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Maratona fandangueira

 Conheça a banda gaúcha que "mora" em um ônibus e emenda mais de 20 shows por mês

Durante três dias, reportagem acompanhou rotina da banda Estação Fandangueira, de Terra de Areia, em bailes em Tramandaí e São Francisco de Paula

17/05/2019 - 15h04min

Atualizada em: 17/05/2019 - 17h39min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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Em terras que se orgulham de cultivar tradições, o gênero que lota bailes mistura vanera gaúcha e sertanejo. Desde o estouro do chamado sertanejo universitário, no início dos anos 2000, proliferam grupos com essa mescla Rio Grande afora. Porém, diferentemente dos astros milionários da música nacional, a peleia é árdua. São horas na estrada, onde o ônibus se transforma na segunda casa para cumprir a agenda de bailes pelos mais diferentes rincões. 

Durante três dias, entre Terra de Areia, São Francisco de Paula e Tramandaí, GaúchaZH seguiu na trilha de um dos principais nomes da vanera universitária no Estado. Estação Fandangueira ganhou em 2017 e 2018 o título de melhor banda de baile pelos leitores do Diário Gaúcho. Em 12 anos de estrada, alcança números expressivos para um grupo local e lucros que movimentam a economia da sua terra de origem. Confira a reportagem.

Busão na estrada, concentra que o show vai começar 

Marco Favero / Agencia RBS
Em São Francisco de Paula, primeira parada do fim de semana

No dia 4 de maio, um sábado, por volta das 16h, depois de ter saído de Terra de Areia, sede do Estação e onde fica o ônibus da banda, uma equipe de 16 pessoas chega a São Francisco de Paula, na Serra. O grupo havia tocado em um rodeio, em Cidreira, no Litoral Norte, no dia anterior. 

Ao contrário da rotina de grandes astros nacionais que ficam em hotéis luxuosos, o hotel aqui é o próprio ônibus. Um modelo 2002 comprado em dezembro de 2017, por cerca de R$ 300 mil. 

Marco Favero / Agencia RBS
No palco, músicos abrem o baile, em São Francisco de Paula

— Se em cada cidade, a gente tivesse que ficar em hotel, o custo aumentaria muito. Perderíamos um tempo precioso entre terminar o show, desmontar equipamento, entrar no ônibus, fazer check-in. Com o ônibus de hotel, a galera termina o show e já entra nele direto para descansar — afirma Robson Xavier, o Robinho, produtor do grupo há oito meses, com passagens em bandas como o Tchê Garotos, Garotos de Ouro e Bandavanera. 

Preparação 

Em São Francisco de Paula, na Sociedade Cruzeiro, um dos principais clubes da cidade, o salão que comporta cerca de 600 pessoas começa a ficar lotado por volta das 23h, à espera do grande show da noite: o do Estação. 

Marco Favero / Agencia RBS
Em São Chico, baile de quatro horas

— O pessoal daqui gosta deles. Sempre que vêm, a casa lota — conta um segurança.

Entre o público, é possível notar todos os tipos de perfis: desde casais mais velhos até jovens a fim da balada. Do ônibus estacionado na frente do clube, os músicos acompanham a chegada dos fãs e começam seus rituais. O vocalista Cassiano Batista, 30 anos, que nasceu e mora em Osório, faz exercícios vocais e conversa com Robinho sobre o repertório do baile, que prevê nada menos do que 80 músicas (ou mais, algumas vezes), distribuídas em quatro horas. Sim, são quatro horas de show direto!

E, por incrível que pareça, Cassiano prefere cantar em ritmo  frenético do que em "dobras", como eles chamam dois shows na mesma noite, de cerca de duas horas, cada. Mas como decorar todo esse repertório?

Marco Favero / Agencia RBS
Antes do show, conferida no repertório

— Tenho ele em uma playlist, salva em um aplicativo. As da banda, estou acostumado a cantar, claro. As outras, marco na seleção o que já cantei para não me perder. Mas a gente decora. Eu prefiro cantar direto em função da preparação, pelo aquecimento vocal. Depois que aquece, é melhor cantar quatro horas seguidas — explica Cassiano, que faz uma ressalva:

— Já, para os guris, fica melhor parar.  Até para descansar  o ombro.

