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Enfim juntos

Pescador solitário volta à terra natal depois de 40 anos

Honório Gomes Zilli deixou a Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, e cruzou o Estado rumo a São Nicolau, nas Missões

20/08/2013 - 07h45min

Atualizada em: 20/08/2013 - 07h45min


Após 40 anos de separação, Domingos Zilli, o pai, ajeita a boina do filho

Um reencontro aguardado há quatro décadas ocorreu na sexta-feira passada. O pescador Honório Gomes Zilli deixou a Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, e cruzou o Estado rumo à terra natal: São Nicolau, nas Missões, a 600km da Capital.

Em 29 de julho, a solidão de Honório na Ilha foi apresentada no DG. Naquele dia, uma leitora localizou a família que ele não via havia 40 anos. A partir daí, uma rede formou-se para levá-lo para casa. E com os cachorros. A vida solitária ganhou novo rumo. O jornal acompanhou o emocionante desfecho da história.

Bastaram os olhos se cruzarem para que 40 anos de saudade ficassem para trás. O pescador aposentado Honório Gomes Zilli, 70 anos, e o pai adotivo, Domingos Zilli, 89 anos, se reencontraram na sexta-feira passada, depois de Honório viajar por dez horas da Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, até o distrito de Santo Isidro, em São Nicolau.

De cabeça baixa, o pescador desceu do carro, ajeitou a boina, colocou as mãos na cintura, respirou fundo e deu oito passos em silêncio rumo ao abraço do pai.



O primeiro diálogo entre pai e filho

Domingos, com os olhos marejados, estendeu a mão:

- Oi, filho, Deus te abençoe. Como é que tu tá?

Acanhado, Honório apenas balbuciou:

- Tô bem, pai.

Emocionado, o anfitrião deu um abraço apertado diante de toda a família.

- Saiu do inferno, meu filho.

- Graças a Deus. Aquilo lá era um inferno mesmo - disse Honório, antes de se aconchegar no peito de Domingos.

Galinhada esperava os viajantes

Foram a caçula de Domingos, Cleonice Zilli, e o marido dela, Dirlei Braga, ambos de
37 anos, os responsáveis por buscarem Honório na parte mais distante da Ilha. O casal ainda ofereceu a primeira pousada para o pescador no retorno dele a São Nicolau. Ele ficará com a irmã por, pelo menos, uma semana, até que os primeiros móveis da nova morada sejam comprados.

- Meu pai passou a vida toda contando as histórias do filho que havia desaparecido. Eu sempre tive vontade de conhecê-lo. Por isso, fiz questão de convidá-lo para voltar para casa - contou Cleonice, emocionada enquanto observava o pai e o irmão.

Uma galinhada preparada pela segunda mulher de Domingos, Odócia Gonçalves,
63 anos, e por duas dos 17 filhos do pai adotivo de Honório, foi degustada pelos dois enquanto trocavam as primeiras palavras. Já passava das 21h, horário em que Domingos costuma já estar dormindo.

- Não consegui dormir e comer direito nos últimos dias. Estava ansioso pela volta deste guri. Só vou descansar agora - confidenciou.

Adoção ocorreu na infância

Ainda na mesa, Domingos recordou a época em que Honório foi adotado pela família. Caçula e órfão de mãe, o pescador vivia em condições precárias com o pai e outros cinco irmãos no distrito de Rincão dos Potreiros. Domingos contou que a decisão de adotá-lo foi para salvar a vida de Honório.

- Ele tinha uns cinco anos, e vivia pelado. Não tinham roupas. Dava para contar os ossinhos do corpo, de tão magrinho que era. Tinha uma cabelama cheia de piolhos. Um irmão dele já tinha morrido de fome. E ele ia morrer também - recordou o pai, com lágrimas nos olhos.

Em casa

No sábado, Honório conheceu a casa onde passará a viver. Enquanto circulava pela moradia de quatro peças de madeira e banheiro de alvenaria, com dois açudes e pomares, foi surpreendido pelos latidos dos "amigos" no portão.

