Alô, família!
Após mais de 40 anos, solitário da Ilha dos Marinheiros faz contato com familiares
Morando sozinho em local isolado, pescador falou ontem com uma irmã. Contato ocorreu após matéria no Diário Gaúcho
De olhos e ouvidos fixos no celular emprestado pela reportagem do Diário, o pescador aposentado Honório Gomes Zilles, que diz ter 88 anos, se surpreendeu com a conversa do outro lado da linha, no final da tarde de ontem:
- Aqui é a Cleonice, filha do Domingos, seu pai. Ele está vivo e quer te ver!
Sorriso acanhado no rosto e olhos cheios de lágrimas, o solitário da Ilha Grande dos Marinheiros, no Bairro Arquipélago, na Capital, quase não acreditou estar falando com a família que não vê há mais de quatro décadas.
Foram oito minutos ao telefone com Cleonice Zilli, 37 anos, sua irmã e filha mais nova de Domingos, moradora de São Nicolau, terra natal de Honório, a 562km de Porto Alegre.
Ermitão não quer deixar os cães
Entusiasmado com a possibilidade de rever o filho adotivo que sumiu no mundo (cuja história o pai contava aos filhos mais novos), Domingos, 89 anos, se emocionou ao saber que Honório está vivo.
- Se o senhor quiser, a gente lhe busca aí e traz para morar aqui em São Nicolau. Não precisa trazer nada. Mas o senhor precisa querer - afirmou Cleonice.
O pescador aposentado afirmou querer rever a família e, quem sabe, morar com eles. O maior problema é que ele não quer se desfazer dos três companheiros da vida solitária: os guaipecas Chupim, Barbudo e Macaco.
- Não posso abandonar meus cachorrinhos. Tenho as minhas coisinhas também - disse ele.
Cleonice contou que viria de carro e só poderia levar as roupas de Honório. Então, o pescador pediu 15 dias para organizar a vida. A família deve buscá-lo na segunda quinzena de agosto.
- Eu queria, pelo menos, levar meus cachorros. Eles não vivem sem mim - afirmou Honório antes de desligar o telefone.
História emociona leitores
Diversos leitores contataram com a redação para tentar ajudar o aposentado a localizar a família.
Mas foi a leitora Elisandra Cogo Farina, de Porto Alegre, que tem familiares e amigos em São Nicolau, que foi decisiva na localização dos Zilli. Ela falou com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Nilton Rutsatz, que conhecia a família de Honório e os contatou. Eles continuam morando na localidade de Rincão dos Potreiros.
- Fiquei emocionada com a matéria - revelou Elisandra, que enviou a matéria por e-mail para Nilton mostrar aos familiares de Honório.
"Daria tudo para rever a minha terra"
A rotina simples de Honório, que acorda às 6h e dorme logo após ao anoitecer na região mais isolada da Ilha, foi contada no Diário Gaúcho de ontem. Sem água potável e energia elétrica, Honório tem uma bateria - carregada na casa de um morador da região - para ouvir rádio-gravador e ter iluminação à noite.
Saiu de casa para trabalhar
Ao contar que é natural de São Nicolau, nas Missões, o aposentado recordou ter perdido os pais na infância. Então, acabou adotado pela família de Domingos Zilli. Ele saiu da terra natal ainda jovem para trabalhar como peão de fazenda, pedreiro e pescador. Nunca casou. Teve contato com parentes ao longo dos anos, mas jamais retornou para ver o pai.
- Daria tudo para rever a minha terra - confidenciou à reportagem.
Idade dele é uma incógnita
Mas como Honório pode ter sido adotado por alguém com um ano a mais de vida? A explicação é que nem Honório sabe ao certo a idade que tem. Foi adotado sem documentos, quando tinha cerca de seis anos.
Com o passar do tempo e as viagens pelo Brasil, trabalhando em fazendas, perdeu toda a documentação e só voltou a fazê-la quando precisou se aposentar. Então, a data correta de nascimento é uma incógnita.
- Eu acho que sou de 1942, mas não sei direito - diz Honório, que se contar por esta data teria 70 anos.
Na identidade, porém, aponta que ele nasceu em 26 de agosto de 1925 (seriam 87 anos).