27/04/2021 - 12h11min


Alberi Neto
Alberi Neto
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Jefferson Botega / Agencia RBS
Roselaine (E) e Pedro dependem da coleta para sobreviver

O que a maioria de nós trata como descarte tornou-se alvo de uma disputa ferrenha desde o início deste ano. O lixo, ou melhor, a parte reciclável dele, é alvo de uma batalha entre catadores autônomos e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Os itens que são colocados nas lixeiras de casas, condomínios e contêineres especiais da coleta seletiva servem como forma de sustento para famílias da Capital, principalmente, de locais como a região das ilhas. Entretanto, uma lei municipal de 2014, que instituiu o Código Municipal de Limpeza Urbana, têm sido bem mais aplicada desde o início deste ano, como apontam catadores ouvidos pela reportagem.

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Pela legislação, somente o DMLU pode manejar resíduos sólidos urbanos, sendo por meios próprios ou por terceiros, de forma remunerada ou gratuita. Nesta conta, os catadores autônomos são subtraídos e, pior, quando flagrados catando lixo, são multados. 

O casal de recicladores Roselaine Ayres da Conceição, 46 anos, e Pedro Rogério Pellens da Cruz, 52 anos, depende dos resíduos para sustentar a casa e os cinco filhos — um menino de 14 anos, uma menina de 10 e trigêmeos de nove anos. No mesmo pátio onde vive, na Ilha Grande dos Marinheiros, ainda mora a mãe, Celene Aires da Conceição, 64 anos, e seu padrasto, Daniel Marcelino, 48 anos. Além de três netos criados pela mãe de Roselaine. 

Numa Kombi, o marido roda pela cidade em pontos chamados genericamente pela alcunha de "prédio". São locais fixos, desde condomínios, empresas, residências, onde os catadores têm permissão dos responsáveis para fazer o recolhimento — apesar da permissão, ainda assim, na prática, só a coleta seletiva do DMLU poderia fazer esse trabalho. E, depois disso, os catadores ainda rodam pelas ruas. Entretanto, é nesse caminho, de onde acaba vindo a maioria do resíduo coletado, que a fiscalização do DMLU intensificou-se. Roselaine está entre os catadores que foram multados pelo "roubo de lixo".

— É uma multa de R$ 4,4 mil. Não tenho a mínima condição de pagar. Além de nos impossibilitarem de trabalhar, ainda somos punidos com esses valores absurdos — lamenta ela. 

Protesto

Na semana passada, indignados com o arrocho na fiscalização, catadores foram até o Paço Municipal protestar, em busca de diálogo com a prefeitura. A ideia é construir uma alternativa ao caminho adotado pela gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB). Segundo catadores, a fiscalização diante do tema sempre foi focada em outras ações, não no impedimento do trabalho e na aplicação de multas. Venâncio Castro, 64 anos, trabalha como catador de resíduos desde que se conhece por gente. Morador da Ilha Grande do Marinheiros, ele está indignado com a "proibição da prefeitura em seu direito de trabalhar". 

— Temos muitos companheiros sendo multados mais de uma vez. É uma ação absurda, famílias dependem disso para sobreviver. Num momento em que a quantidade resíduos já diminuiu sensivelmente, fechar ainda mais o cerco sobre nós é crueldade — desabafa Venâncio.

Caminho

Mas qual seria o caminho correto? Em Porto Alegre, a coleta seletiva encaminha os resíduos para as 16 usinas de Triagem (UT) da cidade. São cooperativas de trabalhadores montadas em todas regiões da Capital. No total, 600 catadores são envolvidos na ação. Mas o número é pequeno diante do que existe na cidade, além de nem todos concordarem com o funcionamento das UTs e preferirem atuar de maneira autônoma. 

— Para nós, seria melhor ter o apoio do município para a venda dos resíduos, mas permitindo que cada um busque de maneira individual. Com as cooperativas e a coleta, acaba se reduzindo o ganho aos trabalhadores — acredita Venâncio.

Jefferson Botega / Agencia RBS
Roselaine faz a separação do lixo em uma área onde vive, na Ilha Grande dos Marinheiros

Alternativas na Câmara e no Executivo

Diante da movimentação dos recicladores em Porto Alegre, ações para mediar a situação ganharam espaço tanto no Paço quanto na Câmara. Conforme a assessoria de imprensa da prefeitura, depois do encontro com lideranças dos catadores na semana passada, "foi definido que os recicladores vão apresentar um levantamento de quantas pessoas estão envolvidas na atividade e qual o volume de material que recolhem". 

A partir desses dados, com auxílio do DMLU e das secretarias envolvidas, "será construída uma alternativa legal para a formalização da atividade". Entretanto, não foi estipulado prazo para que os trabalhadores apresentem os dados e, por consequência, que se inicie a criação do projeto.

Projeto de lei

Na Câmara Municipal, a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB) protocolou um projeto de lei complementar no dia 14 de abril. A intenção é incluir um parágrafo no Código Municipal de Limpeza Urbana para "desencobrir de infração grave punível com multas as pessoas recicladoras de resíduos sólidos que detêm sua subsistência de recolher, transportar e reciclar descartes de resíduos". Ou seja, retirar a possibilidade de multa aos catadores autônomos. 

No projeto, a parlamentar defende que "muitas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social tiveram sua situação extremamente agravada com o advento da pandemia de covid-19" e que "submeter esses trabalhadores e trabalhadoras a multas pelo exercício do seu trabalho, que muitas vezes é a única forma de sustentar suas famílias, pode aprofundar a situação de pobreza extrema que para a maioria delas já é realidade". O projeto encontra-se na Seção de Redação Legislativa, onde a proposição está sendo revisada.

Para onde vai o lixo?

Conforme o DMLU, são recolhidas em Porto Alegre, diariamente, o 1.126 toneladas de resíduos. Desse total, 51 toneladas são de recicláveis recolhidos pela coleta seletiva e encaminhados às UTs. As quase 1.100 toneladas restantes são de resíduos orgânicos e rejeito da coleta domiciliar. Ainda somam-se aos orgânicos e rejeito os resíduos públicos e as cargas recebidas na Estação de Transbordo da Lomba do Pinheiro. Assim, chega-se a um total de 1.640 toneladas por dia de material enviado para o aterro sanitário.

Mas, dentro desse lixo encaminhado para o aterro, estima-se que 252 toneladas ao dia têm potencial reciclável, mas são descartadas, indevidamente, junto com o lixo orgânico e rejeitos. Isso ocorre porque as pessoas separam o lixo incorretamente em casa. Tudo acaba sendo enviado para o aterro sanitário de Minas do Leão. E o custo total para enviar os resíduos com potencial de reciclagem para o aterro é de, aproximadamente, R$ 736 mil por mês, o que equivale a R$ 8,8 milhões por ano. "Valor que poderia ser investido em outras melhorias para a cidade se a maioria da população separasse os recicláveis e os encaminhassem à coleta seletiva", ressalta o DMLU.

Como fazer o descarte

/// Os resíduos recicláveis são os metais, plásticos, vidros, papéis e embalagens longa vida. Todos podem ser encaminhados para a coleta seletiva. 

/// Para saber os dias e horários em que a coleta passa no seu bairro, basta acessar o site da Coleta Seletiva.

/// No site, digite seu endereço e o número da sua residência. 

/// A coleta vai onde os caminhões podem acessar. Por isso, em caso de um local de difícil acesso, é possível consultar a data e horário de coleta em alguma rua ou avenida próxima.

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