Eram os cães Chupim e Barbudo, levados pelo mecânico Valter Ribeiro e a mulher dele, Sandra, pais do veterinário Rodrigo Ribeiro, de Alvorada. Com os laudos de viagem expedidos pela veterinária Michele Panazzolo, de Canoas, os dois companheiros de Honório puderam seguir rumo a São Nicolau. Macaco, o outro guaipeca, fugiu para o interior da Ilha pouco antes da viagem.

Quando deixaram as gaiolas, os cães correram para o abraço de Honório. Familiares se emocionaram. Em segundos, o rosto sisudo do pescador deu lugar a um largo sorriso. Não estava mais solitário. E fez previsões:

- Espero alguma coisa mais pra frente, antes do fim da vida. Criar bichinhos, comprar umas galinhas, uns porquinhos. Pretendo ficar por aqui.

E quanto à idade de Honório, cujos novos documentos - feitos por um ex-patrão de uma das fazendas onde trabalhou - constatam que ele teria 88 anos?

Domingos afirma que o filho, na verdade, tem 70 anos (nasceu em 1943). Aliás, completará 71 anos na próxima quinta-feira.

- Esperei tanto por este momento. Há quase 20 anos, descobri que ele estava em Porto Alegre e mandei dois dos meus filhos buscarem ele. Mas não quis vir sem os documentos. Achei que jamais voltaria a abraçá-lo - resumiu o pai, faceiro.

Bastidores da viagem

Vizinho

Antes de sair da Ilha, Honório fez questão de se despedir do casal Vera Anschau, 51 anos, e Vilson Amarante, 64 anos, que nos últimos 12 anos foram os amigos mais próximos dele.

- Quando eu estiver com a casa pronta, vocês podem ir me visitar - garantiu Honório, decidido, enquanto carregava mais um saco de roupa para o carro da irmã.

Trajeto

Como há anos não andava de carro, Honório estranhou o trajeto até São Nicolau. Foram necessárias cinco paradas ao longo do caminho. Em cada uma delas, ele descia do veículo, fumava um cigarro e se espreguiçava.

- Desacostumei com tudo isso - comentou numa das paradas.

Rio Uruguai

Apesar do rosto sisudo, Honório conversou com a irmã durante quase toda a viagem. Entre uma sorvida e outra de chimarrão, deixou escapar que queria muito rever o Rio Uruguai, mas não pretendia nadar.

- Papai tentou várias vezes me ensinar a nadar. Mas eu fugia feito gato. Apesar de ser pescador, nunca aprendi - contou.

Energia elétrica

Já era noite quando o pescador avistou a primeira placa indicando São Nicolau, a cidade fronteiriça de 5.727 habitantes. Ficou impressionado com a chegada da energia elétrica à região. Na parte da Ilha onde morou pelos últimos 40 anos, até hoje não há luz e água encanada.

Depois de cruzar as ruas de paralelepípedos de São Nicolau, se surpreendeu ainda mais com as casas iluminadas em meio à escuridão do distrito de Santo Isidro, pequena localidade nas margens do Rio Uruguai, onde parte dos Zilli aguardava a chegada de Honório.

Brincaderias

Mesmo após o longo período afastado dos parentes, Honório reconheceu as irmãs de criação Maria, 57 anos, e Enedir Zilli, 59 anos. Entre abraços apertados, sobrou espaço até para brincadeiras.

- Mas como vocês engordaram! - disse Honório às irmãs, arrancando gargalhadas de todos.

São Nicolau

- Fica a 562km de Porto Alegre. O distrito de Santo Isidro fica a 38km do centro da cidade, via estrada de terra.

- Foi o primeiro dos Sete Povos das Missões a ser fundado, em 3 de maio de 1626, pelo padre Roque Gonzales.

Relembre o momento em que seu Honório conversou com a família pelo telefone após 40 anos, ainda na Ilha Grande dos Marinheiros:


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