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Conheça quatro novos talentos que vêm ganhando espaço na música gaúcha

Nomes como Talyta Vargas e o grupo As Maragatas começam a ocupar um espaço importante na nossa cultura nativista

27/03/2021 - 09h53min

Atualizada em: 29/03/2021 - 09h51min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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A música tradicionalista, inserida em um universo predominantemente masculino, começa a ganhar ares mais democráticos. Não cabe aqui usar a expressão "invasão feminina no nativismo", pois o objetivo desta mulherada – que vem ganhando destaque há alguns anos na música regional – não é tomar o lugar dos homens mas, sim, ter as mesmas oportunidades e não ser vítima de qualquer tipo de preconceito. 

Antigamente, as mulheres tinham poucas representantes na nossa música, como Berenice Azambuja. De alguns anos para cá, artistas como Shana Müller e Analise Severo também marcaram seus nomes na história. Inclusive, com Shana sendo a primeira mulher a apresentar o Galpão Crioulo.

No rastro das pioneiras, podemos acompanhar um crescimento significativo no número de mulheres presentes em festivais, eventos do gênero e lançamentos de canções, mostrando que elas estão, sim, ocupando espaço no meio nativista de maneira definitiva. 

Neste fim de semana, confira quatro histórias de artistas talentosas, que deixam as antecessoras muito orgulhosas!

Apoio às parceiras de outros ritmos

Sob forte influência, do pai, Nelcy Vargas, que é músico e produtor, Talyta Vargas, 30 anos, deparou com o amor pela música bem cedo. 

Aos sete anos, começou a cantar em sua cidade natal, Dom Pedrito, onde mora até hoje. Entre a infância e a adolescência, gravou três discos. Já com 13 anos, enquanto a maioria dos guris e das gurias ainda está no colégio, sem a menor ideia de que profissão seguir, Talyta ingressou no grupo Mulheres Pampeanas, inicialmente formado por nomes que viriam a ficar conhecidos, como Ângela Gomes, Juliana Spanevello e Mariane Acordi - depois, Analise Severo entrou para a turma, no lugar de Ângela. 

- Foi uma das experiências mais fantásticas da minha vida, pois eu cheguei bem "verdinha" e já tinha a baita responsabilidade de cantar ao lado de ídolos - lembra Talyta. 

Ecletismo


Uma das marcas da guria, que também é oficial de Justiça em Dom Pedrito, é fazer parcerias com artistas de fora do universo nativista, como a cantora pop Lara Rossato, na canção Minuana, que também tem a participação especial de Manuela Gallo, que vem do jazz.

Sobre sua posição na música gaúcha, ela lembra que cresceu ouvindo nomes como Juliana Spanevello,  referência de empoderamento feminino e identidade. 

- Quando pude estar ao lado dela nos palcos, cheia de inseguranças quanto à minha própria identidade musical, percebi que a união nos torna mais fortes. É uma empoderando a outra, uma lembrando a outra da importância da sua identidade musical quando as dúvidas se fazem presentes. Só assim, acredito eu, é que vamos conseguir trazer mais vozes femininas para a música regional, fazendo dela um mosaico todo colorido, bordado com a diversidade e a identidade de cada uma - relata a artista. 

Na luta pela mulherada

Rodrigo Risson / Divulgação
Suzane busca dialogar com outras mulheres por meio de suas letras

Quem acompanha a trajetória de Suzane Paz, 30 anos, natural de Sapucaia do Sul – que já cantou em grupos de baile, musicais de invernadas, participou de festivais nativistas e fez backing vocal para Elton Saldanha e Cristina Sorrentino - não imagina que ela se sentiu segura para gravar suas composições apenas nos últimos anos. Um exemplo é a canção Milonga, que foi registrada, em parceria com Amanda Giacomelli, após mais de 15 anos atuando como cantora. 

- Sempre escrevi, mas criei coragem de gravar de uns anos para cá. E essa coragem veio da necessidade de cantar o que eu queria e não ter que pedir músicas para interpretar, pois, muitas vezes, no meio nativista, sofremos com isso, com a falta de autores que escrevam para mulheres. Ainda existe uma divisão. Então, fui tentar musicar o que eu já tinha escrito, tanto com parcerias para melodia, quanto eu mesma cantarolando. Aos poucos, estou criando meu espaço - comenta a gaúcha, que também é apresentadora de um programa que fala sobre música e cultura pelo olhar feminino, em uma rádio na internet, o Pampa Mulher.


Prestígio 

Suzane, que começou a cantar aos 13 anos, já percorreu boa parte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Até esteve mostrando a sua música no Uruguai. Uma das primeiras experiências da artista como compositora foi uma parceria com Clarissa Ferreira, etnomusicóloga, que musicou a letra Flor de Pedra, de autoria de Suzane, que foi regravada pelo grupo As Tubas. 

Em 2019, foi convidada por Shana Müller, cantora e apresentadora do programa Galpão Crioulo, da RBS TV, a participar do 1º Peitaço da Composição Regional, iniciativa que tem como objetivo fazer uma imersão sobre o feminismo no nativismo.

