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Bebida que vale ouro

Acampamento Farroupilha: conheça a história da garrafa de cachaça enterrada como se fosse tesouro de pirata

Tradição começou há uma década como brincadeira entre dois piquetes no Harmonia

30/08/2022 - 22h13min


André Malinoski
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A maior parte dos 230 piquetes já está montada no Acampamento Farroupilha, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia), em Porto Alegre. O acendimento da Chama Crioula, em 7 de setembro, vai inaugurar oficialmente a abertura do evento deste ano, que marca o retorno presencial dos participantes e do público ao Harmonia.

Nessa segunda-feira (29), era possível ver os últimos galpões sendo erguidos, o vaivém de pessoas pilchadas carregando material de construção e sentir no ar, entre tantas árvores e verde, o cheiro da carne sendo assada na brasa. Ao mesmo tempo, histórias permeiam o ambiente e são contadas de boca em boca, como a de uma garrafa de cachaça enterrada em local secreto como se fosse um tesouro de pirata.

— Essa história da cachaça começou como uma brincadeira entre dois piquetes: o Laços de Amizade e o Chilena de Ouro — conta o aposentado Milton da Silva Matos, 59 anos, patrão do primeiro piquete mencionado.

Conforme narra, ao final de cada acampamento, uma garrafa de cachaça artesanal era enterrada longe dos olhares de curiosos em um esconderijo situado em algum ponto do parque. O lugar era marcado à faca com um "x" em uma árvore próxima ao buraco no chão. A tradição, que é repetida há uma década, chama atenção de quem visita o piquete. Todos querem provar a tal da cachacinha escondida, garante Matos.

— Com a pandemia, a cachaça ficou dois anos e meio enterrada. Nossa preocupação era ver se a bebida ainda estava onde deixamos da última vez. Foi uma alegria quando vimos que sim — compartilha o tradicionalista.

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Em seguida, agacha-se e solta parte do assoalho de madeira. Lá do fundo, com cuidado, puxa a garrafa com o líquido de cor amarelada. No momento, o esconderijo se encontra dentro do próprio piquete. Mas, ao final desta edição do evento, a cachaça voltará para debaixo da terra, protegida por uma embalagem plástica, e ficará lá até o próximo ano.

O próprio Piquete Laços de Amizade, com 15 anos de existência, é um lugar acolhedor e exótico. A começar pela entrada, onde há a cabeça com as guampas de um búfalo dando as boas-vindas. O gaudério colocou luzes no crânio do animal. Quando aperta um botão, dois pontos vermelhos brilham onde ficavam os olhos. Além disso, o galinho do tempo, situado no telhado do galpão, possui uma bússola acoplada que ajuda a prever, com o auxílio da direção do vento, quando deve chover. Completam a curiosa decoração quatro casas feitas por pássaros joão-de-barro e grandes ninhos vazios de marimbondos. Também estão hasteadas as bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul.

Desde 13 de agosto, Matos e a esposa Berenice Ledur Matos, 60, também aposentada, passam a maior parte do tempo ali. O marido chega a dormir no galpão, que possui fogão a lenha e todos apetrechos necessários para garantir certo conforto em meio às paredes de madeira e à rigidez do inverno gaúcho. A decoração é sortida, sendo composta por lampiões, ferraduras, quadros com a temática tradicionalista e utensílios da lida campeira.

— Fizeram essa história de pirata e virou tradição — diverte-se Berenice, enquanto prepara o café na chapa quente do fogão.

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A última edição totalmente presencial do Acampamento Farroupilha ocorreu em 2019. Em função da pandemia de covid-19, os dois anos subsequentes do evento foram marcados por programações virtuais, e o local, sem os piquetes, deixou muita gente com saudade. Agora, o cenário é de retomada. Tanto que a estimativa é de que mais de 1 milhão de visitantes passem pelo local até o encerramento, em 20 de setembro — feriado que marca a data de início da Revolução Farroupilha. O tema dos festejos deste ano será Etnias do Gaúcho: Rio Grande, Terra de Muitas Terras.