Ritmo forte

O gaiteiro João Paulo Torres, 29 anos, que nasceu em Torres e mora em Três Forquilhas, admite:

— Sempre brinco que essa gaita pesa 12 quilos no começo do show. No final, chega aos 50 quilos (risos)! Quando o baile se aproxima de três horas, consigo me esticar um pouco. Faço um sinal para eles. Daí, a banda faz uns 15 minutos só com guitarra e vocal para me dar uma aliviada. Tento manter uma postura correta, mas é quase impossível.

Sintonizados

Durante o baile, o amplo repertório passeia por canções dos nove CDs e do DVD, como Dez pras Seis e Bebendo Dobrado, até chegar na mais recente, Convite Perfeito, a preferida para abrir os shows, ultimamente. Mescladas com as faixas do grupo, o Estação também procura tocar os sucessos sertanejos do momento. 

Nesse quesito, uma curiosidade: a banda conta com duas versões suas para o grande público. A que a reportagem acompanhou, e que responde por cerca de 70% da agenda, é a dos bailes, ou vanera universitária. Mistura, principalmente, vanera (estilo de dança dos fandangos com origem na habanera, ritmo cubano) e sertanejo. Já para os shows em CTGs e rodeios, eles tocam, pilchados, canções mais nativistas. 

— O repertório é diferente, claro. Mas, no geral, tentamos agradar a todos. Se, na versão baile, a gente toca um xote e vê que as pessoas estão dançando, a banda segue assim. Se estamos em um CTG, e o cara pede uma música nossa, também atendemos — explica o baterista Wagner Becker, o Becker, 21 anos, de Novo Hamburgo.

Fidelidade em tempo real

Com o baile a mil, passadas duas horas, chama atenção a quantidade de faixas próprias cantadas a plenos pulmões pelos frequentadores da Sociedade  Cruzeiro, em São Francisco de Paula. A fidelidade dos fãs, como bem destaca Cassiano, vem desde o começo da banda,  com o boom da faixa Você Não Vale uma Lágrima.

— Na época, uma rádio de Tramandaí tocou muito essa música, e ela ficou em primeiro lugar. A gente conseguiu emplacar, pelo menos, uma canção forte a cada disco. Tanto é que tivemos dificuldade de juntar todas as canções para montar o DVD. Tivemos que fazer pot-pourris (mix de trechos de diferentes canções em uma só), para que várias não ficassem de fora _ conta o vocal.

A tecnologia ajudou muito o grupo. As transmissões no Instagram e Facebook levam as nossas músicas para quem não pode assistir ao show. E ajudam a divulgar a banda em um meio fundamental

BECKER, BATERISTA DO GRUPO

— E olha que muita música boa ficou de fora! — diz Vanderlã Robalo, o Vavá, 30 anos, guitarra e voz solo, natural de Cerro Largo e morador de Osório.

Conexão direta

Segundo João Paulo, no início do Estação, o sertanejo não tinha a força que tem hoje, o que revela, desde o começo, a força da banda que sempre misturou vanera com sertanejo: 

— Isso mostra que o pessoal gostou mesmo da nossa música. 

Não satisfeitos em assistir ao grupo, dezenas de fãs filmam o show, fazendo transmissões ao vivo. Mas se engana quem pensa que isso incomoda os músicos. 

Marco Favero / Agencia RBS
Tecnologia que ajuda

— A tecnologia ajudou muito o grupo. As transmissões no Instagram e Facebook levam as nossas músicas para quem não pode assistir ao show. E ajudam a divulgar a banda em um meio fundamental — reconhece Becker.

Missão cumprida

Cerca de quatro horas depois, extenuados, enquanto a equipe técnica desmonta os equipamentos, os músicos entram no ônibus-casa do Estação para seguir viagem. O próximo show é em Tramandaí, no Litoral Norte, distante cerca de 130 quilômetros de São Francisco de Paula. Pós-palco, a adrenalina reina no ambiente, com todos fazendo brincadeiras, contando detalhes da apresentação e deixando o sono para depois. Para bem depois...

Marco Favero / Agencia RBS
Equipe técnica pega pesado pós-baile

— Uma vez, terminamos um baile em Santa Catarina, fomos para o ônibus e pegamos a estrada. Eu e o Vavá ficamos de papo, tomando chimarrão. Quando nós vimos, era 11h30min, e nada de o sono vir. Acho que só fomos dormir de tarde — relembra o baterista Becker. 

Diferentemente de outros domingos, a banda consegue dar uma parada em casa, coisa rara. Como o show é em Tramandaí, e o Q.G, em Terra de Areia, eles se permitem passar parte do dia em suas residências, antes de se reunir e voltar à estrada.  