- Desde lá, faço parte da organização desse que é o precursor dos festivais feitos para mulheres no Rio Grande do Sul. Atualmente, estou alimentando minha websérie, Cantarolando no YouTube, projeto de regravações audiovisuais com colegas que marcaram minha trajetória e música autoral - lista a artista incansável.

Outro projeto que ela deve estrear em breve, também em seu canal no YouTube, é o Latineando, no qual cantará grandes clássicos da América Latina. 

- Hoje, me sinto muito mais segura. Atuo bastante em diversos setores, que que puxam pelo empoderamento feminino - afirma Suzane, que também faz parte do Conselho Municipal de Cultura de Sapucaia do Sul, representando a música popular.

Sem medo do preconceito


Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Bianca participa de festivais há 13 anos

Bianca Bergmam, 36 anos, cantora, compositora e nome conhecido nos festivais nativistas (participa dos eventos desde 2008), fala sobre a participação das mulheres na música regional: 

 - Ser mulher em um universo predominantemente masculino não é difícil, mas é necessário entender que nem tudo vai ser fácil! Contraditório? Na verdade, não! Nestes 13 anos de história, já venci e já perdi inúmeros festivais para muitos homens e, infelizmente, para poucas mulheres. 

Segundo ela, isso acontece porque, desde sempre, os homens tomaram a frente e criaram seu próprio espaço:

- Porém, em nenhum lugar estava escrito que nós, mulheres, não poderíamos fazer o mesmo. Foi pensando assim que rabisquei meus primeiros versos e decidi arriscar.  


Machismo

Hoje, ela analisa algumas situações pelas quais passou e acredita que questionamentos sobre o seu talento vieram muito mais de "especulações sobre a vontade de ser compositora" do que do fato de ser mulher.

- Mas seria injusto ocultar que, em algumas ocasiões, sofri, sim, preconceito - admite. 

Em um dos casos, quando venceu um festival em Alegrete, o machismo surgiu disfarçado de elogio.

- Na época, ouvi isso: "O teu (poema, Pra Onde Foram as Borboletas) foi o único que eu não havia lido, por ter um título muito feminino e (por ser) escrito por uma mulher. Achei que não me identificaria, mas, realmente, me surpreendi ao assistir à interpretação no palco" - relembra. 

Além de parcerias com Shana Müller, Analise Severo, Liliana Cardoso e Luiza Barbosa, Bianca se orgulha do entrosamento com Aline Ribas:

- Juntas, sempre damos prioridade para intérpretes mulheres, não por retaliação, afronta, ou algo que o valha, mas porque tentamos trazer, na maioria das vezes, temas que abordam o universo feminino em nossas composições. 

Nas Missões, as gurias dão as cartas

Por quase 10 anos, as primas Letusa Moraes, 28, e Naira Baptista, 25, fizeram parte do grupo Herança Missioneira, na região das Missões, levando a música nativista e a mensagem do culto às tradições gaúchas por todo o Rio Grande do Sul. 

Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Grupo se orgulha de representa a força das gaúchas

Na época, nos shows e bailes, elas tinhas algumas espectadoras especiais no meio da plateia: as primas mais novas Bianca, 14, e Júlia, 14.

Por meio do projeto cultural Gaita Botoneira das Missões, de São Miguel das Missões, as quatro primas começaram a ensaiar e fazer apresentações juntas, em um modelo não muito comum na música gaúcha: um quarteto de mulheres cantando músicas nativistas. Até que, em dezembro de 2019, surgiu o grupo As Maragatas. 

Segundo Letusa, um dos orgulhos da turma é representar a força e a garra das mulheres gaúchas, que sempre lutaram para defender seus ideais.  

- Por meio da música tradicionalista, fandangueira e nativista, levamos adiante nosso legado, que é de cultuar a nossa tradição e contar a história do nosso Rio Grande do Sul. Nós escolhemos cantar o nativismo porque, desde crianças, fomos criadas participando dos CTGs, declamando poesias, dançando os ritmos gaúchos, aprendendo com nossos pais a ter respeito, hospitalidade e preservar os valores que os gaúchos trazem por característica - explica Letusa. 


Rápido destaque

Rapidamente, a banda das gurias foi ganhando destaque no cenário tradicionalista. Em dezembro do ano passado, gravaram sua primeira live. Depois, foram convidadas para gravar outro show online, desta vez, em Francisco Beltrão, no Paraná, no programa nativista Cheiro de Galpão, e foram convidadas pela cantora Angélica Kberw, conterrânea das gurias (Angélica é de Porto Xavier, também na região das Missões), para gravar a faixa Ana a Anita, que trata de mulheres fortes na história. Em dezembro de 2020, elas lançaram sua primeira música autoral: Meu Canto a São Miguel. 

Letusa observa ainda que, no passado, a maior parte de artistas gaúchos era composta por homens, que acabavam dominando a parte musical.

- Hoje, a mulher gaúcha tem ganhando força e um significado participativo na vida artística. Graças a Deus, nosso trabalho está sendo bem aceito em todos os lugares que vamos e nas plataformas digitais. É um estímulo para que mais mulheres façam o mesmo - comenta Letusa.



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