O Piquete A Ferro e Fogo, representante da Vila Santa Isabel, de Viamão, na Região Metropolitana, é outro atrativo do acampamento. Na entrada, há um gaudério esculpido em metal que lembra o personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

— O sentimento que tenho é de gratidão. Nós, que somos tradicionalistas, estamos aqui há 30 anos. E este piquete já existe há 20 anos — diz o profissional autônomo Carlos Rogério Maduré, 55, patrão do local.

Maduré acompanhava os trabalhos finais para o galpão receber o público, o que, na prática, já acontece. Na noite dessa segunda, haveria um jantar para 20 pessoas.

— Estamos com a melhor expectativa possível. As pessoas criticavam antes o Harmonia por haver muito barro no chão. Agora, a concessionária responsável (GAM3 Parks) melhorou em alguns pontos e penso que precisamos acompanhar o progresso — elogia.

A esposa e advogada Janaína Rodrigues, 49, relata que, na noite de domingo (28), amigos vieram ao galpão visitá-los e tocaram uma música de Luiz Marenco com violão para homenageá-los. Com os olhos cheios de lágrimas, ela sintetiza o sentimento pessoal:

— A sensação é de recomeço. Perdemos gente da casa na pandemia. Pessoas que estariam aqui. É saudade, recomeço, um misto de emoção.

Circular pelo Harmonia é constatar que está tudo pronto, mesmo antes de 31 de agosto, prazo final para a montagem dos galpões. Dentro dos piquetes, os tradicionalistas arrumam a casa e passam o mate de mão em mão. O Piquete Sentinela da Fronteira estava apinhado de gente conversando no começo da tarde de segunda-feira.

— Sabemos das dificuldades (em relação à pandemia), mas a sensação é muito boa — observa o aposentado Leoveri Antonio Pena, 71, patrão do local.

Morador do bairro Vila Nova, Pena cita que esse é o segundo galpão dele, e o primeiro neste ponto atual do parque. Foi levantado em 2019 e, em função da pandemia, não pôde ser reaberto nos dois anos posteriores.

Ao lado dos amigos, o autônomo Carlos Alberto, 52, ex-patrão do mesmo piquete, comenta o que sente:

— Sempre agradeço esse momento de alegria e euforia — divide, com um largo sorriso no rosto.

O técnico em eletrônica Ricardo Cunha, 55, ajudava os demais nos preparativos do galpão. E soltou a frase que define bem como é a rotina por ali:

— Aqui se almoça churrasco e se janta carreteiro.

Nos dias 7 e 20 de setembro, o Piquete Sentinela da Fronteira antecipa que pretende assar um porco e dois costelões 12 horas, respectivamente.  

— Já vieram pessoas de uma creche para jantar. Procuramos manter o limite de 30 pessoas no galpão — salienta a esposa.

A presidente da Comissão Municipal dos Festejos Farroupilha, Liliana Cardoso Duarte, acompanha a montagem dos piquetes quase que diariamente no Harmonia e resume o significado desse recomeço:

— O sentimento é de resistência e de resiliência. Cada galpão que se ergue é como um quero-quero altivo no Pampa sempre de vigília nos dando saúde e força depois de dois anos de perdas e sofrimentos.

Atrações extras

Uma das atrações extras desta edição será a presença de um parquinho de diversões, inclusive com uma roda-gigante de 25 metros de altura à disposição do público. O local será composto por 18 atrações, sendo 15 delas brinquedos, como trenzinho, charrete, barco viking, comboio, torre, entre outros. Um ingresso custará R$ 11, e seis bilhetes sairão ao preço de R$ 55.

O Acampamento Farroupilha é realizado pela prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Smcec), em parceria com a GAM3 Parks (concessionária responsável pelo parque e pelo trecho 1 da Orla).  A entrada é gratuita.


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