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Papo Reto 

Manoel Soares e as lembranças da Vila Cruzeiro

Colunista escreve para o Diário Gaúcho aos sábados 

11/03/2023 - 05h00min


Manoel Soares / Arquivo Pessoal

Nesta sexta pela manhã, eu resolvi mandar um oi para a Manuela D’Ávila, conhecida política que luta por direitos humanos, mas que na minha vida é só amiga mesmo. Em meio aos papos saudosos em mensagens de textos e vídeos, ela me disse que, quando me vê todo cheio de conquistas e alegrias, lembra do menino que morava na Vila Cruzeiro e o quanto deve ter me custado chegar até onde estou. 

Quando a Manu me disse isso, me levou a fazer um cálculo que raramente faço, o cálculo das perdas. As noites que perdi editando matérias que achava importantes que entrassem no Jornal do Almoço. Os fins de semana na praia que perdi porque tinha plantão e eu sempre me colocava como voluntário, porque era a chance de ter uma equipe sem pauta definida, mas a minha disposição, então íamos fazer matérias nas quebradas. Tentei me lembrar quantas vezes entrei no SPC porque fazia empréstimos para colocar telhas nas casas das pessoas que gravávamos reportagens porque tinham perdido tudo na chuva. Fazia escondido da direção, porque isso não é aconselhável a um jornalista. As festas de Dia dos Pais que não fui, porque meu filho estudava pela manhã e o jornal estava no ar nessa hora. Quantas vezes deixei de ver minha mãe, de curtir uma balada e por aí vai. 

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Me lembro também de comer no Restaurante Mama Júlia no Mercado Público e o Beto, vendo que eu não tinha grana, deixava de cortesia. Os amigos taxistas que viam minha mãe subindo o Morro Santa Tereza e davam carona para ela sem eu nem saber que eram eles, os policiais que me chamavam para dar um “papo reto” em crianças infratoras apreendidas em pequenos delitos. Senhoras idosas que me viam desacreditado e me davam aquele sacolejo, me trazendo de volta para a luta. Paulo Jorge, falecido líder da Cruzeiro, que me chamava para conversar sobre como pessoas com poder se comportam. 

A verdade é que a vida me preparou para o que sou hoje, só agradeço por tudo. Em meio às minhas lembranças, a Manu, com todo carinho, diz: “Coisa boa te ver feliz”. Nessa hora, me deu um clique: nada que perdi me faz falta hoje, porque o saldo é positivo. Só o fato de poder ajudar a minha família no que precisarem, só o fato de ver meus filhos amparados me faz pensar que nenhuma renúncia foi em vão. Muitas das pessoas que me ajudaram e pessoas que ajudei estão em minha vida até hoje, e isso é a verdadeira riqueza. Pode até ter gente pensando: “Mas agora, na Globo, ele tá com dinheiro, aí é fácil ficar filosofando”. A verdade é que dinheiro é bom para dar possibilidades de caminhos para nossa felicidade, mas precisamos saber onde ela está. Senão, quando o dinheiro chega, só serve para pagar nosso funeral.


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