Opinião
Cáren Cecília Baldo: "Manoel não vive com o mesmo tipo de paredes e teto que eu"
Editora do Espaço do Trabalhador e coordenadora de produção do Diário Gaúcho reflete sobre a percepção da sociedade a respeito dos moradores de rua
Uma casa aconchegante, que me protege da chuva, do frio, do excesso de sol, do vento. Pequena, sem luxos, mas um teto e paredes que fazem daquele espaço a minha fortaleza. Antes de dormir, agradeço a Deus por ter aquele abrigo.
Já o Manoel não vive com o mesmo tipo de paredes e teto que eu. Ele conta com algumas lonas, agora que está melhor de vida: comprou até um carrinho. Bem melhor do que no tempo em que tinha só uns panos para se deitar, no chão. Quando chove, se abriga com o Thor - o cão filhote que adotou faz uns dois meses - dentro do carrinho, com a lona por cima.
Passo todos os dias pelo Manoel, e o nosso contato se estreitou faz poucos meses. Criei uma relação de quase dependência da presença dele: quando não o vejo, ou não encontro o carrinho, chega a me dar um aperto no peito. Porém, a minha preocupação se desfaz quando o reencontro e ele me conta que foi visitar uns amigos, que também moram na rua, em outro bairro.
E é aí que percebo a vulnerabilidade daquela situação. Um homem de 58 anos, que dorme todos os dias nas ruas, à mercê de gente ruim disposta a fazer alguma maldade. Sempre tem, né?
Paro para conversar com o Manoel quase que diariamente. Dou um abraço, divido um quindim, faço um carinho no Thor. E o Manoel, por pior que a situação dele possa parecer para mim, sempre tem um sorriso guardado no bolso, uma piada sobre a vida, uma alegria sem fim em apenas um gole de cachaça. Ele me ensina que a gente faz da vida um tormento, e não o contrário. Não importa o momento que estamos passando.
Ele mesmo, o Manoel, que eu poderia ignorar, pois ele é um morador de rua. Alguém que estorva o caminho, que merece desprezo - pensam alguns. Que bom não pensar assim. Que bom valorizar o Manoel e as percepções que ele tem para me passar da vida.
Curta nossa página no Facebook