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Alvo da prefeitura

De ganha-pão a ameaças: atuação de flanelinhas em Porto Alegre divide opiniões

GaúchaZH circulou por vias da cidade e conversou com motoristas e guardadores de carros

28/08/2019 - 11h12min


Cid Martins
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Eduardo Matos
Eduardo Matos
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Ação flanelinhas, alvo de projeto da prefeitura, em via do bairro Azenha, em Porto Alegre

Alvo de um projeto da prefeitura que pretende acabar com a atividade de guardadores de carros nas ruas de Porto Alegre, a atuação dos chamados flanelinhas divide opiniões. Pelos trabalhadores, é descrita como uma forma de ganhar a vida. Por parte dos motoristas, sobram críticas. São relatos de ameaças, constrangimentos e cobranças abusivas.

Hoje, a atividade não é ilegal na cidade: é regulamentada pela Lei Municipal 5.738, de 1986, depois modificada pela Lei Municipal 6.602, de 1990. Se a proposta do Executivo for aprovada pela Câmara e sancionada, ficarão estabelecidas multas para quem descumprir a proibição.

— Não exigimos valor. Estamos aqui porque não conseguimos outra forma de ganhar a vida. É um trabalho honesto, sem ameaças. Se quiser deixar o carro e não tem dinheiro, pode deixar — contou a GaúchaZH, na manhã desta terça-feira (27), o guardador Bruno Oliveira, 19 anos, que trabalha no entorno da UFRGS.

Ele salienta que se reveza no local com dois tios ao longo dos três turnos há quatro meses. Diz, também, que não cobra um valor fixo — recebe entre R$ 1 e R$ 5. Motoristas que estacionam na região — na maior parte, vinculados à universidade — relataram não se incomodar com a atividade e que nunca enfrentaram problemas.

Nas proximidades da Usina do Gasômetro, a comerciante Irene Machado, 72 anos, diz que a situação melhorou nos últimos dois meses com fiscalização, mas alerta:

— O problema é no fim de semana. Chega a ter uns 20 aqui na rua, só esperando o movimento das pessoas aumentar. Cobram de R$ 20 a R$ 40. Em alguns casos, até R$ 50.

Como ela, outros moradores da região reclamam da atuação de flanelinhas durante eventos na orla do Guaíba em sábados e domingos.

A maior concentração de flanelinhas durante dias de semana é no entorno de bancos, tabelionatos, universidades, escolas, restaurantes e do Foro Central. As reclamações de cobranças abusivas, no entanto, são mais focadas em eventos nos fins de semana. Entre 8h30min e 12h30min desta terça-feira e entre 14h e 17h, GaúchaZH circulou por bairros como Menino Deus, Azenha, Santana, Praia de Belas, Centro, Glória, Moinhos de Vento, Bela Vista e Bom Fim. 

Atuação na área azul

GaúchaZH ficou por uma hora no trecho entre as Ruas Visconde do Herval, General Caldwell e Vinte de Setembro, no bairro Azenha, durante o final da manhã desta terça-feira. Havia pelo menos seis flanelinhas, apenas dois com jalecos. Todos cobravam por vagas em locais onde já tem área azul.

— Como é área azul, o (pagamento) mínimo é R$ 1,05. Se quiser deixar algo para a gente, ajuda. Se não quiser, não tem problema. Se passar o tempo do parquímetro, a gente bota dinheiro para eles e depois eles repõem. A gente não estipula preço. Eles (motoristas) deixam na área azul e contribuem com a gente. A extorsão é mais em eventos, aqui não tem isso — afirma um guardador que se identificou como Vilmar, 43 anos, e atua na Visconde do Herval. 

Um comerciante da região, que pediu para não ter o nome divulgado, contesta. Diz que há flanelinhas que não exigem valores, mas outros ameaçam motoristas de danificar o carro, por exemplo.

Mais de R$ 2 mil por mês

Durante a tarde, a reportagem conversou por 20 minutos com flanelinhas que ficam em um dos pontos de estacionamento com área azul do Parque Moinhos de Vento, o Parcão. Eram quatro, mas somente dois concordaram em conversar, mesmo assim sem se identificarem. Um deles, de 33 anos de idade, disse que trabalha há 27 no mesmo local. Começou, segundo ele, com os pais aos seis anos e segue até hoje. Ele lavava um veículo  Hyundai Creta. De posse da chave do veículo, disse que ganha mais com as lavagens do que com as gorjetas.

— As pessoas confiam em mim. São meus clientes. Traficar e roubar não é comigo. O meu negócio é correr atrás da moeda — disse o guardador.

Perguntado se conhecia o projeto que pretende acabar com a atividade de guardador de carros, disse que não, mas que "o mundo não vai acabar" se isso se confirmar.

— Eu começo às nove e vou até às sete (19 horas). Trabalho de segunda à sexta. Aos finais de semana são outros flanelinhas. Se acabar, vou ter que arrumar um emprego com carteira assinada — declarou o flanelinha que ainda não concluiu o Ensino Fundamental.

Segundo ele, em dias ruins ganha entre R$ 50 e R$ 60. Já nos dias em que consegue lavar mais carros, salta para R$ 200.

— Eu recebo, em média, R$ 100. Dá mais de R$ 2 mil por mês — conta.

Outro flanelinha que estava próximo resistiu em falar com GaúchaZH. Se limitou a dizer que está há 25 anos naquele local, na mesma atividade. Sem parar de lavar o carro,  apenas disse que ainda não sabe o que vai fazer se a sua atividade terminar.

Ainda foi possível encontrar flanelinhas em atividade na Praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre, na Rua Múcio Teixeira e na Rua Irmão José Otão. Embaixo do Viaduto Dom Pedro I, no bairro Menino Deus, flanelinhas se misturavam aos funcionários da terceirizada responsável pela cobrança da área azul. Algo comum, também, é a reserva de vagas com baldes pelos guardadores.

Ações e ocorrências

A Guarda Municipal de Porto Alegre informou que, entre julho e agosto deste ano, foram realizadas nove ações com o objetivo de coibir a ação irregular dos flanelinhas na orla do Guaíba, com 31 abordagens e cinco encaminhamentos a delegacias de polícia — cinco guardadores eram foragidos da Justiça. 

Na 17ª Delegacia da Polícia Civil (Centro Histórico), o delegado Juliano Ferreira afirma que são registradas mensalmente pelo menos cinco ocorrências de furtos em veículos e de carros danificados, cujas vítimas alegam que se negaram a pagar flanelinhas. Na 1ª Delegacia, também no Centro Histórico, os casos são mais esporádicos, mas também há registros.


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