Partiu, Litoral! 

Em Tramandaí, no clube Domer, o ritual se repete com algumas diferenças: duas horas de apresentação, sem outra logo na sequência. O show começa com solos de guitarra que lembram bandas de rock e com a performance do galã do grupo: o gaiteiro João Paulo. Tal qual um astro nacional ou mesmo internacional, Cassiano demora uns segundos para entrar no palco. E, quando aparece para a plateia, é ovacionado pelos fãs, chama o povo para dançar e abre o baile com o hit  Convite Perfeito, também cantado em coro. Cerca de duas horas depois, debaixo de uma chuvarada, fim de show: eles entram no ônibus, no mesmo clima da noite anterior, entre brincadeiras até altas horas. 

Marco Favero / Agencia RBS
No Domer, cartaz que anuncia a apresentação da banda

Rotina pegada

Depois de o público abarrotar o clube Domer em Tramandaí, na segunda-feira que, em geral, é o dia de folga dos músicos, a agenda avisa que tem mais baile pela frente: desta vez, em Novo Hamburgo. Mas o esperado descanso chega, finalmente, na terça-feira, e aí é cada um para o seu lado. Afinal, os músicos passam, em média, 21 dias intercalados na estrada. 

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Em Tramandaí, show é de duas horas

Em meses como o dos festejos farroupilhas, chegam a ficar mais de 10 dias rodando direto. A agenda de maio, por exemplo, marca 23 apresentações. Em setembro, pode emplacar até 35. 

— Setembro é um mês que tem 45 dias — brinca João Paulo.

Ônus e bônus

Nas folgas, Vavá afirma que os músicos gostam das coisas "mais simples do mundo". Desde o bolo da mãe, do churrasco até jogar videogame:

— Para descansar. 

Um dos que mais sofre com a distância é o baixista Márcio Silva de Oliveira, o Marcinho, 30 anos. Natural de Canguçu, na região sul do Estado, ele está morando em Terra de Areia, mas a família permanece vivendo em Canguçu. 

— Chego a ficar dois meses sem vê-los. Mas é um preço a se pagar, né? — reflete. 

João Paulo é um dos sortudos, pois mora em Três Forquilhas, a 16 quilômetros da sede da banda. 

 De um jeito ou de outro, consigo passar em casa toda a semana. Vejo a minha mãe e recarrego as baterias para mais uma semana de shows — comemora o gaiteiro.

Recompensador

Os músicos ficam em casa, no máximo, 36 horas e já pegam a estrada de novo, pois a agenda de maio está repleta de shows. Tanto tempo longe do lar traz questões que têm que ser resolvidas na própria estrada. Como a intensa convivência. 

Marco Favero / Agencia RBS
Amplo ônibus traz conforto para os músico

—  A gente tenta levar tudo com bom humor. E tem um cara muito bem-humorado que é o João. Quando ele chega, dá uma aliviada no ambiente. Todo mundo tem problema.A gente tenta resolver em conjunto, porque todos são parceiros. Mas têm dias que não adianta. É melhor deixar o cara quieto, ou fazer a terapia do sono (risos) — entrega Vavá.

Quando o assunto é o medo de passar boa parte do mês em estradas perigosas, os semblantes fecham e ficam mais sérios. João Paulo lembra do maior susto que levou há cerca de dois anos. 

— Em um acidente, por pouco, o ônibus não caiu em uma ribanceira. Depois daquilo, fiquei uns três dias sem dormir direito. Mas a gente segue. Rezando e pedindo proteção a Deus — diz o gaiteiro. 

A gente tenta levar tudo com bom humor. E tem um cara muito bem-humorado que é o João. Quando ele chega, dá uma aliviada no ambiente. Todo mundo tem problema.

CASSIANO, VOCALISTA DO GRUPO

Maior prêmio

Ainda assim, nenhum deles se enxerga fazendo outra coisa na vida. E todos vivem do Estação. Não têm empregos paralelos. A música virou uma cachaça, uma paixão. 

— Toda correria vale a pena. Todo mundo se dedica 100% à banda — destaca o vocalista Cassiano.

Para ilustrar o quanto todos são apaixonados pelo que fazem, o baterista Becker lembra de um episódio ocorrido em Santana do Livramento:

— Começamos a tocar por volta das duas da manhã. O pessoal cantava as nossas canções de um jeito que parecia banda nacional. Por volta das 6h, a gente seguia no palco, e eles seguiam cantando!



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